Darci e Wanterlor
I
Conheci Wanterlor (acho que é assim que se escreve) numa ida a Parauapebas.
Fiquei a olhar pra ele com uns olhos de peixe morto: que negão bacanão!
Catita, espertíssimo. Tão esperto que entra naquela do: faz de conta que eu não percebo que tu percebes a minha esperteza...
Excelente jogador.
Tão bom que foi para o PSOL, que parece ser o seu partido do coração, mas retornou ao PT, pragmaticamente, para se reeleger.
Para mim isso não representa qualquer demérito: é capacidade, matemática, de jogar. Por outras palavras, de encarar friamente o jogo político.
Também não vejo grandes diferenças entre o pai, o PT, e o filho, o PSOL.
Esse último, bem que poderia se contentar em ser, apenas, mais uma corrente petista, como a DS, por exemplo.
Mas, teve a coragem de se assumir, para construir, entre marchas e contramarchas, entre ganhos e perdas tremendas (vide a derrota da grande deputada Araceli Lemos; que falta que ela faz!...) o Brasil que imagina ser o melhor.
É o melhor deles, não é o meu melhor. Mas, eu gosto de imaginar que, lá bem no fundo do coração, a gente quer a mesmíssima coisa...
A quebra da espinha dorsal desse escravismo que, há 500 anos, domina o nosso país.
Uma relação mais respeitosa dessa infâmia que sempre foi a Companhia Vale do Rio Doce.
Cidadania, democracia. Respeito, solidariedade. Reconhecimento de que o seu José e a dona Maria têm, exatamente, os mesmos direitos que eu a uma vida melhor.
Se o que eu penso ou o que eles pensam é factível ou é um sonho, só a história, com a sua marcha irrefreável, dirá.
Mas, respeito esses companheiros e sinto um baita orgulho em acreditar que eles me respeitam também.
Gostei do negão: ele tem tutano. É humano. Apesar da política, conseguiu conservar esse bem, que é a humanidade.
Mas, não estou aqui para falar do aparentemente vitorioso Wanterlor. E sim, do aparentemente perdedor, companheiro Darci.
II
Há dias apaguei um post pra lá de bêbado e nem avisei aos leitores, dada a pressa de viajar.
Nele, eu lembrava a aflição de um promotor, na campanha de 2006, que, de repente, sentiu que teria de impugnar a Ana, porque ela não havia declarado a propriedade de um apartamento.
E, no final, esse promotor acalmou-se ao descobrir que a Ana, afinal, vendera o apartamento, para pagar dívidas da campanha de 2004.
Lembro que ela até chorou, sem querer chorar, ao relatar essa história: a venda forçada do único bem que conseguiu amealhar, em décadas de trabalho, e que, certamente, sonhava em deixar aos filhos...
A minha xará é assim: uma mulher de fibra!...
E eu recordo que terminava aquele post apagado dizendo mais ou menos isto: que eu me sentia, agora, na mesma miserável condição daquele promotor.
Só que com um agravante: percebi que essa história da merenda de Parauapebas não bate. E infelizmente, desgraçadamente, não encontro maneira de dizer que bate...
III
Não conheço pessoalmente o Darci Lermen. Mas, de tudo o que vi, li e ouvi consegui depreender que é um quadro magnífico das esquerdas.
Sujeito esquisitão, para os padrões da política brasileira: elegeu-se prefeito, tem a caneta na mão. Mas, ao invés de se esquecer do povo que o elegeu, como fazem todos, preferiu continuar a se comportar como um mero cidadão.
Ao invés de se vender à poderosíssima Vale, que, certamente, deve ter lhe oferecido mundos e fundos, preferiu continuar com o seu bonezinho do MST.
Só por isso, pra mim, sem trocadilho, ele já vale um bocado...
O comportamento de Darci, a firmeza de Darci, ajudam, aliás, a compreender um bocadinho a ferocidade da Vale, nessa tentativa de derrubá-lo.
Darci está para Cuba, como a Vale está para os Estados Unidos.
É o mesmo ódio do império, em relação ao preto, ao aborígene, ao pobre, que insiste em demonstrar que é o verdadeiro senhor daquilo que o império julga, apenas, um quintal.
E eu até compreendo o ódio da Vale e daquele seu presidente arrogante e mal educado, que esqueci o nome: de fato, deve dar uma revolta danada encarar esses “índios arredios”, que preferem atirar no helicóptero a se contentar que as miçanguinhas e os espelhinhos que ela distribui...
IV
Mas, apesar dessa firmeza do companheiro Darci, do seu compromisso com a sociedade – compromisso de “classe”, diria ele – tenho, infelizmente, de reconhecer que ele padece de alguns defeitos insanáveis.
