Festa no meu Apê V
Abrem-se as cortinas. No salão, estão os convidados – todos em cadeiras de rodas, inclusive a Perereca. Olham para o topo da escada (um hall, uns seis degraus acima). Lá se encontram a Beijoca (em cadeira de rodas), o lorde Sudão (vestido a Obi-Wan Kenobi) e o lorde Ki-Nem (de barba e óculos trotsquistas, mas vestido a Luke Skywalker). O DJ ataca “Guerra nas Estrelas”. De ambos os lados da escada, um coral vestido de anjos entoa:
_“Livre! Agora sou livre! Agora sou livre! Livre eu sou! Livre! Agora sou livre! Agora sou livre! Livre eu sou!”.
Súbito, aparece a correspondente, no meio do salão, que interrompe a entrada triunfal.
_Aparem aí, apodem pará, que vocês não vão entrá agora!
_Ué, ficou maluca, cumadizinha? Como é que você quer expulsar a Beijoca, o lorde Sudão e o lorde Ki-Nem? Tá querendo me ver na rua da amargura?
_Que nada, comadre! Aconfie no meu taco! (virando-se e caminhando na direção da escadaria). Avortem, avortem, que vocês só vão entrar no próximo ato! Até! Até! E alevem os anjos junto! E não empurre a cadeira com muita força, viu, lorde Sudão, que a Beijoca apode caí! Comadre, você nem imagina o que aconteceu!!!
_Imagino sim, animal! Acabo de perder o blog, o emprego e vou vender pupunha no Ver o Peso.
_Mas aooooonnnde! Você é que anda muito estressada, comadre!... Deve de ser a tal da menopausa, ué!...
_Menopausa é o *&^@#+%!
_Credo, comadre! Que palavrões tão feios você tem!
_É pra melhor te xingar, animal!
_Ô comadre, se acalme! Veja pelo lado positivo: assim, a gente acria mais suspense pros leitores!
_ E eu sou algum Conan Doyle, agora? Égua, só pode ser carma!!! Só pode, só pode!...
_Ô comadre, sabia que você fica muito bem de cadeira de rodas?
_(...)
_É sério, comadre! É a nova moda no Brejo! Esgotou tudo: não tem mais imobilizadô, cadeira, andadô...Muleta, então, nem se fala! É todo mundo querendo, comadre! E o conde de Eldorado licitando, licitando...Diz que já tem 20 cadeiras pra cada moradô do Brejo! Só o Barão é que continua, a bem dizê, “de pés”... Pra modo de empurrá a cadeira, quando o lorde Sudão cansá...
_É ‘mermo’!... Eu bem que vi o Barão, todo amável, acenando pra Beijoca...
_É um querubim ungido, comadre!...A imagem do desprendimento...
_Um São Francisco de Assis, perseguido pelas pombas do destino...
_Um esmoléu, comadre, um esmoléu...
_Acho até, cumadizinha, que a gente devia mandar construir uma estátua à humildade do Barão!...
_Com um dispositivo pra fazê: arru, arru...
_O Barão de Cadeados podia ser o grande arquiteto!...
_Vixe Maria, comadre! Aí vai ser o Gold-Kong. Aleva todo o orçamento do Brejo! Até tambor vai ser superfaturado!... E ainda sai correndo no meio da multidão!...
_Podia era dançar um xote, né, cumadizinha?
_Que nada, comadre, você ta é por fora! É valsa. É “Artist’s Life”, regada a Dom Perignon...
_Puxa! E eu pensando em açaí com jabá!...
_É porque você é pobre, comadre! E, pra mais, intelectual! Com uma adoração por esse tal de povo, de deixá urubu do Ver-o-Peso de pena em pé!...Se amire na Maria Antonieta, comadre! A gente aperde a cabeça, mas não aperde a pose!...
_Panis et circensis!
_Tá vendo? Lá vem você com língua morta! O negócio é o biquinho! Arrepita comigo: l’amour, toujour, abat-jour, abrecour!
_Ué, cumadizinha, você também fala francês?
_Oui! Aprendi com o Barão: Pompadú? Zulu. Manjei toa bocú!...
_Isso é João Bosco e Aldir Blanc, animal!
