segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Divagando, divagando...


O jogo



A beleza do jogo democrático consiste, justamente, na impossibilidade de impedir aliados e adversários de jogar. O que nos obriga a jogar melhor, e cada vez melhor, do que todos eles.

Isso implica, necessariamente, predisposição a alianças e agilidade para desfazê-las e refazê-las tantas vezes quanto necessário.

Requer atenção, para evitar que algum dos jogadores se cacife em demasia. E para aproveitar as oportunidades, decorrentes de fracionamentos nos terrenos alheios.

É preciso, principalmente, saber até onde se pode ir: não se endividar além do cacife de que se dispõe ou de que se possa vir a dispor. Estar atento, não apenas aos novos aliados, mas, também, aos antigos.

É preciso ter em mente, em suma, que os que vieram a este grande cassino, vieram para jogar. Não são anjos, nem demônios, mas jogadores. Todos com pleno domínio do discurso e das manhas da política. Alguns, por vezes, até mais do que nós...

Todos, portanto, entraram no cassino dispostos a conquistar o máximo. E compete à banca, sutilmente, estabelecer até onde podem ir. Não se pode esperar, simplesmente, que parem. Ou acreditar, ingenuamente, que se contentarão ao atingir um determinado volume de fichas. Todos, se puderem, levarão o cassino pra casa.

Cassino algum pode sobreviver na condição de casa da mãe Joana. Mas, também, não sobrevive com apenas um cliente – ou é feito, apenas, para o dono. É preciso, então, ampliar cada vez mais a clientela, para garantir a sobrevivência. Mas, sem que isso implique perder o controle sobre quem é quem e o que faz ali dentro.

Um bom começo é saber que não se está no terreno do sagrado, mas do profano. Apesar dos propósitos do jogo se afigurarem, por vezes, redencionistas.

E compreender que jogadores são pessoas. Com múltiplas facetas e aspirações – tão diversas quanto os seres humanos. É preciso, portanto, conhecer as motivações de cada qual, bem como as capacidades e fragilidades que apresentam. Isso inclui não apenas os aliados e os adversários. Mas, sobretudo, nós mesmos.



Se Ana Júlia tiver isso em mente, já será o suficiente para que possa ensaiar um belo sapateado de catita. E ela vai precisar disso, para o jogo que tem pela frente.

A segmentação petista, por si só, já é capaz de provocar grandes dores de cabeça. O que dizer, então, das alianças que estão postas e das que terão de ser conquistadas, para possibilitar a governabilidade?

Infelizmente, o PT, assim como o PSDB, ainda não conseguiu encontrar um meio-termo entre o pragmatismo e o messianismo – duas pragas que complicam, sobremaneira, a costura de eventuais alianças.

Mas, enquanto o PSDB, apesar do inchaço fisiológico, conseguiu construir uma certa unidade pública, o PT segue a se estapear publicamente. E, na maioria das vezes, acaba se tornando seu maior e mais feroz adversário.

Poder-se-ia argumentar que é assim, porque é um partido democrático. Mas, isso é lári-lári. Porque, quando é preciso, também sabe engolir, caladinho, decisões de cima pra baixo.

Em verdade, a questão central é encontrar os limites éticos e democráticos para a conquista e manutenção do poder. A harmonia entre a nobreza dos fins e os meios – jamais tão nobres assim – que terão de ser utilizados.

É uma lição de casa que o PT ainda não conseguiu fazer. E na qual o partido-irmão, o PSDB, pelo menos no Pará, acabou, vergonhosamente, reprovado.

Torço para que o PT tenha aprendido com os erros nacionais e com os erros do partido-irmão, aqui no Pará.

E para que, um dia, PT e PSDB compreendam o mal que causam à sociedade, com essa disputa feroz e narcisista, que nos impede de avançar em discussões tão importantes, para a cristalização da ética e da democracia na política brasileira.



Não tenho procuração para defender Ana Júlia – nem tenho por que fazê-lo. Afinal, ela é maior, vacinada e possui muito mais poder do que eu, que sou um zero à esquerda no jogo político.

No entanto, fico indignada com algumas colocações que são feitas por aí, acerca do futuro governo dela. Não apenas porque votei nela. Mas, principalmente, porque o ranço machista dessas colocações é ofensivo a todas as mulheres.

Antes de Ana ser eleita, a argumentação dessas pessoas era a de que é despreparada. E eu até já escrevi, neste blog, sobre isso.

