Não houve qualquer prejuízo aos cofres públicos
paraenses com a compra de respiradores, para o tratamento dos pacientes da
Covid-19: a SKN do Brasil, que entregou ao Governo do Estado equipamentos diferentes
daqueles que foram comprados, ainda teria a receber do governo R$ 1,580 milhão,
por outros produtos que vendeu.
Mas, além de suspender esse pagamento, o governo ainda
pediu à Justiça que essa dívida de R$ 1,580 milhão seja transformada em indenização
ao Pará, pelos danos morais que a empresa causou à coletividade.
A afirmação foi feita pelo governador Helder Barbalho,
durante entrevista à imprensa, após a operação “Para Bellum”, da Polícia
Federal (PF), na manhã de ontem (10), que investiga a compra desses
equipamentos.
Segundo Helder, essa dívida do governo é decorrente de
um “encontro de contas”: a empresa já depositou na Justiça a quase totalidade
dos R$ 25,2 milhões que havia recebido pelos respiradores, faltando apenas R$
2,404 milhões.
Mas o governo só pagou R$ 4,095 milhões (ou seja, a
metade) do dinheiro devido pelas 1.600 bombas de infusão que comprou da empresa
na mesma época, a um custo total de R$ 8,4 milhões, e que foram todas entregues,
e em boas condições de uso.
As bombas de infusão são equipamentos essenciais para
o funcionamento de respiradores e todas já se encontram até instaladas, nos
leitos de UTI dos hospitais públicos paraenses, destinados aos pacientes da
Covid-19.
Os respiradores deveriam custar, no total, R$ 50,4
milhões, mas o Governo só chegou a efetuar também a metade do pagamento.
As acusações da “Para Bellum”
Na manhã de ontem, a PF realizou a operação “Para
Bellum”, que cumpriu mandados de busca e apreensão nas residências do
governador e do secretário de Saúde, Alberto Beltrame, entre outros
investigados; além das sedes da Casa Civil do Governo e das secretarias de Saúde
(Sespa) e da Fazenda (Sefa).
A suspeita é de irregularidades na compra desses
equipamentos, através de uma Dispensa de Licitação supostamente forjada, para
beneficiar a SKN do Brasil, e de um superfaturamento superior a de 85%.
Entre os indícios estaria o fato de a SKN não possuir
registro na Anvisa, para fornecer esses equipamentos; a antecipação de
pagamento, com base em um decreto assinado pelo governador, o que não teria
previsão legal; e até o fato de Helder ter ido receber pessoalmente os respiradores,
quando foram desembarcados no aeroporto de Belém.
A operação foi pedida pela Procuradoria Geral da
República (PGR), comandada pelo procurador-geral Augusto Aras, nomeado para o cargo pelo
presidente Jair Bolsonaro, e que estaria até no centro de uma rebelião no MPF (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52948926).
A PGR também sustenta que o governador teria uma relação de proximidade com um dos donos da SKN, e que ele sabia que esses equipamentos eram
inadequados para o tratamento da Covid-19.
O ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), atendeu aos pedidos da PGR para as buscas e apreensões e o para
o bloqueio de R$ 25 milhões em bens do governador e de outros 7 suspeitos das
supostas irregularidades.
No entanto, segundo o governador, a empresa já depositou,
em uma conta bancária da Justiça do Pará, praticamente todo o dinheiro que
recebeu do Governo.
Além disso, na época em que esses equipamentos foram
comprados pelo Pará a disputa mundial em torno deles gerou grande aumento de
preços.
E foi uma disputa tão intensa que os Estados Unidos
chegaram a ser acusados de “pirataria”, já que compravam cargas inteiras de
respiradores nas pistas dos aeroportos chineses, à vista e por milhares
dólares, quando os aviões se preparavam para levá-los a outros países.
Operações da PF sob suspeita
No último 26 de maio, a PF realizou a Operação
Placebo, que teve como alvo o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, por
supostas irregularidades na compra de equipamentos e instalação de hospitais de
campanha, para os doentes da Covid-19.
Desde então, dizem fontes do Governo do Pará, já era esperada
uma ação semelhante contra Helder e outros governadores que decretaram medidas
de isolamento social da população, para conter o avanço da Covid-19, apesar das
críticas e pressões crescentes de Jair Bolsonaro.
O presidente queria manter as empresas funcionando, já
que defendia apenas o isolamento de idosos e doentes, apesar das recomendações
em contrário de infectologistas, pesquisadores e da Organização Mundial de
Saúde (OMS).
Desde abril deste ano, a PF passou por várias alterações,
determinadas por Bolsonaro, o que levou, inclusive, ao pedido de exoneração do
então ministro da Justiça, Sérgio Moro, após a troca do diretor-geral da PF,
Maurício Valeixo.
Para o lugar de Valeixo chegou a ser nomeado o
delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Investigação (ABIN).
Ramagem é amigo pessoal de um dos filhos do
presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, do Rio de Janeiro, que é investigado
pela PF daquele estado por suspeita de envolvimento na rede de fake news
controlada pelo bolsonarismo, entre outros crimes.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou barrando
a nomeação de Ramagem.
Mas no lugar dele foi nomeado para a direção da PF o
delegado Rolando Alexandre de Souza, que era braço direito de Ramagem na ABIN.
Rolando assumiu o cargo em 4 de maio e, no mesmo dia, trocou
o Superintendente da PF no Rio de Janeiro, uma providência que teria sido pedida
há meses por Bolsonaro.
