É um caso muito estranho e que precisa ser investigado
a fundo.
Na última sexta-feira (09/10), policiais civis do Pará
realizaram a Operação Quimera, que investiga supostos crimes da Secretaria
Municipal de Saúde de Belém (SESMA), na compra de ventiladores pulmonares.
Os policiais cumpriram mandados de busca e apreensão,
expedidos pelo juiz Heyder Tavares da Silva Ferreira.
Um dos principais alvos da operação foi o secretário
municipal de Saúde, Sérgio de Amorim Figueiredo, responsável pela aquisição
desses equipamentos.
Às 6 da manhã, policiais civis chegaram em um dos
endereços ligados ao secretário: um apartamento, no bairro de Nazaré, onde
residiria a mãe dele.
Tocaram a campainha várias vezes e constataram que não
havia ninguém.
A síndica então ligou para Ana Rosa de Figueiredo
Martins, a outra filha da dona do apartamento.
Ana Rosa, que vem a ser esposa do procurador geral de
Justiça (PGJ), Gilberto Valente Martins, chefe do Ministério Público do Estado
do Pará (MP-PA).
(Pois é: o secretário municipal de Saúde de Belém, homem
de confiança do prefeito Zenaldo Coutinho, e que já assinou contratos suspeitos
com pelo menos duas supostas quadrilhas (https://pererecadavizinha.blogspot.com/2020/10/alo-alo-pf-e-mpf-empresa-que-ganhou.html)
é cunhado do chefe do MP-PA).
Minutos depois da ligação da síndica para a esposa do
doutor Gilberto, chegou àquele endereço o tenente-coronel da Polícia Militar
Afonso Geomárcio Alves dos Santos, que foi ou ainda é ajudante de ordens do
doutor Gilberto.
Segundo o boletim de ocorrência 00608/2020.100037-9,
registrado pela delegada Daniela Borges de Vasconcelos, que comandava o
cumprimento dos mandados judiciais, o tenente-coronel já chegou “com um
aparelho celular em mãos, filmando os policiais e afirmando que iria acompanhar
as buscas, assim como filmar o procedimento policial, o que de fato fez”.
Ele teria até mesmo pedido o “nome completo” da
delegada, mas ela respondeu que só mostraria a sua identidade funcional à Ana
Rosa, que estava sendo aguardada, para acompanhar as buscas.
Ainda segundo a delegada, o tenente-coronel chegou ao
apartamento “por volta das 6h25”.
Já Ana Rosa chegou “por volta das 6h40”.
Então, vamos a algumas perguntas que têm de ser feitas,
em relação a esse episódio.
Qual o interesse do tenente-coronel Afonso Geomárcio
Alves dos Santos naquela operação policial?
Quem o mandou àquele apartamento, e por quê?
Foi o doutor Gilberto ou a esposa dele quem mandou um
funcionário público, para realizar aquele serviço particular?
Ou o tenente-coronel agiu por vontade própria?
Mas, nesse caso, quem o avisou?
E por que é que ele resolveu agir assim?
Ele estava de folga, de férias, ou em horário de
expediente?
O veículo que usou nesse deslocamento é dele ou de
algum órgão público?
Com que autoridade, apesar de informado que estava em
curso o cumprimento de uma ordem judicial, passou a filmar os policiais que
participavam daquela operação, com um comportamento que pode até ser entendido
como tentativa de intimidação?
E foi tentativa de intimidação?
Por vontade própria ou a mando de quem?
Como foi que ele chegou tão rápido àquele apartamento?
Ora, a polícia chegou às 6h00.
Segundo o boletim de ocorrência, os policiais conversaram
com o porteiro, mandaram chamar a síndica, subiram ao terceiro andar e tocaram
a campainha várias vezes.
Aí, chegou a síndica, que só então telefonou para Ana
Rosa.
Isso significa que esse telefonema deve ter ocorrido
por volta de 6h10, ou até mais.
Ou seja, o tenente-coronel deve ter tido apenas uns 15
minutos para chegar na porta daquele apartamento.
Ele mora às proximidades?
Estava lá perto, às 6 da manhã, fazendo algum serviço,
resolvendo algum problema?
Ou será que o tenente-coronel já sabia da operação
policial e aguardava apenas um telefonema, para se deslocar àquele endereço, ou
até para simplesmente entrar naquele prédio?
Se ele sabia, quem o informou antecipadamente?
Quem vazou uma informação estratégica daquela operação
policial, para aquele oficial da PM?
Foi um policial, um promotor, um servidor do
Judiciário?
Ou essa informação teria sido obtida por outros meios?
Que meios?
Legais? Ilegais?
Quem se beneficiou do vazamento dessa informação para aquele
militar?