Não acho que Ana seja um Einstein de saias – nem perto disso. Mas, burra, ela não é. É sagaz, tem jogo de cintura, o que requer inteligência.

È verdade que poderia ter estudado, lido mais, ao menos para ter mais segurança daquilo que diz. Mas, isso a coloca, apenas, na média dos políticos brasileiros - não abaixo disso. E não é nada assim tão complicado que uma boa assessoria não possa resolver.

Lembro que quando escrevi sobre essas acusações, apontei o machismo nelas contido.

É que de nós, mulheres, se exige, sempre, que sejamos ultra, super e coisa e tal. Como se o triunfo, para nós, fosse, sempre, decorrente de exceções.

Nunca vi alguém chamar de despreparado um triunfante homem médio. Mesmo os francamente imbecis, sórdidos, ordinários, venais, execráveis, canalhas se transformam, magicamente, em excêntricos – não em, ofensivamente, despreparados.

Ou seja: se não formos uma exceção, plástica ou cognitiva, temos mais é de nos recolher à insignificância da “condição feminina”... É o caso de se perguntar: de que árvore caíram esses animais?



Bom, esse negócio de despreparo era antes de Ana ser eleita. Agora, o que se fala é de uma extensão desse despreparo. Diz-se que será refém de Jader, rainha da Inglaterra e etc e tal.

E eu reviro a memória, mas não recordo de uma única vez em que alguém tenha afirmado que o Dudurudu é refém da bancada majoritária, na Câmara, ou de Jatene. Aliás, não me recordo de qualquer prefeito paraense a quem se tenha impingido tal pecha. Muito menos, de um governador de Estado.

Não quero ser maçante, mas tudo isso é grego. Remonta há 2.500 anos, quando a “areté” (mal traduzida por virtude; melhor compreendida por excelência) das mulheres era a beleza e competência doméstica; ao passo que a “areté” masculina era, nos tempos homéricos, aquele conjunto de qualidades que voltaremos a encontrar na idade média: coragem, força, nobreza.

Não vou discorrer, aqui, sobre as mudanças no conceito de “areté”, ao longo da evolução da sociedade grega. Basta que compreendamos que nada disso é novo. O pensamento que está na raiz é, antes, profundamente arcaico. Os papéis sociais, do macho e da fêmea, ali definidos, estão, ainda, profundamente enraizados na sociedade Ocidental.

Logo, quando se faz de Ana Júlia refém de Jader, faz-se dela a “donzela aprisionada na torre”. A Penélope bordadeira à espera de Ulisses. Psicanaliticamente, pensar-se-ia, em seguida, na “espada salvadora”. Ou seja, a fala dessas pessoas é de um primitivismo brutal. Não sei se, de caso pensado, para manipular arquétipos. Ou se, simplesmente, porque ainda se encontram aprisionadas, mentalmente, nos primórdios da civilização.

Enfim, nada de tão espantoso num estado tão machista quanto o Pará.

Num post anterior, aliás, eu já mencionava a nossa falta de “heroínas” – diferentemente do que vemos, historicamente, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, por exemplo.

Nada que não possa ser perfeitamente explicável pela condição de “uso”, que as mulheres, aqui, sempre tiveram. Herança portuguesa? Sei lá. O que causa espanto é ver tal pensamento reproduzido por intelectuais.

Mas isso, talvez, também possa ser compreendido pela falta de leitura de muitos a quem chamamos, aqui, intelectuais. Que, mais das vezes, nunca conseguiram acabar nem livro didático. E do primeiro grau.

Cansei de divagar. Vou tomar uma. FUUUUUIIIIII!!!!!

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Pensando, pensando...

Uma meditação blogosférica!



Acho que preciso resolver a minha relação tempestuosa com este blog. Como todas as minhas relações, aliás.

O blog me atrai e me afasta. Era um amor, um encantamento. Quedou-se em obrigação. Quase um suplício. E eu olho pra ele, ele pra mim... E eu penso: mas, por que, diabos, tenho de bater ponto aqui?

Que compromisso é esse que com os leitores, se pouco sei acerca deles?

Um ou outro, certamente, conheço. Mas, à maioria, nunca disse um “olá”. E, talvez, nunca venha a dizer.

É diferente do jornal. Lá, é o meu ganha-pão. Há uma obrigação profissional a cumprir. Mais não fosse, para garantir o leite das crianças.

No entanto, insisto em vir aqui. Nem que seja para produzir porcarias, como o post abaixo. Com uma edição de última, um poeminha de penúltima e uma seleção musical que parece coisa de bêbada – e o pior é que foi...

