É incrível, mas verdadeiro: nos últimos 7 anos, o
governador Simão Jatene gastou mais com o Gabinete dele do que com veículos,
embarcações, armas e coletes à prova de bala para as polícias civil e militar.
Entre 2011 e 2017, os investimentos de Jatene em
equipamentos para todos os órgãos de Segurança do Pará ficaram em R$ 293,9
milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E de dezembro.
Já com as Casas Civil
e Militar, as duas principais estruturas de seu Gabinete e que existem apenas
para atendê-lo, o governador torrou R$ 426,4 milhões.
Mas não foram apenas os gastos em equipamentos para as
polícias que perderam para o Gabinete do governador.
Nesses 7 anos, tudo o que ele investiu na construção e
reforma de todos os prédios dos órgãos de Segurança ficou em pouco mais de R$
200 milhões.
Isso significa que o dinheiro que ele torrou em
banquetes, viagens nacionais e internacionais, cafezinho, ar condicionado e o
seu batalhão de assessores representou o dobro de tudo o que ele investiu para
construir ou reformar delegacias de polícia, quarteis e penitenciárias, em todo
o estado.
A maior responsável por essa gastança é a Casa Civil,
que é o “coração” do Gabinete de Jatene.
Ela possui 720 funcionários, ou o triplo da Casa Civil
do Governo de São Paulo, o estado mais rico e populoso do Brasil.
Desses 720 funcionários, 518 são assessores: 379
“especiais”; 74 assessores de Gabinete; 26 simplesmente assessores e 39
assessores técnicos (de cerimonial, de imprensa, administrativos e por aí vai).
Entre os funcionários da Casa Civil de Jatene apenas
16,38% possuem vínculo com o serviço público (são concursados ou estáveis).
Entre os assessores, o índice é ainda menor: apenas
7,14% possuem vínculo (ou 37 de um total de 518 assessores).
Só no ano passado, a Casa Civil de Jatene torrou R$
52,5 milhões. Desse total, 70% foram para pagar os salários dos servidores.
O comparativo entre os investimentos de Jatene em
equipamentos e em obras para a área de Segurança e o dinheiro que ele torrou
nas casas Civil e Militar foi realizado pela Perereca a pedido do jornal Diário do Pará, que publicou reportagem sobre o fato no último domingo, 29.
Os dados foram extraídos dos balanços gerais do Estado
(BGEs), os documentos oficiais que registram todas as receitas e despesas do
Governo; dos portais da Transparência do Pará e de São Paulo; e do SIAFEM, o
sistema de administração financeira dos estados e municípios, que permite
acompanhar praticamente em tempo real todos os gastos governamentais.
Também integram o Gabinete do Governador a Auditoria
Geral do Estado (AGE) e o Núcleo de Articulação da Cidadania (NAC). Mas eles
não foram incluídos no levantamento porque não atendem apenas o governador e a
família dele, como acontece com as casas Civil e Militar.
Todos os valores foram atualizados pela Perereca, com a ajuda da Calculadora do
Cidadão, do Banco Central, e tendo por base o IPCA-E de dezembro do ano
passado.
Casa
Civil de Jatene tem o triplo de funcionários de São Paulo
Na época, a Casa Civil do Pará tinha 664 funcionários,
ou 10 vezes mais que os 65 servidores da Casa Civil do Governo de São Paulo.
De lá para cá o número de servidores da Casa Civil de
São Paulo triplicou: hoje são 237.
No entanto, ela continua perdendo de lavada para a
Casa Civil de Jatene, que hoje tem 720 funcionários, ou mais que o triplo de
São Paulo.
Com um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)
de 0,783 (o segundo maior do Brasil, atrás apenas do Distrito Federal) e 45
milhões de habitantes, São Paulo tem para este ano um orçamento de quase R$ 217
bilhões.
Já o Pará, com um IDHM de 0,646 (o 4º pior do Brasil)
e 8,3 milhões de habitantes, tem um orçamento, para este ano, de R$ 24,3
bilhões.
No entanto, é o Pará quem torra rios de dinheiro com o
governador e sua corte.
Em São Paulo, o ex-governador Geraldo Alckmin (que se
desincompatibilizou para concorrer à Presidência da República), recebeu, em
março, um salário de R$ 22.388,14.
Em São Paulo, a Casa Civil tem 111 assessores e só um
deles é “assessor especial do governador”.
No Pará, há 518 assessores na Casa Civil e 379 deles
são “assessores especiais”.
Entre os assessores de Jatene há ex-prefeitos e outros
políticos derrotados nas urnas, além de parentes de desembargadores do Tribunal
de Justiça do Estado, de conselheiros dos tribunais de Contas, de deputados,
ex-deputados e ex-senadores.