Quem mais tomou conhecimento antecipado da Operação
Quimera, se é que isso ocorreu?
Outro ponto que precisa ser esclarecido é onde está
lotado, afinal, esse tenente-coronel.
No burburinho que se formou nas redes sociais e no
MP-PA, diz-se que ele ainda é ajudante de ordens do doutor Gilberto.
No entanto, no Diário Oficial do Estado (DOE) de 14 de
maio deste ano, consta que ele deixou o Gabinete Militar do MP-PA e voltou ao
serviço ativo da PM.
Não consegui localizar qualquer outra publicação com o
nome dele depois disso, o que torna esse caso ainda mais estranho.
Afinal, se ele não trabalha mais como ajudante de
ordens do PGJ, ainda assim continua a prestar favores ou serviços pessoais ao
doutor Gilberto? Fora ou dentro do horário de expediente? Qual a dimensão
desses serviços? E por que é que isso ocorre, se é que ocorre?
Há 14 anos, caso tomasse conhecimento de um episódio
desses, tenho certeza de que o então promotor militar Gilberto Valente Martins
estaria fazendo perguntas muito parecidas.
Creio que ele chamaria a imprensa, pediria à
Corregedoria da PM a abertura de uma investigação, e talvez até tentasse levar
o caso ao Colégio de Procuradores do MP-PA.
Até porque não se trata apenas de soldados pintando a
casa de um coronel em horário de expediente, como um dos casos que o doutor
Gilberto chegou a denunciar.
Mas de um militar de alta patente que pode ter sido
usado, com recursos públicos, em um serviço particular, talvez a partir da obtenção
de informações policiais sigilosas, e de maneira nada republicana, e com um
comportamento que dá margem à suspeita de tentativa de interferência em uma
investigação policial, e até no cumprimento de uma ordem judicial.
Um comportamento tão inusitado e, aparentemente, tão
constrangedor, que até gerou um boletim de ocorrência de uma delegada, talvez
até para se precaver contra possíveis acusações.
E aqui, cabe também perguntar: esse tenente-coronel estava
a tentar coletar provas contra aquela operação policial? Por que e para quem?
E se agiu assim a mando do PGJ, desde quando o PGJ é
advogado de defesa dos interesses de particulares?
Além disso, até onde sei, nem secretário municipal,
nem cunhado têm foro privilegiado.
Então, o que é que faz o PGJ metido nessa história, se
é que está metido nessa história?
E onde fica o promotor do caso e a autonomia funcional
dele?
Na última quarta-feira, 7, depois de muita “encheção”
de saco de algumas fontes, enviei 12 perguntas ao doutor Gilberto.
Algumas relacionadas a um processo contra ele e a
esposa dele.
Outras, a respeito desse parentesco dele com o
secretário municipal de Saúde de Belém, o que, segundo algumas pessoas, estaria
interferindo na apuração de denúncias sobre supostas irregularidades desse secretário.
No entanto, o doutor Gilberto mandou dizer que não se
manifestará, no momento, “sobre o assunto”.
Até entendo que não se manifestasse sobre o processo
que envolve a esposa dele.
No entanto, achei estranho que nem sequer admitisse ou negasse o parentesco com
o secretário municipal de Saúde, e que também não negasse quaisquer interferências
em investigações que envolvem a SESMA e o prefeito de Belém.
Porém, creio que ainda mais estranho é o silêncio do
doutor Gilberto diante da presença do tenente-coronel Antonio Geomárcio Alves
dos Santos em uma operação policial, que cumpria uma ordem judicial, e com o
comportamento que aquele militar exibiu.
Talvez o Ministério Público, que cobra tanta
transparência de governadores e prefeitos, chegando mesmo a ajuizar processos
contra eles, acredite que não deve qualquer explicação ao distinto público.
Talvez imagine que pode agir como bem entender, ter as
atitudes mais absurdas, porque aqueles que o sustentam “não têm nada a ver
com isso”.
Talvez alguns “xerifes” se imaginem até acima da Lei, cujo
cumprimento têm o dever de fiscalizar.
Talvez alguns tenham olhado tempo demais para o abismo,
e se deixado tragar por ele...
E talvez ao distinto público reste apenas dar de ombros
e repetir: casa de ferreiro, espeto de pau!
No entanto, prefiro manter viva a esperança de que os
grandes promotores e procuradores do nosso MP-PA acionem a quem de direito
(polícia, corregedorias, Conselho Nacional do Ministério Público), para esclarecer
todo esse episódio.
Afinal, os homens, por mais vaidosos que sejam, sempre
passarão.
O que fica são as instituições.
E essas, sim, é que é preciso proteger.
FUUUIIIIII!!!!!!!