A Perereca decidiu lançar a coluna “Que fim
levou?” para saber, afinal, o que fez ou deixou de fazer o Ministério Público
do Pará (MP-PA), em relação às cabeludas denúncias de irregularidades dos 20
anos de governos tucanos, que teriam lesado os cofres públicos em bilhões de
reais.
E o escândalo que abre esta coluna é simplesmente extraordinário:
a denúncia do promotor Gilberto Valente Martins, ex-Procurador Geral de Justiça
do Pará, contra o procurador de Justiça Manoel Santino Nascimento Junior, atual
corregedor do MP-PA.
Em 2006, Gilberto investigou a compra de 30 trailers e
duas lanchas para a Polícia Militar e encontrou indícios de superfaturamento e até
de lavagem de dinheiro.
E nesse mar de irregularidades, segundo Gilberto, estariam
envolvidos até o pescoço o então comandante da PM, coronel João Paulo Vieira, e
o então secretário especial de Defesa Social, Manoel Santino do Nascimento Junior.
Pois é...
Para quem não se lembra, Santino foi secretário
especial, homem de confiança do primeiro governo do ex-governador Simão Jatene,
entre 2003 e 2006.
Não se sabe que fim levou esse caso, que deu origem ao
Procedimento Extrajudicial 067/2006, protocolo 14752/2006.
Na noite de hoje, tentei acessar a tramitação, mas
consta que não se encontra no sistema.
No entanto, o blog vai solicitar informações ao MP-PA,
com base na Constituição Federal e na Lei da Transparência.
É que a sociedade paraense precisa saber quem tinha
razão, afinal: Gilberto Martins ou Manoel Santino?
Se Gilberto tinha razão, por que é que Santino não foi
punido?
Mas se era Santino quem tinha razão, por que é que nada
fez em relação a Gilberto, que lançou contra ele tão graves acusações?
E, principalmente, como é que ficaram os cofres
públicos?
É mais um mistério misterioso que prometo desvendar,
para este público magnífico que acompanha A Perereca da Vizinha.
Leia a matéria que escrevi sobre o caso
para o jornal Diário do Pará, em novembro de 2006.
“Está instalada a polêmica no Ministério Público
Estadual. Tudo porque o 2 promotor dos Direitos Constitucionais e do Patrimônio
Público, João Gualberto dos Santos Silva, decidiu arquivar o Procedimento
Extrajudicial (PE) 067/2006. A investigação foi aberta para apurar possíveis
irregularidades na aquisição de 30 trailers e de duas lanchas de ação rápida,
pela Polícia Militar do Estado, além da legalidade ou não do contracheque do
comandante da PM, o coronel João Paulo Vieira, no qual constam, além do salário
da ativa, os proventos da aposentadoria dele.
Três técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE),
que realizaram inspeção extraordinária nesses contratos, produziram um
documento de 34 páginas, mostrando a irregularidade e a ilegalidade dessas
aquisições. O 1 promotor de Justiça Militar, Gilberto Valente Martins,
encontrou, no processo, fortes indícios de práticas criminosas, à luz da Lei
das Licitações, a 8.666/93; de atos de improbidade administrativa e até de
lavagem de dinheiro. Gualberto, porém, entendeu o oposto: para ele, tudo
transcorreu na mais perfeita legalidade.
O arquivamento ainda será submetido ao Conselho
Superior do Ministério Público – e o promotor Gilberto Valente já anunciou que
vai recorrer da decisão. Mas, se vingar o entendimento inicial, ficam livres de
acusações o comandante geral da PM, João Paulo Vieira, e o secretário especial
de Defesa Social, Manuel Santino, ex-chefe do Ministério Público Estadual.
Santino, aliás, segundo é voz corrente no MPE, possui, ainda, imensa influência
na instituição. Tanto assim que teria emplacado a indicação do atual procurador
de Justiça, Francisco Barbosa, de quem, hoje, Gualberto é o chefe de gabinete.
A batata quente rolou por várias mãos, no MP. O
procedimento 067/2006 foi aberto, em junho deste ano, a partir de ofício de
Gilberto Valente, que encaminhou o caso às Promotorias dos Direitos
Constitucionais e do Patrimônio Público, por detectar indícios de
irregularidades na esfera de competência delas, mas não na área militar. Foi,
então, distribuído ao promotor Albertino Soares Moreira Júnior, que alegou
suspeição. Depois, foi parar na mesa do promotor José Vicente Miranda Filho,
que, também, pediu a redistribuição dos autos. Sobrou para Gualberto, que atua
na área cível – não na criminal.
Ele, então, resolveu dividir o caso em três: despachou
a investigação sobre a compra das lanchas, no valor de R$ 490 mil, para o
Ministério Público Federal, por envolver uma empresa ligada à Marinha do
Brasil; e encaminhou o exame da remuneração de João Paulo Vieira ao
procurador-geral de Justiça, a quem compete, por lei, a eventual adoção de
medidas judiciais contra o comandante-geral da PM. Nas mãos de Gualberto
sobrou, apenas, a compra dos 30 trailers, ao custo de R$ 1,860 milhões – ou R$
62 mil a unidade.