Por incrível que pareça, há até gente condenada a
devolver dinheiro aos cofres públicos.
É o caso do ex-prefeito de Trairão, Ademar Bau (PSDB),
que recebe R$ 3.498,95 como assessor “especial”, mas foi condenado a devolver
mais de R$ 3,262 milhões ao erário, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Ou do ex-prefeito de Portel Elquias Nunes da Silva
Monteiro (PSDB), que ganha R$ 4.498,65 como assessor “especial”, mas tem de
devolver mais de R$ 3,858 milhões, também segundo o TCE.
Até o mês passado, aliás, havia até gente que era um verdadeiro
caso de polícia: no último 11 de abril, o ex-prefeito de Oeiras do Pará, Ely
Marcos Batista (PMN), então assessor “especial” de Jatene, foi preso pela Polícia
Federal, porque teria desviado quase R$ 15 milhões da Previdência daquele
município. Ele foi exonerado no dia seguinte.
Desde 2011 e até o final do ano passado, o Pará já
torrou R$ 253 milhões, em valores atualizados, apenas com os vencimentos e
vantagens fixas dos funcionários da Casa Civil.
Tais gastos quase que dobraram, nos últimos sete anos:
saltaram de R$ 20,7 milhões, em 2011, para R$ 38,5 milhões, no ano passado – um
aumento de 86,47%.
A Casa Civil de Jatene também abriga um ouvidor geral,
dois secretários regionais de Governo e 4 secretários extraordinários.
Entre eles está Izabela Jatene de Souza, filha do
governador, que ganha mais de R$ 23,6 mil por mês, como secretária extraordinária
de Municípios Sustentáveis, uma secretaria criada em abril do ano passado, mas
que até hoje ninguém sabe exatamente o que faz.
No
cardápio de Jatene, tudo o que de melhor o dinheiro do contribuinte pode
pagar.
Mas nem só de funcionários, para servirem de cafezinho
a elogios, vive o governador Simão Jatene.
Os R$ 426,4 milhões torrados em seu Gabinete também já
garantiram momentos inesquecíveis ao seu paladar.
Em setembro de 2015, a Casa Militar realizou uma
licitação (Pregão Eletrônico 08/2015) para contratar um serviço de Buffet, para
as residências oficiais e o Gabinete do governador.
Quem ganhou foi o Pomme D’Or (W S R
Martins&Martins Serviços de Alimentos Ltda, CNPJ 01.092.367/0001-45), o
mais badalado bufê de Belém.
O cardápio é de dar água na boca.
E tudo servido em porcelana fina, copos de cristal,
toalhas de renda, baixelas e talheres de inox, samovar e rechaud’s de prata,
como exigiu o edital licitatório.
Nos coffes breaks há brioches, croissants, sanduíches
com pastas de frango e queijo, geleias, tapioquinhas, cuscuz, tortas e bolos,
rosquinhas de castanha, café, chocolate e sucos de frutas.
Já os coquetéis incluem canapés de camarão, salmão e
queijo roquefort, além de vol au vent de bacalhau, folhado de camarão e jambu,
mini quiche com geleia de pimentão e até pupunha recheada.
Há, ainda, salgadinhos fritos na hora, souflês de
bacalhau, bombons de cupuaçu e bombocados de queijo. Ou seja: tudo o que de
melhor o dinheiro do contribuinte pode pagar.
Para almoços e jantares, com até três pratos
principais, o cardápio oferece saladas de folhas verdes com palmito e tomate
seco, filé ao molho de três cogumelos, filé de filhote ao molho de ervas finas,
bacalhau especial, camarão ao roquefort, peru com frutas, risoto de jambu,
arroz de brócolis e até pato à paraense – sem trocadilho.
De sobremesa, taças geladas de cupuaçu com queijo cuia
e mouse de bacuri com cristais de açúcar.
A Nota de Empenho NE00356, através da qual a Casa
Civil pagou R$ 76.755,58 ao Pome D’Or, no ano passado, e que está no portal da
Transparência, dá uma ideia do quanto esses banquetes andam a todo vapor.
Pagou-se, no documento, por minis souflês de marisco,
salpicão de frango, filé de filhote ao molho de alcaparras, pato à paraense,
bacalhau especial, camarão ao roquefort, risoto de jambu e até por uma
sobremesa chamada “delírio de cupuaçu” – que deve ser maravilhosa, é claro, mas
que não é para o nosso “bico”, caro leitor.
Outra Nota de Empenho, a NE00459, no valor de R$
10.784,00, traz o requinte de um coquetel: canapés de bacalhau, camarão, tomate
seco, salmão, roquefort, além de vol au vent de bacalhau e tarteletes.
