Mais de mil aposentadorias e pensões de beneficiários já falecidos, mas que continuavam a ser pagas, já foram suspensas pelo Igeprev, o Instituto de Gestão Previdenciária do Pará, do ano passado para cá.
As fraudes foram descobertas graças a um pente-fino que vem sendo realizado pelo instituto nesses benefícios.
A estimativa é que essas mil fraudes tenham provocado um prejuízo de quase R$ 41 milhões aos cofres públicos.
Mas é apenas a ponta de um iceberg: nos cálculos do Tribunal de Contas do Estado (TCE), é provável que diversas irregularidades nos pagamentos de pensões e aposentadorias tenham provocado um rombo superior a R$ 252 milhões, entre 2010 e 2018.
A boa notícia é que hoje o Igeprev está agindo, para eliminar tais problemas.
Segundo o ex-auditor geral do Estado, Giussepp Mendes, que desde meados do ano passado preside o Igeprev, uma das causas dessas irregularidades, como é o caso dos pagamentos de beneficiários já falecidos, era a falta de atualização do banco de dados de aposentados e pensionistas.
Mas o Censo Previdenciário, que começou em novembro, vai sanar essa defasagem e reduzir a possibilidade de fraudes.
O trabalho já deveria ter sido concluído, mas a pandemia obrigou que fosse interrompido, entre fevereiro e junho deste ano.
Mesmo assim, quase a metade dos 48 mil segurados do Igeprev já foi recadastrada e a previsão é que o censo termine em 30 de dezembro.
Além de dificultar as fraudes, a atualização cadastral também vai melhorar o planejamento do instituto, o que também é fundamental para o bom uso dos recursos públicos, observa Giussepp.
Outra providência é a abertura de processos administrativos e judiciais, para recuperar o dinheiro recebido irregularmente por beneficiários, ou em nome deles.
Já o pente-fino deve prosseguir até maio do ano que vem.
A auditoria se encontra em sua segunda e última fase, na qual foram detectados 131 pagamentos indevidos, suspensos no mês passado.
Só esses 131 casos somam quase R$ 2,7 milhões.
A lista desses “fantasminhas” foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE), em 1 de outubro.
Ela não traz nomes, mas apenas os números das matrículas no Igeprev.
Na relação, há civis e militares e quase todos faleceram ao longo deste ano.
As exceções são 6 ex-aposentados e pensionistas, que morreram no ano passado, e um aposentado, que morreu em maio de 2018.
Ele é o que registra o maior valor de pagamentos irregulares: quase R$ 265 mil.
Na lista, há pouquíssimos benefícios que chamam atenção pelo alto valor.
O caso mais significativo é o de um militar inativo, que morreu em julho deste ano e recebia R$ 88.811,01 por mês.
Como o pagamento só foi suspenso em setembro, o dinheiro recebido em nome dele totalizou R$ 175.657,02.
No entanto, há vários benefícios de apenas um salário mínimo, ou pouco mais.
O menor era o de um pensionista civil, que morreu em julho último e recebia apenas R$ 905,96 por mês.
Só com esses 131 “fantasminhas”, os gastos do Igeprev alcançavam R$ 811.445,77 mensais (média per capita de R$ 6.194,24).
Com a suspensão dos pagamentos ocorrida em setembro, serão, portanto, mais de R$ 4 milhões que deixarão de sair irregularmente dos cofres públicos, só neste ano, e já com o 13.
Trabalho do MPC foi decisivo para conter a sangria
É verdade que desde 2019, com o Governo do Estado sob nova direção, o Igeprev já vinha apertando a fiscalização desses benefícios.
Mas também é verdade que o Ministério Público de Contas (MPC) teve um papel decisivo para conter essa sangria de quase uma década.
Quem começou a investigar o caso foi o hoje Procurador Geral de Contas, Guilherme da Costa Sperry, a partir de um processo aparentemente corriqueiro: as pensões deixadas por um servidor público, para a viúva e o filho do casal.
Sperry descobriu que o rapaz continuou a receber a pensão mesmo depois de atingir a maioridade.
Pior: a viúva morreu em abril de 2007, mas a pensão dela continuou a ser paga até outubro de 2012, o que resultou em mais de R$ 44 mil em pagamentos indevidos.
Na época, as pensões por morte do Igeprev somavam R$ 34,6 milhões e beneficiavam mais de 10 mil pessoas.