_Bem que adesconfiei que já tinha ouvido isso em algum lado!...
_Mas o que é que você ia me contar, que até expulsou a Beijoca e o lorde Sudão daqui?
_Pois, comadre, e não é que eu já ia me esquecendo...Pois não é que aprenderam o Príncipe Clean!...
_Não brinque, cumadizinha!!!...Mas por que, já?
_Transtorno Obsessivo Compulsivo, comadre!...
_Ué, como assim?
_Pois não é, comadre? O ômi não podia ver escola, que queria alimpá! E era rua, remédio, papel, o que viesse o Príncipe traçava. Aí o Sindicato das Mãos Limpas e da Cara Lavada deu queixa, ué!...
_Mas só por que o coitado sofria, a bem dizer, de excesso de limpeza?
_Mas, comadre, assim não sobra nada pra ninguém! Já pensou no resto dos Mãos Limpas? É concorrência desleal, comadre! O negócio é solidarinosc: migalhas para todos!
_E quando é que ele vai ser solto?
_Ah, já assortaro o ômi, comadre. To até aqui com uma foto dele, na Gazeta de Arribação. Olhe só!
_Égua, mas ele ta muito puto!...
_E com razão, comadre, e com razão!
_É... Encarar o xilindró deve ser barra!...
_Mas aoooooonde!... Ele não gostou foi da produção!
_Quê?!!!
_Pois, veja só, comadre! O Príncipe ta com uma camiseta rasca, um short brega e uma sandália que parece até a do Barão! Esqueceram de chamá o lorde Balloon, pra modo de ajeitá o Clean! Jogá uma pupurina ali, arranjá um smoking acolá! Assim, como é que vão chamá de colarinho branco? É uma vergonha pra catigoria!
_Puxa, coitado do Clean! O pai deposto e, agora, a prisão. Desse jeito, vai acabar “alimpando” a rua da amargura...
_Mas aooooooooonde! Diz que ele já até comprou uma carrada de aspiradô! Abandonô esse negócio de rodo, vassoura, paninho e balde, num sabe? Agora, é a limpeza do milênio! Com self service e tudo...!
_Ué, quer dizer, então, que a prisão dele vai dar em nada?
_E não é, comadre? Diz que o lorde Sombra, que é sócio dele – os dois são assim, ó, ó – tem a corte inteira na mão. Si abrí a boca, com alicença da palavra, avoa merda pra tudo que é lado!
_E a gente aqui, ralando neste blog, né, cumadizinha?
_Mas eu bem que lhe avisei, comadre: acompre uma basculante! Mas você não quis me ouvi...Ficou, aí, toda cheia de luvas...Mas, num si avexe não, que a gente vai abri uma indústria de água sanitária. Apere aí, que eu vô chamá um especialista. Ô seu Barão, ô seu Barão, achegue aqui!
Na cozinha
(O lorde Balloon está vestido a Darth Vader – tem grandes avisos, no peito e nas costas, com uma setinha indicativa de que é o Balloon. Pode-se colocar até um adesivo na testa da máscara, com a legenda “lorde Balloon” e uma setinha. O lorde Ki-Nem é meio Trotsky, meio Luke Skywalker. Está se empanturrando de salgadinhos, das bandejas colocadas em cima do grande balcão da pia. Toca a música do Darth Vader e o Balloon entra).
_Luke!
_Credo, cruz! Quer dizer, foice! Martelo!...Quem é você?!!!
_(Mas é mesmo um despreparado! Nem infância teve!) Vamos tentar de novo: DJ, BG, por favor!...Luke!
_Camarada! Você é um equivocado! Não sou esse tal de Luke! Eu sou o lorde Ki-Nem!
_Ó exílio, a quanto obrigas!... Mas será que esses neo marqueteiros já nem ensaiar, ensaiam? Cadê o seu script?
_Hem?
_Aquele papelzinho, com as suas falas...
_Ah, espere lá!...Eras, mano, será que eu usei como guardanapo?...Ah, não, ta aqui, ó! Eras, mano, mas ta todo borrado!...
_Por que é que você não tira esses óculos?
_Ah, é!...Eras, ficou bem melhor, mano! Ué, lorde Balloon, é você?
