No último 8 de fevereiro, uma jovem de 28 anos foi
chicoteada com um fio elétrico pelo marido: Clique aqui
No dia 16, a empresária Elaine Caparroz, de 55 anos,
foi brutalmente espancada por um rapaz que ela conhecera nas redes sociais: Clique Aqui
No dia 18, a aposentada Elza Formighieri Morschheiser,
de 66 anos, foi assassinada a tiros pelo ex-marido: Clique Aqui
Sempre que vemos casos assim, ficamos tentados a
perguntar: mas que diabos está acontecendo com esses homens, que começaram, “de
repente”, a espancar e a assassinar mulheres?
Tal pergunta, no entanto, parte de um pressuposto
falso. Porque não foi “de repente” que muitos homens começaram a agir assim.
Essa violência tem centenas de anos.
Só que hoje há maior visibilidade desse problema,
devido à menor tolerância social e legal.
No entanto, persiste a “naturalidade” com que é
encarada a violência contra a mulher, em determinadas circunstâncias.
Veja-se o que aconteceu com a empresária Elaine
Caparroz.
Durante quatro horas, ela gritou, desesperadamente,
enquanto era torturada pelo seu agressor. No entanto, ninguém se dignou a socorrê-la.
E depois da divulgação do caso, algumas mulheres
perguntaram, na internet: “Mas por que é que ela saiu com um sujeito que
conheceu nas redes sociais?” “O que foi que aconteceu pra ele espancá-la desse
jeito?” “O que foi que ela fez?”
A primeira pergunta nos diz o quanto muitas de nós acreditam
que esse tipo de coisa decorre de um “mau comportamento” das mulheres.
E esconde uma lógica perversa: a brutalidade que
atinge a vítima é uma espécie de “castigo” por ela haver desobedecido às regras
de autocastração feminina - não sair para jantar, ou até para transar, com um
homem que não conheça de longa data; não usar roupas “provocantes”; não beber
até ficar embriagada; não andar sozinha à noite; não contestar o “maridão”.
Para ser uma vítima inocente, a mulher precisa se
negar toda forma de querer e de prazer; negar a sua autonomia, a sua
individualidade e a maioria dos seus sonhos.
Mesmo que possua independência financeira e já tenha até
criado os seus filhos, ela não pode ter uma vida social como bem entender; ela
não pode ser livre e feliz.
Mas é preciso também falar sobre a tentativa de autoengano,
que está implícita nessa primeira pergunta.
A mulher que a formula se imagina protegida; acredita
que não será alvo de qualquer “castigo”, já que obedece a essas regras de
autocastração.
O problema é que esse “castigo” é apenas a
justificativa social; a forma como a sociedade agride a vítima pela segunda
vez; e não o elemento motivador desse tipo de violência.
O homem não está a agredir aquela mulher porque é uma
espécie de “vingador social”.
O homem está a agredir aquela mulher para demonstrar
poder sobre ela.
E isso significa que mesmo que você seja “uma boa
menina”, estará sujeita a ser vítima de um animal desses.
Tais homens acreditam que, por serem maiores e mais
fortes, têm o direito de fazer o que bem entenderem com você.
Especialmente se você namorar ou casar com um deles.
Para esse tipo de homem você é apenas uma “coisa” que
pertence totalmente a ele, naquele momento.
Exemplo disso é a jovem que foi chicoteada pelo
marido.
Sabe qual foi o “motivo” de ela ter apanhado desse
jeito?
Ela saiu para passear de barco, com os pais dele, e se
atrasou ao voltar para casa.
E mais: essa jovem já suportava, há dez anos,
humilhações e pancadas daquele homem, talvez até porque não tivesse como se
sustentar; tivesse medo, por causa dos filhos; ou medo pela própria segurança.
Mas o fato é que ela já estava debaixo do pé dele, subjugada,
submetida. E nem isso o impediu de chicoteá-la.
E no entanto, ainda houve mulheres que dissessem: “Mas
por que é que ela aguentou dez anos de porrada?”; “Ah, essa daí gosta é de
apanhar!”
E isso nos leva à aposentada Elza Formighieri
Morschheiser.
Durante 40 anos, ela foi casada com o pai de seus dois
filhos.
Até que, em novembro do ano passado, ele a agrediu.
Elza, então, registrou queixa na polícia, separou-se
dele e obteve uma medida protetiva.
Mas, no último dia 18, ele a matou a tiros e se matou.
Agora, voltemos à segunda e à terceira perguntas, do
caso da Elaine: “O que foi que aconteceu pra ele espancá-la desse jeito?” “O
que foi que ela fez?”
Bem, a Elaine convidou um sujeito que ela só conhecia
das redes sociais, para jantar com ela.
A jovem chicoteada demorou para chegar em casa e ainda
por cima aguentou dez anos de porrada.
A Elza se separou do marido depois que ele bateu nela.
E eu fico me perguntando se existe alguém que acredite
realmente que esses são “motivos” para a brutalidade que essas mulheres
sofreram.
Fico me perguntando se existe, de fato, alguma justificativa,
por menor que seja, para esse tipo de coisa.
E fico até assustada ao perceber o quanto algumas
mulheres internalizaram o machismo.
É verdade: todos somos machistas; todos tivemos essa
cultura empurrada na nossa cabeça, desde a infância.
Mas isso não significa que a gente não possa lutar
contra ela, inclusive, dentro de nós.
E o primeiro passo é entender o seguinte: a culpa por
uma violência que venhamos a sofrer nas mãos desses homens jamais será nossa.
Nós somos as vítimas inocentes, indefesas, desses
predadores.
E sob nenhuma circunstância, não, não é “natural” que
eles nos humilhem, espanquem e matem.
A culpa por essa violência é única e exclusivamente deles.
A culpa é desse ódio mal disfarçado que eles sentem a
todas as mulheres, porque não passam de uns falhados, uns frustrados, uns
perdedores, uns covardes.
E nós, mulheres, precisamos é ter solidariedade entre
nós, em vez de ficarmos procurando justificativas para esses animais.
Não podemos passar a vida inteira nos castrando, nos
patrulhando, para que sejamos respeitadas e reconhecidas como vítimas inocentes,
dessas criaturas.
Nós temos DIREITO a esse respeito e a esse
reconhecimento, porque somos cidadãs, porque somos seres humanos.
Quanto a esses predadores, eles é que têm de viver
enjaulados - e não nós.
Eles têm é de enfrentar os rigores da Lei e o nosso
total repúdio, até que aprendam a conviver conosco em um patamar minimamente
civilizado.
FUUUIIII!!!!!