A “caça às bruxas” que estaria ocorrendo no Ministério
Público Estadual (MP-PA) pode trazer graves prejuízos sociais: com promotores
“acanhados”, devido à ameaça de punições em larga escala, a sociedade pode acabar
à mercê de todo tipo de arbitrariedades.
A afirmação é do procurador de Justiça Nelson Medrado,
que considerou “muito graves” as declarações do promotor Benedito Wilson,
segundo o qual o MP-PA vive uma espécie de “santa inquisição”, com um número
recorde de procedimentos disciplinares contra promotores e procuradores.
“Junte esse suposto punitivismo exacerbado à falta de
promotores e de recursos financeiros da instituição e o que você terá é um
quadro extremamente preocupante para a sociedade”, diz o procurador, que
defende uma investigação sobre a veracidade das afirmações de Benedito, além de
um amplo debate no MP-PA e na sociedade.
No entanto, o procurador geral de Justiça, Gilberto
Valente Martins, e o corregedor, Jorge Rocha, negam qualquer “caça às bruxas”
no MP-PA.
Jorge desmente, inclusive, os números citados por
Benedito, sobre os procedimentos disciplinares abertos pela Corregedoria.
Já Gilberto Martins lista os investimentos em
infraestrutura e as ações de combate à corrupção e à criminalidade, para
rebater as declarações do promotor, acerca de uma suposta inação do MP-PA.
Leia a matéria do blog
com as declarações do promotor Benedito Wilson: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2019/10/mp-em-chamas-promotor-diz-que-gilberto.html
A
resposta do corregedor-geral do MP-PA, Jorge Rocha: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2019/10/corregedor-nega-caca-as-bruxas-no-mp-pa.html
A resposta do procurador-geral de Justiça,
Gilberto Valente Martins: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2019/10/procurador-geral-de-justica-nega-caca.html
“Quem vai investigar o governador e o
prefeito de Belém?”
Medrado destaca os possíveis prejuízos sociais desse
suposto clima persecutório: “O promotor de Justiça é o defensor das liberdades
democráticas e o fiscal da Lei. Ele não age por interesse pessoal: age na
defesa dos interesses da sociedade. Mas
para isso tem de se sentir apoiado, respaldado, pela instituição que
representa, que é o Ministério Público. Do contrário, como é que ele conseguirá
exercer o seu papel?”
E prossegue: “Quem hoje vai investigar o governador ou
o prefeito de Belém? A gente vê a AGE (Auditoria Geral do Estado) fazendo
investigações que o MP é que deveria fazer. Você tem o caso do Nilo Noronha, o
caso do “dinheirinho”, e cadê as nossas investigações? Não estou dizendo que
essas pessoas são culpadas, mas nós temos, sim, de investigar”.
No entanto, acrescenta, “o que vemos hoje no MP são
pessoas receosas, se sentindo abandonadas, sem apoio”.
Ele também considera “muito preocupante” o fato de
Benedito ter afirmado que se tornou alvo de um Procedimento Disciplinar
Preliminar (PDP) por ter criticado a atuação de Gilberto Martins.
“É importante garantir a liberdade das pessoas
falarem. Sempre defendi a transparência, porque a luz é o melhor alvejante.
Parece-me que o que o Benedito quer é justamente isto: discutir o que está
acontecendo no MP, incluindo o apoio ou a falta dele aos promotores”, diz.
Procedimento disciplinar para “agradar”
Jatene
Medrado conta que ele mesmo passou a ser vítima de
procedimentos disciplinares, após ajuizar um processo de improbidade
administrativa contra o então governador Simão Jatene, devido ao abastecimento
de viaturas policiais nos postos de combustíveis do advogado Alberto Jatene,
filho do então mandatário (https://pererecadavizinha.blogspot.com/2016/06/empresa-que-paga-postos-de-gasolina-de.html
).
“Não vou entrar no mérito das declarações do Benedito;
falo por mim. Investiguei o então governador e, por uma questão absurda,
abriram um PAD (Procedimento Administrativo Disciplinar) contra mim e o promotor
Armando Brasil, que mais pareceu uma coisa para agradar o ex-governador”, afirma,
“Nunca disseram que coletei prova de maneira ilegal, ou que o filho do
governador era inocente. Tudo o que foi dito contra mim foi que ultrapassei os
limites”.
Lembra que teve de recorrer até ao Conselho Nacional
do Ministério Público (CNPM), em Brasília, para não acabar punido e que o CNMP
arquivou o caso, “inclusive dizendo que havia interferência política no MP do
Pará”.
Em outra ocasião, acabou alvo de um PAD após encaminhar
a denúncia de um jornalista sobre uma licitação que teria sido vencida pelo
genro do corregedor, Jorge Rocha.
