(Leia a primeira parte de A Incrível História
de Onde Judas Perdeu as Botas: http://pererecadavizinha.blogspot.com.br/2012/10/a-incrivel-historia-de-onde-judas.html. E aqui, a segunda:
http://pererecadavizinha.blogspot.com.br/2013/05/a-incrivel-historia-de-onde-judas.html).
Frank Sinatra da Silva Simão era tão canastrão, mas
tão canastrão que é mesmo uma pena que tenha nascido em Onde Judas Perdeu as
Botas, e não em Bollywood.
O pai batizou-o assim na certeza de que seria um
grande artista.
Afinal, previra uma pitonisa engarapada até à alma, em
meio à fumaça das ervas adivinhas:
_Seu Isac, o seu filho vai ser o maior artista que
já se viu em Onde Judas Perdeu as Botas! Um artista impressionante!...De deixar
qualquer um de queixo caído!... Eu vejo, seu Isac!... Tá tudo aqui nas cartas,
ó!...
_Mas que tipo de artista ele vai ser? Será que vai
ser músico que nem o avô?
_Músico, seu Isac!... Tô vendo aqui, ó: ele vai dar
música que é uma beleza!... Vai arrastar multidões, que nem aquele flautista...
Aquele tal de Hamelin!... O seu filho vai
cair na boca do povo, seu Isac!...
_Na boca do povo?
_É, seu Isac, ele vai ser famoso demais!... Tô vendo
aqui, ó!... Mais afamado do que ele só os últimos dias de Pompeia!... Vai
entrar pra história, seu Isac! E não haverá um só ‘caboco’ de Onde Judas Perdeu as Botas que não diga: “Égua, que esse
daí é ‘mermo’ um artista!”...
Para dar mais um empurrãozinho ao destino (o que
seria de Moisés sem as pragas do Egito, caro leitor?), o pai matriculou o menino
no Conservatório da República Imperial.
Mas o Pequeno Sinatra não possuía nem afinação, nem ritmo,
nem significativa extensão vocal. E o
timbre, desgraçadamente, também ficara anos-luz
ao de seu homônimo.
Night and day, as professoras agonizaram naqueles
trinados por eternos três meses.
Até que, mergulhadas em profunda depressão e transtornos
obsessivos (especialmente, súbitos tremeliques), suplicaram que o levassem de
lá.
E ainda endureceram as regras de acesso ao
Conservatório, naquele que passaria à história como “O Estranho Caso do Pequeno
Sinatra de Onde Judas Perdeu as Botas”.
Tristíssimo, o pai viu crescer o moleque sem
conseguir imaginar outro destino à altura de nome tão promissor.
Nem jogar bola Frank sabia...
Tampouco se destacava em português, matemática,
química, física, história, geografia - ou em qualquer disciplina existente, ou
por existir.
Em verdade, só possuía duas grandes aptidões: dormir
e pescar.
Além disso, era um mentiroso nato, genuíno,
autêntico, verdadeiro, capaz de levar os circunstantes às lágrimas, sempre que
desatava a contar os “causos” que inventava – inclusive, para si mesmo.
Os olhos a fitar o além do além, a mão direita a
bater no peito e a voz embargada eram capazes de compungir até o mais pétreo
coração...
Por isso, o pai até pensou em fazer do filho um
pastor pentecostal.
Mas foi aí que teve a ideia que mudaria o destino de
Frank e de toda a província:
_Levanta já dessa rede, seu malandro, vagabundo,
preguiçoso, que você vai é ser político!
Sábio como todo pai, também quebrou o violão do
Sinatra:
_Do jeito que você toca, isso só serve é pra espantar
eleitor, seu incompetente!
E depois de obrigar o filho a limpar as inúmeras
remelas, levou-o para se filiar ao partido de João Batista, o recém-eleito
presidente imperial.
_E trate de fazer com que ele goste de você! Senão
eu te jogo é pra fora de casa, seu pilantra!
E, de fato, João Batista adorou Frank Sinatra.
Primeiro pela impressionante capacidade de fazer com
que todos trabalhassem por ele.
Manco, pálido, franzino, o rapaz espalhou aos quatro
ventos que sofria de grave e intratável doença cardíaca.
Assim, muitos desenvolveram por ele uma espécie de simpatia
misericordiosa, já que se encontrava a um passo do túmulo.
Além disso, a relutância coletiva em contrariar um
pré-defunto lhe permitiu apropriar-se das melhores ideias alheias; galgar
rapidamente os postos de direção partidária e safar-se de vários apuros.
Sempre que se via envolvido em disputas familiares
que não conseguia resolver, ou que era encurralado pelos adversários políticos,
queixava-se de dores no peito e começava a arfar. Cambaleante, era levado ao
hospital - e de lá só saía quando os ânimos serenavam.
No entanto, o que mais encantou João Batista foi a
capacidade do rapaz de prometer, e prometer, e prometer – e de sempre encontrar
uma legião de crentes fervorosos, mesmo que coisa alguma fizesse, ou, ao menos,
pretendesse fazer.
Para os ‘cabocos’
daquela ilha, era um gênio da política, um Pequeno Bórgia dos trópicos, cuja
iluminação intelectual, quase mediúnica, era a mais extraordinária já alcançada
pelo espírito humano.
Em pouco tempo, João Batista fez do rapaz o responsável
pelo caixa dois das campanhas eleitorais e por todos os assuntos futurísticos
de Onde Judas Perdeu as Botas.
Admirava-o, tratava-o como a um filho e pegava-se
até embevecido diante da devoção daquele espírito grandioso, absolutamente
desprendido de ambições materiais.
Certo dia, cansado e doente, pediu que Frank o
substituísse, para que pudesse retornar mais adiante à Presidência Imperial.
Quase teve de implorar, porque o rapaz afirmava
detestar o poder, os salamaleques provocados pelo cargo; a hipocrisia, o
puxa-saquismo.
Em verdade, dizia, queria apenas servir ao povo, em
prol do Bem coletivo...
No entanto, João Batista acabou por convencer o
rapaz, o único em quem podia confiar para guardar-lhe o lugar, eis que uma alma
abnegada, luminosa, evoluída.
E foi assim que teve início a mais longa Presidência
Imperial de Onde Judas Perdeu as Botas, uma era de pilantragens e patifarias
como poucas vezes se viu em qualquer lugar do mundo.
Logo ao assumir o comando da província, Frank tratou
de corromper juízes, promotores, políticos e jornalistas, ofertando-lhes centenas
de sinecuras, entre outros “agrados”.
Também desencadeou feroz perseguição aos adversários:
prisões, demissões, execrações públicas.
Destruiu até mesmo as mais promissoras lideranças de
seu partido e de partidos aliados.
“Caboco,
preciso de ti”, afirmava, com ar humilde, enquanto encaminhava o desafortunado
ao suicídio político, sempre com a desculpa de se tratar de uma “articulação
brilhante”, fundamental à manutenção do poder.
Loteou os cargos públicos com parentes, amásias e
toda sorte de parasitas.
Roubou, e roubou, e roubou – até que quase nada
restasse nos cofres provinciais.
Sob seu comando, Onde Judas Perdeu as Botas
tornou-se, mais do que nunca, onde Judas perdeu as botas...
Por fim, e sem precisar de qualquer Salomé, mandou
cortar a cabeça de João Batista.
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A
Perereca adverte: esta obra é de ficção. Qualquer semelhança entre algum
político e o Pequeno Sinatra de Onde Judas Perdeu as Botas é mera coincidência.
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Pra Vocês!