E as explicações do instituto, para aqueles pagamentos à viúva falecida, fizeram com que Sparry desconfiasse da existência de outros casos semelhantes.
É que o Igeprev disse que o sistema de gerenciamento, o Sisprev, não suportava a carga automática registrada no sistema de óbitos (Sisobi).
Além disso, alguns cartórios descumpriam a Lei e não atualizavam as informações.
Para completar, o Igeprev realizara manualmente o controle de centenas ou milhares de falecimentos, entre abril de 2009 e dezembro de 2014.
Ao mergulhar nesse caos, Sparry encontrou até um aumento de R$ 375 mil na folha de pagamentos desses benefícios, apenas com a inclusão de 4 novos beneficiários, entre fevereiro e março de 2017.
Encontrou, ainda, 18 pensões cujos valores líquidos superavam a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o limite constitucional para os salários e benefícios pagos pelo Poder Público.
Com base nesses indícios de irregularidades, ele protocolou, em fevereiro de 2018, uma Representação no TCE, pedindo uma inspeção extraordinária.
Os técnicos do tribunal descobriram, então, um fato assustador: um provável dano ao erário superior a R$ 252 milhões, entre 1 de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2018, devido a várias irregularidades.
Mais da metade desse rombo (R$ 135,5 milhões) decorrera de benefícios acima do limite constitucional.
Já as aposentadorias pagas a “fantasminhas” somavam R$ 16,5 milhões.
No entanto, o aperto da fiscalização pelo Governo sinalizava a possibilidade de que o problema fosse ainda maior, o que acabou se confirmando com o pente-fino do Igeprev, que já encontrou mais de mil “fantasminhas”.
Embora já tivesse sido iniciado pelo instituto, o pente-fino acabou reforçado por uma ordem do TCE.
Em abril de 2020, o tribunal julgou procedente a Representação de Sparry e determinou ao Igeprev um conjunto de medidas para colocar ordem na casa.
Houve conselheiro espantado com o rombo de R$ 252 milhões, em 8 anos.
E o relator do processo, o conselheiro substituto Julival Silva Rocha, externou até uma certa agonia. “Eu não sei como que o Tribunal poderia fazer aqui para provocar, para incentivar, ou para motivar alguma pessoa vinculada ao órgão competente para fazer sua regulamentação, para que isso seja feito o mais breve possível”, disse, à certa altura.
Segundo ele, a maioria dos pagamentos irregulares decorreu de falhas de comunicação, como, por exemplo, entre os cartórios, o sistema de óbitos e o sistema nacional de registro civil.
Em geral, por causa de problemas no RG e no CPF, os dois principais documentos de identificação.
E como cada cidadão corresponde, nesses sistemas, a dezenas de dados, muitos deles falhos, o mar de problemas só poderá ser resolvido com a regulamentação da Lei 9.454/1997, que instituiu o número único de registro de identidade civil.
Uma providência muito acima da esfera de poder do tribunal.
Naquela sessão, foi dado um prazo de 60 dias para o Igeprev apresentar um plano de ação, com as recomendações do tribunal, para a recuperação desses recursos e o combate às irregularidades.
A montanha de possíveis danos ao erário incluía R$ 37,3 milhões em pensões por morte, R$ 28 milhões em aposentadorias indevidas, R$ 23,8 milhões em pensões que atingiram, em algum momento, o limite constitucional, e R$ 2,2 milhões em reservas e reformas irregulares.
Uma das recomendações do TCE, para evitar novos prejuízos, foi que o Igeprev melhorasse o seu controle de pagamentos, inclusive com o recadastramento dos beneficiários e censos períodos.
Na época, segundo Giussepp Mendes, a melhoria da fiscalização pelo novo governo já havia detectado 350 possíveis fraudes previdenciárias.
“Mesmo antes do julgamento do TCE, já vínhamos adotando medidas para combater esses problemas. Além disso, encaminhamos todas as irregularidades identificadas ao Ministério Público e à Diretoria de Combate à Corrupção (DECOR), da Polícia Civil, para a apuração até mesmo de possíveis organizações criminosas”, afirma.
De lá para cá, o Igeprev também já detectou, e suspendeu, mais de 2 mil abonos concedidos indevidamente a militares, que custavam R$ 5,7 milhões por ano, aos cofres públicos.
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Matéria que fiz para o jornal Diário do Pará, publicada no último domingo, 24 de outubro.