“Eu era coordenador do Núcleo de Combate à Improbidade
e à Corrupção (NCIC) e, ao encaminhar o caso a um promotor, escrevi que os
documentos apresentados pelo jornalista pareciam verdadeiros. Acabei
respondendo a um PAD porque disseram que eu não poderia ter escrito isso. Mais
tarde, arquivaram tudo contra o corregedor, e eu continuo respondendo ao PAD.
Qual a mensagem que isso passa aos outros promotores?”, indaga.
Mulher de Gilberto Martins teria passado 2 anos
recebendo sem trabalhar
Segundo Medrado, até mesmo o ex-procurador geral de
Justiça do Pará, Marco Antonio Ferreira das Neves, acabou alvo de um PAD, após
buscar informações de órgãos públicos sobre uma denúncia bombástica que recebeu:
a de que a esposa de Gilberto Valente Martins, que é funcionária pública, teria
passado dois anos em Portugal, recebendo salários sem trabalhar.
Na época, Gilberto estaria ameaçado, devido ao
trabalho no MP. Daí o casal ter ido passar uns tempos no exterior.
“A Seurb (Secretaria Municipal de Urbanismo) falou que
ela (a esposa de Gilberto) havia sido cedida à Câmara Municipal de Belém (CMB).
Já a CMB disse que, naqueles dois anos, ela teve atestada a frequência diária e
recebeu os salários. Mas a Polícia Federal informou que ela saiu do Brasil em
2009 e só retornou em 2011”, relata.
E prossegue: “Com base nessas e outras informações, o
Marco entrou com uma denúncia criminal, que tramita no TJE. Aí, a Corregedoria
abriu um PAD contra o Marco, porque ele teria investigado o procurador geral de
Justiça sem autorização. Só que ele (Marco) é membro do Colégio de
Procuradores, cuja função é justamente investigar. O Colégio fiscaliza todo o
MP e pode até rever atos do procurador geral e da Corregedoria”.
“Eu
me senti intimidado”
Medrado também corrige os números citados por Benedito
Wilson, acerca dos procedimentos disciplinares no MP-PA.
Segundo ele, a informação do próprio corregedor Jorge
Rocha, em uma reunião do Colégio de Procuradores, foi da abertura de cerca de
30 PADs e 80 ou 90 Procedimentos
Disciplinares Preliminares (PDPs).
“Só que esses 80 ou 90 PDPs envolvem quase a metade
dos integrantes do MP”, afirma.
Ele reconhece a dificuldade de provar a existência de
uma “perseguição” no MP, “porque o corregedor sempre vai dizer que está
exercendo o direito dele”. Mas, observa, tais PDPs “acabam tendo um efeito de
atemorizar os promotores”.
É uma sensação que ele mesmo já experimentou: “Eu me
senti intimidado, até porque o CNMP disse que aquele PAD contra mim (por ter
processado Simão Jatene) tinha um nítido viés político”.
Ao todo, diz ele, sofreu 4 PADs, 2 deles relacionados
ao ex-governador, e todos por “usurpação de atribuições”.
Dois já foram arquivados, coisa da qual nunca duvidou:
“Sempre tive plena convicção de que o destino de todos esses procedimentos é o
arquivo. Sei que nunca fiz nada errado e, como confio no Judiciário, sei que isso
não prospera lá. Mas fica a tentativa de intimidação, que extrapola a minha
esfera e passa para os promotores. Porque eles pensam que se isso aconteceu
comigo, que sou procurador e nunca havia sofrido uma punição em 30 anos de
trabalho, imagina o que pode acontecer com eles”.
Segundo ele, hoje até as conversas com os seus colegas
de MP têm de ser às escondidas: “Os colegas não querem que a administração
saiba que falam comigo, e eu também não quero, porque já respondo a todos esses
PADs”.
E acrescenta: “Aliás, estou até preocupado que abram mais
um PAD contra mim, só porque resolvi atender esse seu pedido de entrevista”.
Medrado criou o Núcleo de Combate à Improbidade e à
Corrupção (NCIC) do MP-PA e foi o único procurador, até onde se sabe, a
processar um governador em exercício.
No entanto, tantos processos disciplinares acabaram
por tirá-lo de cena: “Depois de tudo isso, você acha que sinto condições de
trabalhar nessa administração? A sensação que tenho é que se voltasse pro NCIC,
na primeira oportunidade me acertariam”.
É verdade que, com menor volume de trabalho, a
qualidade de vida até melhorou: já não tem de trabalhar até às 23 horas, como
antes fazia, e tem mais tempo para a família.
Mas há uma preocupação que teima em persegui-lo e que
foi a mesmíssima que o fez até adiar a aposentadoria, anos atrás: “Estou até
tranquilo com a vida que tenho hoje. Mas e a sociedade, como é que fica?”
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