Já a NE 00958, também da Casa Civil para o Pomme D’Or,
registra um gasto de R$ 36.608,00 com 800 lanches (média de R$ 45,76 cada),
compostos por biscoitos e doces caseiros, refrigerantes, sucos naturais e
cafezinhos.
Veja
nos quadrinhos o cardápio do governador, extraído do edital do Pregão
08/2015, da Casa Militar.
Viagens
de sonho pelo mundo
A gastança do Gabinete também tem proporcionado a
Jatene viagens de sonho ao redor do mundo.
Ele e o batalhão de felizardos que geralmente o
acompanha já estiveram na Inglaterra, Estados Unidos, França, Argélia, Qatar,
Japão, Portugal, China e Indonésia.
Tudo é pago com dinheiro público: desde a passagem de
avião e o hotel de luxo, até o café e o docinho em alguma renomada casa de chá.
E além de assessores e secretários de Estado, muitas vezes o governador também
leva a tiracolo a inseparável Izabela, filha dele.
A explicação para tanta viagem é sempre a mesma:
buscar investimentos bilionários para o Pará.
O problema é que esses rios de dinheiro nunca chegam.
Em setembro do ano passado, por exemplo, Jatene e
comitiva torraram meio milhão de reais em uma viagem à China.
A desculpa foi a de obter financiamento para uma
hipotética “Ferrovia Paraense”.
Mas, segundo a revista Veja, a China Communications
Constructions Company (CCCC) considerou o tal “projeto” incipiente, ou seja,
que está apenas começando. E o interesse da CCCC é por projetos de verdade, já
consolidados, como é o caso das ferrovias Norte-Sul e Ferrogrão.
Além disso, na época da viagem de Jatene à China o
jornal Diário do Pará apurou que a CCCC tem até uma sede em São Paulo, na qual
o seu diretor para a América Latina despacha regularmente – coisa que torna sem
sentido a ida do governador ao outro lado do mundo, já que o tal “projeto”
poderia ser apresentado à CCCC no próprio Brasil.
Para completar, uma gigante chinesa da siderurgia, a
CBSteel, anunciou, em março, que vai é investir em um parque siderúrgico no Maranhão,
que deve gerar 10 mil empregos diretos.
A própria CCCC, em parceria com outras empresas,
também já investe no Maranhão: o complexo portuário, orçado em R$ 1,7 bilhão, vai
dobrar a capacidade de movimentação de cargas do porto de Itaqui, em São Luís, além
de gerar 5 mil empregos.
Vive
La France!
No entanto, a mais inesquecível viagem de Jatene foi
mesmo à estonteante Paris, capital da França, em maio de 2014, o que gerou até
protestos nas redes sociais.
Tudo porque o governador viajou os 7.400 quilômetros
que separam Belém de Paris apenas para receber um pedaço de papel: o
certificado da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) de que o Pará é área
livre da febre aftosa.
Um documento que poderia ter sido enviado a Belém por
meio de embaixadas e consulados, ou até por Sedex.
Pelo menos sete assessores integraram a comitiva do
governador, para ajudá-lo a receber aquele papel.
O custo, apenas entre diárias e passagens, ficou em
mais de R$ 80 mil, em valores da época, ou em quase R$ 107 mil atualizados.
Isso sem contar com as despesas de alimentação e
hospedagem do próprio governador.
A solenidade de entrega do papel durou apenas 60
minutos, mas alguns integrantes da comitiva permaneceram em Paris durante uma
semana.
Jatene foi, aliás, o único governador brasileiro a
aparecer por lá, apesar de sete outros estados terem sido contemplados com o
mesmíssimo certificado.
E
confira os documentos desta reportagem.
Abaixo, os gastos totais da Casa Civil entre 2011 e o
ano passado.
Repare que o número de 2015 é ligeiramente diferente
do levantamento anterior porque, na época, foi usado o valor do portal da
Transparência. Já no levantamento atual usou-se o número do Balanço Geral do
Estado (BGE) daquele ano.
Repare, ainda, que os números de 2017 são do portal
da Transparência, já que o BGE do ano passado ainda não está disponível no site
da Secretaria da Fazenda (SEFA).
2011:
2012:
2013:
2014:
2015:
2016:
2017:
Abaixo, os gastos ano a ano da Casa Militar. Em alguns
casos, ela é identificada apenas pelo código 11.01.06, que é da Unidade Gestora (UG).
2011:
2012:
2013:
2014:
2015:
2016:
2017:
É só escolher o Órgão (Casa Civil), não mexer em mais
nada e clicar em “pesquisar”.
Abaixo, lista de empenhos pagos ao Pome D’Or, no ano
passado e as três Notas de Empenho (NE’s) citadas na reportagem.
Repare que o
valor da NE 0356 difere do valor pago da lista.
Lista
de empenhos:
NE
0356:
NE00459:
NE
00958: