quinta-feira, 22 de abril de 2021

Gilberto Martins acusa Manoel Santino de participar de superfaturamento de trailers comprados para a PM. Escândalo envolveria até mesmo lavagem de dinheiro. Leia a coluna “Que fim levou?”, que estreia hoje na Perereca da Vizinha.


 

A Perereca decidiu lançar a coluna “Que fim levou?” para saber, afinal, o que fez ou deixou de fazer o Ministério Público do Pará (MP-PA), em relação às cabeludas denúncias de irregularidades dos 20 anos de governos tucanos, que teriam lesado os cofres públicos em bilhões de reais.

E o escândalo que abre esta coluna é simplesmente extraordinário: a denúncia do promotor Gilberto Valente Martins, ex-Procurador Geral de Justiça do Pará, contra o procurador de Justiça Manoel Santino Nascimento Junior, atual corregedor do MP-PA.

Em 2006, Gilberto investigou a compra de 30 trailers e duas lanchas para a Polícia Militar e encontrou indícios de superfaturamento e até de lavagem de dinheiro.

E nesse mar de irregularidades, segundo Gilberto, estariam envolvidos até o pescoço o então comandante da PM, coronel João Paulo Vieira, e o então secretário especial de Defesa Social, Manoel Santino do Nascimento Junior.

Pois é...

Para quem não se lembra, Santino foi secretário especial, homem de confiança do primeiro governo do ex-governador Simão Jatene, entre 2003 e 2006.  

Não se sabe que fim levou esse caso, que deu origem ao Procedimento Extrajudicial 067/2006, protocolo 14752/2006.

Na noite de hoje, tentei acessar a tramitação, mas consta que não se encontra no sistema.

No entanto, o blog vai solicitar informações ao MP-PA, com base na Constituição Federal e na Lei da Transparência.

É que a sociedade paraense precisa saber quem tinha razão, afinal: Gilberto Martins ou Manoel Santino?

Se Gilberto tinha razão, por que é que Santino não foi punido?

Mas se era Santino quem tinha razão, por que é que nada fez em relação a Gilberto, que lançou contra ele tão graves acusações?

E, principalmente, como é que ficaram os cofres públicos?

É mais um mistério misterioso que prometo desvendar, para este público magnífico que acompanha A Perereca da Vizinha.

Leia a matéria que escrevi sobre o caso para o jornal Diário do Pará, em novembro de 2006.

“Está instalada a polêmica no Ministério Público Estadual. Tudo porque o 2 promotor dos Direitos Constitucionais e do Patrimônio Público, João Gualberto dos Santos Silva, decidiu arquivar o Procedimento Extrajudicial (PE) 067/2006. A investigação foi aberta para apurar possíveis irregularidades na aquisição de 30 trailers e de duas lanchas de ação rápida, pela Polícia Militar do Estado, além da legalidade ou não do contracheque do comandante da PM, o coronel João Paulo Vieira, no qual constam, além do salário da ativa, os proventos da aposentadoria dele.

Três técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que realizaram inspeção extraordinária nesses contratos, produziram um documento de 34 páginas, mostrando a irregularidade e a ilegalidade dessas aquisições. O 1 promotor de Justiça Militar, Gilberto Valente Martins, encontrou, no processo, fortes indícios de práticas criminosas, à luz da Lei das Licitações, a 8.666/93; de atos de improbidade administrativa e até de lavagem de dinheiro. Gualberto, porém, entendeu o oposto: para ele, tudo transcorreu na mais perfeita legalidade.

O arquivamento ainda será submetido ao Conselho Superior do Ministério Público – e o promotor Gilberto Valente já anunciou que vai recorrer da decisão. Mas, se vingar o entendimento inicial, ficam livres de acusações o comandante geral da PM, João Paulo Vieira, e o secretário especial de Defesa Social, Manuel Santino, ex-chefe do Ministério Público Estadual. Santino, aliás, segundo é voz corrente no MPE, possui, ainda, imensa influência na instituição. Tanto assim que teria emplacado a indicação do atual procurador de Justiça, Francisco Barbosa, de quem, hoje, Gualberto é o chefe de gabinete.

A batata quente rolou por várias mãos, no MP. O procedimento 067/2006 foi aberto, em junho deste ano, a partir de ofício de Gilberto Valente, que encaminhou o caso às Promotorias dos Direitos Constitucionais e do Patrimônio Público, por detectar indícios de irregularidades na esfera de competência delas, mas não na área militar. Foi, então, distribuído ao promotor Albertino Soares Moreira Júnior, que alegou suspeição. Depois, foi parar na mesa do promotor José Vicente Miranda Filho, que, também, pediu a redistribuição dos autos. Sobrou para Gualberto, que atua na área cível – não na criminal.

Ele, então, resolveu dividir o caso em três: despachou a investigação sobre a compra das lanchas, no valor de R$ 490 mil, para o Ministério Público Federal, por envolver uma empresa ligada à Marinha do Brasil; e encaminhou o exame da remuneração de João Paulo Vieira ao procurador-geral de Justiça, a quem compete, por lei, a eventual adoção de medidas judiciais contra o comandante-geral da PM. Nas mãos de Gualberto sobrou, apenas, a compra dos 30 trailers, ao custo de R$ 1,860 milhões – ou R$ 62 mil a unidade.

O relatório dos técnicos do TCE sobre a transação é, simplesmente, demolidor. A irregularidade mais gritante é o fato de a compra dos trailers, junto à Moto Trailer do Brasil Ltda. ter sido acertada (incluindo os preços) antes mesmo de formalizado o processo de aquisição. Tudo com inexigibilidade de licitação. E apesar de a Lei 8666/93 proibir o Poder Público de direcionar a aquisição de bens ou serviços, para uma determinada empresa.

O processo foi iniciado em 1 de dezembro de 2005 e o contrato de compra só foi firmado no dia 19. Mas, os técnicos localizaram um documento, encaminhado a Manuel Santino em 1 de dezembro, no qual a empresa escreveu: “Informamos, através desta, conforme o acertado em reunião do dia 24 de novembro de 2005, que entregaremos, durante o mês de dezembro de 2005, nove unidades móveis trailer modelo Andorinha Base Comunitária e vinte e uma unidades móveis trailer modelo Andorinha Base Comunitária até o dia 31 de março de 2006. Sendo que o preço certo e ajustado de R$ 62.000,00 por unidade entregue na capital de Belém, estado do Pará, é de R$ 62.000,00, deverá o pagamento ser efetuado contra-entrega. Estando com a remessa de três unidades programadas para o dia 09 de dezembro de 2005, esperamos que nos envie dados para o faturamento e a indicação do local de entrega, assim como nota de empenho dos trailers acima mencionados”.

Só esse fato, de acordo com os técnicos do TCE, já seria suficiente para invalidar o processo de inexigibilidade 010/05-CPL/PMPA, bem como o contrato que originou. Mas eles ainda detectaram várias outras irregularidades. Como o fato de, ainda em 1 de dezembro, na abertura do processo, a Diretoria de Apoio Logístico da PM ter antecipado, ao Comando Geral, que os trailers seriam comprados junto a Moto Trailer do Brasil – inclusive, referindo o valor da proposta da empresa. Pior: sequer existe prova de que ela seja a única fabricante, no Brasil ou no exterior, de unidades móveis de segurança – e a Lei das Licitações só admite a inexigibilidade quando o produto é exclusivo.

Nesse sentido, tudo o que os técnicos encontraram foi um atestado do Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários (Simefre). Nele, consta que a empresa “é fabricante exclusiva, no Brasil, de trailers, da marca Moto-Trailer”. Ou seja, como observa um promotor, é como se alguém dissesse que só quem fabrica um Mercedes é a Mercedes Benz – o que não significa a inexistência de outros automóveis. E, em se tratando de dinheiro público, a lei proíbe a preferência por marcas.

Além disso, os técnicos não encontraram qualquer estudo sobre as especificações do tipo de trailer de que a PM necessitaria. Mas, também, não encontraram nada de especial nos trailers fornecidos pela empresa. Pelo contrário: eles constataram que tais “unidades móveis de segurança” não dispõem, sequer, de blindagem – ou de banheiro ou pia. Vai daí a dificuldade de alguns promotores entenderem como é que essas “caixas” – que também não possuem motor – podem ter custado R$ 62 mil, ou o mesmo que um automóvel de luxo. E de a PM não ter realizado qualquer pesquisa de preço.

Mas o promotor João Gualberto garante que tudo aconteceu dentro da legalidade. Depois de solicitar informações a Manuel Santino e ao Comando da PM, assinou embaixo das justificativas da corporação. Segundo a PM, esses trailers são “um equipamento incomum, impossível de licitar, face não existir no mercado similares que tenham características aproximadas (...)”. Da mesma forma, Gualberto afirma ter concluído que “o tipo específico de trailer adquirido pela Polícia Militar não encontra similar no mercado (...)”.

Estranhamente, porém, o promotor lista nada menos que cinco fabricantes de trailers passíveis de utilização como unidades móveis de segurança. E dois deles (a R$ 45.000,00 e a R$ 33.960,00) com preços inferiores aos R$ 62 mil pagos pela PM. Afirma, porém, que todos acabariam saindo mais caro, devido a diferenças estruturais, como o uso de materiais diversos, falta de sistema hidráulico (embora os trailers da PM não possuam nem pia) e até pela entrega do produto ocorrer em outros estados. O problema, porém, como observa um promotor, é que o processo licitatório existe, justamente, para baratear os preços. Daí não passar de mera ilação – e contrária à lógica, aliás - a afirmativa de que esses custos seriam mais elevados, apesar da concorrência.

Mais: Gualberto também vai buscar amparo no atestado do Simefre – detonado pelos técnicos do TCE – para afirmar a exclusividade da Moto Trailer do Brasil. Diz da impossibilidade de sustentação jurídica de acerto anterior entre a empresa e Manuel Santino, “posto que a proposta da Motor Trailer foi anexada ao processo licitatório, em razão da inequívoca exclusividade do fabricante”. E que a decisão da PM de não realizar licitação é explicada pela capacitação técnica da empresa, que já forneceu trailers às polícias de São Paulo e do Maranhão. Ou seja, como brinca um promotor, a partir de agora, também a PM do Pará pode atestar a capacidade técnica da Moto Trailer”.

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