É engraçado como criamos laços, mesmo virtualmente.

É engraçado como entabulamos um papo, assim, tão francamente, que até as mesas de bar – e o indefectível barman, o profeta de todos os bêbados – morreriam de inveja.

Será pela ausência do “olho no olho” ? Acho que não. Afinal, já passei pela experiência de conhecer, pessoalmente, a quem só conhecia deste universo virtual. Foi agradabilíssimo – só espero que mutuamente...

E mesmo com as pessoas que já conhecia, parece que o depois se tornou infinitamente melhor que o antes. E nem precisei fumar um cigarro. Ou engatar o clássico: “foi bom pra você?”.

Sei lá. Talvez, aqui, exercitemos, mais que nunca, o lúdico. Rimos, falamos mal do mundo. E parece que quase podemos tocar uns aos outros; ouvir as nossas risadas. É como se encontrássemos, enfim, a nossa “tchurma”.

E é por isso que preciso resolver essa relação tempestuosa.

Nunca fui de “tchurmas”. E até morro de medo delas. Sempre gostei de me sentir “babanianamente” independente, se é que vocês me entendem, ó “xentes”!

Sabe, é aquela coisa de achar que você faz e acontece sozinho. Que pode ser mais. Como se fosse o infinito e, não, apenas, parte dele. Com partes e partes entrelaçadas. Por vezes, infinitamente mais belas, necessárias e brilhantes que você.

Será que um blog, afinal, não passa de um grande divã de psicanálise? E quem seriam os analistas? Essa plêiade de leitores tão amalucados quanto nós? (Adesculpem, leitores! Mas é que estou tentando abrir o coração, vocês me entendem?).

Coisa estranha, essa, a sociedade em que vivemos. Não, não é que estejamos ou sejamos sozinhos. É, antes, como se tivéssemos criado todo um novo mundo, para sermos outros.

Não, não se trata de mais uma máscara social ou de um universo paralelo. Afinal, continuamos sendo, concretamente, todos os dias, para toda a anterioridade.

Até que ponto essa experiência nos modifica, isso é papo para trezentas grades – e com o “profeta” de plantão a mediar tais debates.

O que não há dúvida é que esse “Éden” que criamos é profundamente belo; inescapavelmente belo. É nosso. É “nós”. Em duplo sentido...

Somos as comadres do terceiro milênio. Patrulhamos e torcemos os narizes a todos os comportamentos diferentes. Mas, ao mesmo tempo, abrimos um senhor espaço para que a atingida (o) possa rodar a baiana. E até nos levar a concordar – e a chorar – com ela (ele).

Seremos, quem sabe, uma grande ágora. Mas, com uma vantagem indiscutível: aqui, com certeza, não condenaríamos Sócrates a beber cicuta. No máximo, ele esbravejaria de blog em blog. E seria deletado do orkut...

Mas, quem sabe, não iríamos, todo santo dia, ao blog socrático, nem que fosse para a nossa sessão diária de camisa de força? Ou para, numa higiene mental, francamente narcisística, pensarmos: “esse daí pensa que sabe. Eu, pelo menos, sei que não sei. Já tenho uma vantagenzinha em relação a ele, pois”.

E é por isso, repito, que preciso resolver a relação tempestuosa com este blog.

Porque ele me fez gostar e querer sempre mais. Mais, talvez, até de mim.

Já o transformei uma vez. E, talvez, o transforme duas, três, mil vezes.

Vou pensar nisso. Pensemos, não é mesmo?

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Uma noite lisboeta, com certeza!

Ai, Mouraria!

Ai, Mouraria!
Da velha rua da Palma,
Onde eu, um dia,
Deixei presa a minha alma,
Por ter passado
Mesmo ao meu lado
Certo fadista
De cor morena,
Boca pequena
E olhar trocista.

Ai, Mouraria!
Do homem do meu encanto
Que me mentia,
Mas que eu adorava tanto.
Amor que o vento,
Como um lamento,
Levou consigo,
Mas que ainda agora
A toda a hora
Trago comigo.

Ai, Mouraria!
Dos rouxinóis nos beirais,
Dos vestidos cor-de-rosa,
Dos pregões tradicionais.
Ai, Mouraria!
Das procissões a passar,
Da Severa, voz saudosa,
Da guitarra a soluçar.