O relatório dos técnicos do TCE sobre a transação é,
simplesmente, demolidor. A irregularidade mais gritante é o fato de a compra
dos trailers, junto à Moto Trailer do Brasil Ltda. ter sido acertada (incluindo
os preços) antes mesmo de formalizado o processo de aquisição. Tudo com
inexigibilidade de licitação. E apesar de a Lei 8666/93 proibir o Poder Público
de direcionar a aquisição de bens ou serviços, para uma determinada empresa.
O processo foi iniciado em 1 de dezembro de 2005 e o
contrato de compra só foi firmado no dia 19. Mas, os técnicos localizaram um
documento, encaminhado a Manuel Santino em 1 de dezembro, no qual a empresa
escreveu: “Informamos, através desta, conforme o acertado em reunião do dia 24
de novembro de 2005, que entregaremos, durante o mês de dezembro de 2005, nove
unidades móveis trailer modelo Andorinha Base Comunitária e vinte e uma
unidades móveis trailer modelo Andorinha Base Comunitária até o dia 31 de março
de 2006. Sendo que o preço certo e ajustado de R$ 62.000,00 por unidade
entregue na capital de Belém, estado do Pará, é de R$ 62.000,00, deverá o pagamento
ser efetuado contra-entrega. Estando com a remessa de três unidades programadas
para o dia 09 de dezembro de 2005, esperamos que nos envie dados para o
faturamento e a indicação do local de entrega, assim como nota de empenho dos
trailers acima mencionados”.
Só esse fato, de acordo com os técnicos do TCE, já
seria suficiente para invalidar o processo de inexigibilidade 010/05-CPL/PMPA,
bem como o contrato que originou. Mas eles ainda detectaram várias outras
irregularidades. Como o fato de, ainda em 1 de dezembro, na abertura do
processo, a Diretoria de Apoio Logístico da PM ter antecipado, ao Comando
Geral, que os trailers seriam comprados junto a Moto Trailer do Brasil –
inclusive, referindo o valor da proposta da empresa. Pior: sequer existe prova
de que ela seja a única fabricante, no Brasil ou no exterior, de unidades
móveis de segurança – e a Lei das Licitações só admite a inexigibilidade quando
o produto é exclusivo.
Nesse sentido, tudo o que os técnicos encontraram foi
um atestado do Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos
Ferroviários e Rodoviários (Simefre). Nele, consta que a empresa “é fabricante
exclusiva, no Brasil, de trailers, da marca Moto-Trailer”. Ou seja, como
observa um promotor, é como se alguém dissesse que só quem fabrica um Mercedes
é a Mercedes Benz – o que não significa a inexistência de outros automóveis. E,
em se tratando de dinheiro público, a lei proíbe a preferência por marcas.
Além disso, os técnicos não encontraram qualquer
estudo sobre as especificações do tipo de trailer de que a PM necessitaria.
Mas, também, não encontraram nada de especial nos trailers fornecidos pela
empresa. Pelo contrário: eles constataram que tais “unidades móveis de
segurança” não dispõem, sequer, de blindagem – ou de banheiro ou pia. Vai daí a
dificuldade de alguns promotores entenderem como é que essas “caixas” – que
também não possuem motor – podem ter custado R$ 62 mil, ou o mesmo que um
automóvel de luxo. E de a PM não ter realizado qualquer pesquisa de preço.
Mas o promotor João Gualberto garante que tudo
aconteceu dentro da legalidade. Depois de solicitar informações a Manuel
Santino e ao Comando da PM, assinou embaixo das justificativas da corporação.
Segundo a PM, esses trailers são “um equipamento incomum, impossível de
licitar, face não existir no mercado similares que tenham características
aproximadas (...)”. Da mesma forma, Gualberto afirma ter concluído que “o tipo
específico de trailer adquirido pela Polícia Militar não encontra similar no
mercado (...)”.
Estranhamente, porém, o promotor lista nada menos que
cinco fabricantes de trailers passíveis de utilização como unidades móveis de
segurança. E dois deles (a R$ 45.000,00 e a R$ 33.960,00) com preços inferiores
aos R$ 62 mil pagos pela PM. Afirma, porém, que todos acabariam saindo mais
caro, devido a diferenças estruturais, como o uso de materiais diversos, falta
de sistema hidráulico (embora os trailers da PM não possuam nem pia) e até pela
entrega do produto ocorrer em outros estados. O problema, porém, como observa
um promotor, é que o processo licitatório existe, justamente, para baratear os
preços. Daí não passar de mera ilação – e contrária à lógica, aliás - a
afirmativa de que esses custos seriam mais elevados, apesar da concorrência.
Mais: Gualberto também vai buscar amparo no atestado
do Simefre – detonado pelos técnicos do TCE – para afirmar a exclusividade da
Moto Trailer do Brasil. Diz da impossibilidade de sustentação jurídica de
acerto anterior entre a empresa e Manuel Santino, “posto que a proposta da
Motor Trailer foi anexada ao processo licitatório, em razão da inequívoca
exclusividade do fabricante”. E que a decisão da PM de não realizar licitação é
explicada pela capacitação técnica da empresa, que já forneceu trailers às
polícias de São Paulo e do Maranhão. Ou seja, como brinca um promotor, a partir
de agora, também a PM do Pará pode atestar a capacidade técnica da Moto Trailer”.