_Não!...Eu sou uma imagem virtual!...
_O que é a natureza!...O que a gente não faz, hoje em dia, com esses efeitos de computador!...Mas, deixa eu ver esse script!...Hum...Hum...Não, não...Aqui diz...Hum, hum...Não, não...Hum, hum...Não, não! Camarada!... Sinto lhe informar, mas não posso encenar isso!...
_E por quê?
_É propaganda de classe, camarada! Busca, claramente, iludir o povo! Quer reduzir a luta de classes a meras ilusões subjetivas, num discurso tipicamente burguês! É claro que esse tal de Darth Vader não passa de um grande capitalista! A máscara e a Estrela da Morte são – claramente - os tentáculos dos grandes conglomerados, nesta fase superior do capitalismo! O Darth Vader é a vanguarda dos interesses do capital! Não sofre qualquer angústia, camarada! E o filho dele não pode ser o herói do proletariado, porque tem interesses de classe - também! Temos é de pregar a revolução entre os operários da Estrela da Morte! Proletários do universo, uni-vos!
_Lorde Ki-Nem, isso está se tornando cansativo. Então, por que não fazemos o seguinte: vamos até um bar e socializamos o whisky. Aí, aproveitamos pra socializar um papo e o tira-gosto. Mas, para isso, temos de terminar, primeiro, a porcaria desta peça! Ou você vai querer que a platéia peça o dinheiro de volta? Aí, camarada, sinto informar, mas a dona Perereca não vai socializar o cachê!...
_E ela faz isso, camarada?
_É claro, camarada! Ela é uma típica representante burguesa! A vanguarda do capitalismo!...
_Então, camarada, pelo bem dos atores proletários e dessa nossa platéia proletária, é melhor socializarmos o script!...
_Com certeza, camarada! Camarada DJ! BG, por favor!... Luke!
_Daddy!
(Os dois se abraçam. As luzes mudam. O DJ ataca “Pai Herói”, do Fábio Junior. O Filho Pródigo canta: Pai, pode ser que daqui a algum tempo/
Haja tempo pra gente ser mais/ Muito mais que dois grandes amigos, pai e filho talvez/ Pai, pode ser que daí você sinta, qualquer coisa entre esses vinte ou trinta/ Longos anos em busca de paz..../Pai, pode crer, eu tô bem eu vou indo, tô tentando vivendo e pedindo/ Com loucura pra você renascer.../ Pai, eu não faço questão de ser tudo, só não quero e não vou ficar mudo/Pra falar de amor pra você/ Pai, me perdoa essa insegurança, é que eu não sou mais aquela criança/Que um dia morrendo de medo, nos teus braços você fez segredo/ Nos teus passos você foi mais eu/ Pai, você foi meu herói meu bandido, hoje é mais muito mais que um amigo/ Nem você nem ninguém tá sozinho, você faz parte desse caminho, que hoje eu sigo em paz !).
_Pai!!!
_Filhinho!!!
(Os dois se abraçam, novamente. As luzes se apagam. De volta à sala. Lá, estão o Inri de Indaial, vestido de drag queen (em pé, no meio), e umas dez crianças em cadeiras de rodas. Eles cantam e dançam (elas nas cadeiras, empurradas por outras pessoas) A Noviça Rebelde:
Let's start at the very beginning
A very good place to start
When you read you begin with A-B-C
When you sing you begin with do-re-mi
Do-re-mi, do-re-mi
The first three notes just happen to be
Do-re-mi, do-re-mi
Do-re-mi-fa-so-la-ti
(Let's see if I can make it easy)
Doe, a deer, a female deer
Ray, a drop of golden sun
Me, a name I call myself
Far, a long, long way to run
Sew, a needle pulling thread
La, a note to follow Sew
Tea, a drink with jam and bread
That will bring us back to Do (oh-oh-oh)
(Os dois juntos; depois só as crianças, como no filme)
Doe, a deer, a female deer
Ray, a drop of golden sun
Me, a name I call myself
Far, a long, long way to run
Sew, a needle pulling thread
La, a note to follow Sew
Tea, a drink with jam and bread
That will bring us back to Do
Do-re-mi-fa-so-la-ti-do
So, Do
(Continua)