(Amadeu do Vale, Javier Tamames e Frederico Valério)


Novo fado da Severa

Ó rua do capelão,
Juncada de rosmaninho!
Se o meu amor vier cedinho,
Eu beijo as pedras do chão,
Que ele pisar no caminho.

Tenho o destino marcado,
Desde a hora em que te vi!

Ó meu cigano adorado,
Viver abraçada ao fado,
Morrer abraçada a ti!

(Desconhecido)


Uma Casa Portuguesa

Numa casa portuguesa fica bem
Pão e vinho sobre a mesa.
E se à porta humildemente bate alguém,
Senta-se à mesa co'a gente.
Fica bem essa franqueza, fica bem,
Que o povo nunca a desmente.
A alegria da pobreza
Está nesta grande riqueza
De dar, e ficar contente.

Quatro paredes caiadas,
Um cheirinho á alecrim,
Um cacho de uvas doiradas,
Duas rosas num jardim,
Um São José de azulejos
Mais o sol de primavera,
Uma promessa de beijos
Dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

No conforto pobrezinho do meu lar,
Há fartura de carinho.
E a cortina da janela é o luar,
Mais o sol que bate nela...
Basta pouco, poucochinho p'ra alegrar
Uma existência singela...
É só amor, pão e vinho
E um caldo verde, verdinho
A fumegar na tigela.

Quatro paredes caiadas,
Um cheirinho á alecrim,
Um cacho de uvas doiradas,
Duas rosas num jardim,
Um São José de azulejos
Mais o sol de primavera,
Uma promessa de beijos
Dois braços à minha espera...
É uma casa portuguesa, com certeza!
É, com certeza, uma casa portuguesa!

(Reinaldo Ferreira)


O Pastor

Ai que ninguém volta
Ao que já deixou
Ninguém larga a grande roda
Ninguém sabe onde é que andou

Ai que ninguém lembra
Nem o que sonhou
Aquele menino canta
A cantiga do pastor

Ao largo
Ainda arde
A barca
Da fantasia
O meu sonho acaba tarde
Deixa a alma de vigia
Ao largo
Ainda arde
A barca
Da fantasia
O meu sonho acaba tarde
Acordar é que eu não queria.

(Madredeus)

Alcoforado

Mariana I

Do alto do convento, da manhã à tardinha,
Os olhos de Mariana eram o céu e o mar.
Da manhã à tardinha, eram ondas a rezar.

E dos muros partiam asas
Entre oceanos, quimeras.

O mundo e um deus reposto,
Das dores cerradas no peito,
Quem dera ao Amor comovessem,
E sangrassem - às pedras, às gentes!...

Mas eram os muros, as grades, as correntes.
O indizível em céu e mar.

E Mariana contentou-se, enfim,
Com o que o Deus lhe dera,
Com que o mundo lhe dera
Com a vida, sempre abençoada.

E seus olhos se fecharam, ao encontro de Deus.

Mas, dizem, inda hoje,
dos muros partem asas.
Da manhã à tardinha,
Entre as ondas,
A rezar, a rezar...

(Belém, 14/11/2006)

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Festa IV

Festa no meu Apê IV




_Comadre, comadre! Você já viu os jornais de hoje?
_E como é eu posso, cumadizinha, com essa festança no meu apê?
_Pois, então, se aprepare...Se assente, que é pra não cair!
_Ué, o que foi que aconteceu já?
_Comadre, a Plebe Rude tomou o poder!
_Que? Me deixe ver esses jornais! Égua!!!... Derrubaram El Rey!!!... “Carruagem vira em Varennes” !!!...“Sovietes assumem o Brejo”!...Sovietes?!!!
_Eles não se esquecem, comadre, eles não se esquecem...
_Caramba!... “Onda vermelha varre a província!”...
_E o príncipe Clean macambúúúzio!...
_Ué? Colocaram a “Beijoca Proletária” no lugar de El Rey?!!! E tem esse modelo já?
_Ô comadre, é a Beijoca repaginada! Arreleve!
_Égua!!!... Nomearam o lorde Sudão pra “Grilo Falante”!... E tem esse cargo?...
_Ô comadre, apare de se atormentá, mais é! O seu problema é “apreguntááá” demais... Se você continuá assim, vão chamá a festa no seu apê de Baile da Ilha Fiscal! Se aquieeete no seu canto!...
_Mas é que eu não tô entendendo nada!!!...
_Mas num é pra intendêêê, comadre! É pra acompanhááá a procissão...
_Mas o lorde Sudão e esses neos, news sovietes não eram inimigos?
_Ô comadre! O seu problema é que você não entende nada de política. Pere aí que vô chamá um especialista! Ô seu Barão, ô seu Barão! Se achegue aqui!