O primeiro, certamente, é a incompetência para o cargo que ocupa.
Daí, talvez, muitos dos erros que cometeu.
Darci não tem noção do funcionamento da máquina pública, e muito menos, de planejamento.
E, para mim, há dois exemplos antológicos disso.
O primeiro, todo mundo soube e riu: a crença de que, num processo em que o mérito transitou em julgado, inexistem recursos protelatórios.
É mais ou menos assim: o Supremo determinou que eu e várias outras pessoas lesadas temos o direito de receber um pagamento, um ressarcimento, pelo dano que nos foi causado.
Bom, num país sério, eu até poderia incluir esse dinheiro no meu orçamento imediato. E aí contratar um mestre de obras, um engenheiro, um arquiteto, para reformar imediatamente a minha casa.
Mas, isso não acontece em países avacalhados como o Brasil, em que se pode contratar uma penca de excelentes advogados para dizer, simplesmente, o seguinte: sim, mas eu não entendi o que significa essa sentença, realmente... E: sim, vamos pagar, mas, de que jeito?
E é claro que a tudo isso ajuda não apenas a pilha de processos sobre as mesas dos senhores magistrados, mas, principalmente, a corrupção que grassa neste país.
O outro exemplo é a própria situação de Parauapebas, com esse orçamento extraordinário, superior a R$ 250 milhões por ano, o segundo do Pará, atrás, apenas, de Belém.
Caramba, é verdade que há um fluxo migratório absurdo no sudeste do Pará, por conta justamente, da atividade da Vale, que não destina ao estado nem 000000000000,1% de seus lucros, para mitigar esses impactos sociais, que já vêm de longa data.
Mas, talvez que com um mínimo de planejamento e com um orçamento tão grandioso, seja possível ir de alguma forma orientando esse crescimento populacional, em vez de simplesmente ir aceitando, passivamente, a miséria que ele cria.
Acho que até já falei sobre isso: tá bom, eu tenho um incremento populacional absurdo, de 10%, 20%, 30% ao ano.
Mas, eu tenho uma média histórica, né mermo? E é com uma margem, um percentual acima desse índice que eu tenho de jogar – na educação, na saúde, no saneamento e por aí vai.
Mas, o Darci não conseguiu pensar assim nem em relação a uma única escola: peguei o caso de uma escola, bacana, por sinal, que ele construiu. Mas, que teve de mandar fazer um anexo miserável, de madeira, para contemplar a mixaria de 300 alunos – e eu digo mixaria, porque a escola tem em torno de 2.000 estudantes – no mesmo ano letivo.
O que eu não posso, numa cidade como Parauapebas, é pensar apenas o presente imediato.
Se a comunidade, no momento em que projetei uma escola, um posto de saúde, um sistema de abastecimento, é de duas mil pessoas, eu preciso pensar numa defasagem ainda maior do que eu pensaria em qualquer outra cidade.
Eu tenho de buscar um parâmetro – a média histórica de crescimento. E aplicar aí uma margem de segurança.
Em suma: se houvesse um mínimo de planejamento, dava ou não, para, ao menos naquele ano, naquela escola,contemplar todo mundo?
V
Mais grave, para mim, porém, de tudo aquilo que apurei, é a questão da merenda.
Aí concordo com o Wanterlor, estivesse ou não ele jogando: desviar dinheiro, num partido de esquerda, é inaceitável – e eu diria complexo, porque todos fazemos isso, os recursos de caixa dois, imprescindíveis não apenas devido à legislação, mas à história deste país escravista, que não vai financiar, justamente, aqueles que tentam romper com isso, né mermo?
Mas, se isso já é complicado no superfaturamento de uma estrada, por exemplo, mais complicado se torna quando atinge a merenda das crianças ou os remédios dos doentes...
E aí a gente vai cair numa coisa que tenho repisado aqui – é só ver os posts anteriores: quais os limites éticos desse tipo de ação?
Até onde podemos ir ao negociar com essa bandidagem que está aí? Em que setores poderemos negociar? E quais as bases dessa negociação?
Infelizmente, PSDB e PT, que buscamos, inteligentemente, transformar a sociedade brasileira, numa sentamos para discutir isso.
Um faz – e o outro imagina que, por isso, está autorizado a fazer, sem ao menos questionar por critérios nesse tipo de ação.
Essa é uma discussão que até já passou do tempo de ser levada; tá pra lá de amarelo-vermelha; vai cair da árvore sem que se lhe dê uma solução.
E a gente tem, sim, de sentar para ver isso.
Porque, se nos cabe o comando da “massa atrasada”, cabe-nos, também, o balizamento, as diretrizes, os caminhos, por onde todos andarão.
E eu, com licença, vou encher a cara.
FUUUUIIIIIII!!!!!