(A iluminação muda. O DJ ataca “New York, New York”. O Barão, de fraque, cartola, bengala e cercado pelas quatro “indaietes”, canta e dança: “Start spreading the news/I'm leaving today/I want to be a part of it/New York, New York/These vagabond shoes/Are longing to stray/Right through the very heart of it/New York, New York/I wanna wake up in a city/That doesn't sleep/And find I'm king of the hill/
Top of the heap/These little town blues/Are melting a way/I'll make a brand-new start of it/In old New York/
If I can make it there/I'll make it anywhere/It's up to you/New York, New York/New York, New York/
I want to wake up/In a city that never sleeps/And find I'm a number one, top of the list/King of the hill, a number one/These little town blues/Are melting a way/
I'm gonna make a brand-new start of it/In old New York/And... if I can make it there/I'm gonna make it anywhere/It's up to you/New York, New York”).
(aplausos)

_É “mermo” um artista...
_E da melhor qualidade, cumadizinha! E da melhor qualidade!
_Do Brejo para o mundo!
_Do Brejo para o mundo!
_Boa Noite, minhas senhoras! Há quanto tempo, não é?
_Mas, como? Faz dois atos que o senhor saiu Hare Krishna e volta, assim, mistura de Fred Astaire com Frank Sinatra...
_São os ventos, minha senhora! Precisamos acompanhar os ventos da mudança!
_Mas ele continua bilezinho!...
_Huuuummm!...Você ainda não viu nada! Espere ele falá do “Gladiadô”...
_Agora mesmo eu comentava, com alguns parceiros, sobre aquela cena nova e extraordinária, daquele filme novo e extraordinário...
_Vixe Maria! Vai começá!...
_Não sei se a senhora assistiu, dona Perereca. Mas é um filme fantástico, sobre a cadeia produtiva da coragem...
_Que diabo é isso já?
_E eu é que sei, comadre! Se você não acompanhá o discurso do ômi, quem é que aconsegue?
_Os gladiadores estão no centro da arena. E soltam os leões...
_Eu diria que até tarde!...
_Pois não é, comadre?...
_E veja só que coisa fantástica, dona Perereca: o líder nem estremece!...
_Não tenho palavras!...
_Nem eu, comadre! Nem eu!...
_E é, então, dona Perereca, que ele – o líder! – diz uma coisa que eu considero fantástica: não podemos nos dispersar! Precisamos estar juntos! Porque, juntos, somos fortes! Somos, verdadeiramente, invencíveis!...
_Comadre, eu vou pegá uma caixinha de Kleenex!...
_Pegue uma pra mim, também, cumadizinha!...E não se esqueça do meu Prozac!...
_A senhora entende a profundidade do que eu estou dizendo?
_Com certeza, Barão!... Estou até me desfazendo em lágrimas!...
_Não chore, minha senhora! Eu sei que eu sou, realmente, algo novo...
_...E extraordinário! Machado de Assis que o diga!...
_Essa cena eu considero, realmente, de uma significância irretocável. O confronto final entre o ser e o parecer!... Não sei se estou indo rápido demais para a senhora...Não sei se a senhora está conseguindo acompanhar a profundidade do meu raciocínio?...
_Com certeza, Barão!...Sou freudiana desde pequenininha...
_Veja: eu sei que há parceiros morrendo de medo, por causa da queda de El Rey. Sabe, é aquela analogia dos gladiadores e dos leões, a senhora compreende?
_Com certeza, Barão! Nem Esopo faria melhor...
_E eu, agora, tenho de encarar o que o destino me reservou!
_É: o destino e seus nomes!...
_Com a queda de El Rey, eu serei obrigado, fatalmente, a arregimentar o nosso exército!...
_E eu avalio o quanto o senhor está sofrendo, não é “mermo”?...
_A senhora é testemunha, dona Perereca, do quanto eu abomino o poder!
_(...)
_Nunca quis nada disso: corte, rapapés...Dinheiro!?...
_(...)
_Mas, eu não sei...Parece sina...Essas coisas me perseguem! A senhora entende, não é, dona Perereca?
_(...)
_No fundo, às vezes, eu acho que só a senhora me compreende!...
_(...)
_Bem, infelizmente, se a senhora me der licença, eu preciso ir. Tenho de consolar os meus parceiros. E fazê-los entender, enfim, essa analogia nova e extraordinária dos gladiadores e dos leões! Adorei a festa no seu apê, dona Perereca. Vemo-nos por aí!
_(...)
_Tome lá, o Kleenex, comadre! Ademorei porque não achei o Prozac. Só tinha essa tal de maracujina, serve?
_(...)
_Ué, comadre, você andou estagiando com o lorde Balloon?
_(...)
_Vixe, mãe do Céu! Você ta engasgada? Apere lá!
_Cof, cof, cof, cof, cof, cof, cof, cof !!!!...
_Credo, comadre, o papo com o Barão foi tão ruim?
_Água, água!...
_Atome lá esse copo de cerveja, mais é! Que você vai ficá belezuuura!
_Ainda pre...(cof, cof, cof, cof) Ainda prefiro o Inri!
_Chamarrr, querrridinhas!
_Ô seu Inri, adeixe a comadre, mais é, que ela ta em estado de choque!...Tá melhó, comadre?
_Peça pra descer uma grade!...
_Credo, comadre! Se eu soubesse tinha ficado conversando com o Barão...
_Ele não conversa. Ele pensa que "adeclama"!
_Vixe, Maria! Olhe só quem ta entrando no seu apê!
_Caramba! Não é o lorde Sudão e a Beijoca?
_Em aliança e poder, comadre! Em aliança e poder!
_Rápido, cumadizinha, vá buscar a minha cadeira de rodas!

_Adianta, não, comadre! É agora que fecham o seu blog!...

(continua)

Aos Xutos e Pontapés!


Nasce Selvagem

Mais do que a um país
que a uma família
ou geração

Mais do que a um passado
Que a uma história
ou tradição

Tu pertences a ti
Não és de ninguém

Mais do que a um patrão
Que a uma rotina
ou profissão

Mais do que a um partido
que a uma equipa
ou religião

Tu pertences a ti
Não és de ninguém

Vive selvagem
E para ti serás alguém
Nesta viagem

Quando alguém nasce
Nasce selvagem
Não é de ninguém

(Delfins)

Cidade Oculta

Ah, saudade dos becos!




Shirley Sombra


Onde anda Shirley Sombra?

Em Naishpur ou Babilônia
Alguma taça, ou amarga ou doce
Verte o vinho da vida, gota a gota
Vão-se as folhas da vida, uma a uma
Ah! Vem, vivamos mais que a vida, vem
Antes que em pó nos deponham também
E sob o pó pousados, pó seremos
Sem cor, sem sol, sem sonho - sem.

(Arrigo Barnabé - recriação de Augusto de Campos da versão inglesa de Edward Fitzgerald do Rubayat de Omar Khayam)



Balada do Ratão


Nunca conheci quem tivesse levado porrada
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita
Indesculpavelmente sujo
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante

(Arrigo Barnabé, sobre fragmento inicial do Poema em Linha Reta, de Fernando Pessoa)



Ronda 2


Na noite alta os ratos rondam
E no asfalto os carros roncam

Bares e clubes luzem, sinais
Gangues de punks lúmpens demais
E prostitutas passam ao léu
E viaturas surgem no breu

Quando nas casas os justos dormem
Quando não matam os brutos morrem

Os seus olhos filtram letras
Luminosos, faroletes e holofotes
Nos seus olhos se reflete
Todo o lume do negrume dessa noite

Cena de bangue-bangue, faróis
Tiras, bandidos, anti-heróis
Tiros e gritos, cante mortal
Cena de sangue, lance normal

E pelas ruas, peruas rugem
Se abrem alas e as balas zunem

De repente você treme
E a sirene passa entre automóveis
Em suspense você pensa
O que pode com o ódio desses homens?

(Arrigo Barnabé e Carlos Rennó)



Cidade Oculta


Na cidade só chovia
Noite imensa, só havia
Luminosos, agonia
E a vida escorria pela escuridão

Nossas ruas eram frias
Como os homens desses dias
Engrenagens tão sombrias
Esquecidas pelos deuses
A pulsar em vão

Misteriosamente uma andróide
Gritou docemente
Me mostrou a vida
Me encheu de cores
Desenhando um holograma em meu coração
Com seus olhos foi pintando um dia
Reinventando a alegria, brancas nuvens de verão
E a poesia de repente volta a ter razão

(Arrigo Barnabé, Eduardo Gudin e Roberto Riberti)