E o não-atendimento, na época, seria um dos motivos
que levaram à queda de Valeixo e Sérgio Moro
(Aqui: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/05/04/novo-diretor-geral-da-pf-troca-superintendente-no-rio-de-janeiro E aqui: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52467171).
Além do superintendente do Rio de Janeiro, também foram
trocadas toda a cúpula da PF e várias outras chefias.
Ao deixar o cargo, o ex-ministro Sérgio Moro acusou Bolsonaro
de tentar interferir na PF. Entre outros motivos, para ter acesso a informações
sobre investigações em andamento.
No último 25 de maio, na véspera da operação Placebo
contra o governador Wilson Witzel, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma
das mais fiéis apoiadoras de Bolsonaro, teria até antecipado a ação policial.
Durante uma entrevista à Rádio Gaúcha, Zambelli disse que
a PF estava prestes a deflagrar operações contra supostos desvios de recursos
da Saúde, nos estados
(Aqui: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/26/deputada-zambelli-ligada-a-bolsonaro-antecipou-que-haveria-operacoes-da-pf-sobre-desvios-na-saude-nos-estados.ghtml E aqui: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/06/10/pgr-investigacao-zambelii-pf-vazamento.htm).
Em 27 de maio, o próprio Bolsonaro afirmou que a
PF realizaria outras operações desse tipo.
"Vai ter mais, enquanto eu for presidente, vai
ter mais. No Brasil todo. Isso não é informação privilegiada não, vão falar que
é informação privilegiada", disse ele.
(Leia aqui: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/27/vai-ter-mais-no-brasil-todo-diz-bolsonaro-apos-operacao-da-pf-contra-witzel.ghtml).
“Não houve danos ao erário”
Na entrevista de ontem, Helder lembrou que,
além de decretar o isolamento social, no último 16 de março, também passou a
buscar maneiras de estruturar a rede de Saúde do Pará, para atender os
pacientes dessa doença, o que teria de incluir a ampliação dos leitos de UTI.
Mas o problema, segundo ele, é que não havia
respiradores disponíveis no mercado nacional, até porque o Governo Federal
havia “confiscado” os poucos existentes. A solução, então, foi procurar no
mercado internacional.
Durante essa procura, disse ele, o governo recebeu
várias propostas e acabou optando pela SKN, que traria para o Pará respiradores
fabricados na China, que é o maior fabricante de produtos médicos do mundo.
Cada respirador oferecido pela SKN ficaria em R$ 126
mil. E, segundo o governador, era um preço bem abaixo dos R$ 170 mil pagos, na
época, por esses equipamentos, por grandes grupos empresariais do Brasil.
Ao todo, foram comprados 400 respiradores, por R$ 50,4
milhões.
Além disso, foram compradas 1.600 bombas de infusão,
por R$ 8,4 milhões, já que cada respirador precisa de 4 dessas bombas para funcionar.
Segundo o governador, a fabricante chinesa queria até
que o Pará pagasse antecipadamente todos os R$ 50,4 milhões.
Mas como o governo se recusou, ela acabou aceitando
receber antecipadamente apenas a metade, ou seja, R$ 25,2 milhões.
O problema é que a entrega desses equipamentos começou
a se arrastar: eles foram comprados no começo de abril, deveriam estar no Pará no
dia 15 daquele mês, mas só chegaram em 4 de maio e, mesmo assim, parcialmente:
apenas 152.
Mas a maior surpresa veio quando técnicos do governo
tentaram realizar a instalação: foi aí que se descobriu que eram respiradores diferentes
do modelo comprado pelo governo e que não serviam para as UTIs destinadas aos pacientes
da Covid-19.
Helder disse que logo que foi informado do problema,
resolveu agir: primeiro contatou a Embaixada da China e a fabricante dos
respiradores, para que ela ou entregasse os equipamentos no modelo adquirido,
ou devolvesse o dinheiro.
Como a empresa respondeu que não tinha condições de
entregar o produto, o Governo partiu, então, para as medidas judiciais: em 10
de maio (ou apenas 6 dias após a chegada dos equipamentos), ajuizou um processo
pedindo o bloqueio dos bens e a retenção dos passaportes dos donos da SKN, para
que eles não pudessem fugir do Brasil.
Também negociou com a empresa, na Justiça, a devolução
dos R$ 25,2 milhões que ela recebeu.
Desse total, disse o governador, ela já devolveu R$
22.795.186,00 (milhões), através de depósitos em uma conta bancária da Justiça,
e faltam apenas pouco mais de R$ 2,4 milhões.
No entanto, segundo Helder, hoje seria o governo que ainda deveria dinheiro à empresa: como ela entregou a totalidade
das bombas de infusão, mas só recebeu a metade do dinheiro (cerca de R$ 4
milhões, de um total de R$ 8 milhões), o Governo ainda teria de lhe pagar R$
1,580 milhão, já descontadas as multas contratuais.
Só que o governador disse que se recusa a pagar esse
R$ 1,580 milhão.
E, na última segunda-feira, pediu à Justiça que todo esse
dinheiro seja considerado como indenização da SKN ao Estado, por danos morais
coletivos.
“Recebemos (de volta) todos os recursos que pagamos é
já estamos é com um crédito de R$ 1,5 milhão, por esses respiradores. Não há
dano ao erário. Garantimos o ressarcimento integral”, salientou.
Ele se disse “indignado” com o comportamento dos
empresários da SKN e afirmou: “onde é que essas pessoas estavam com a cabeça? Imagine
um empresário se aproveitar de uma pandemia e vender um produto não habilitado;
vender um produto e entregar outro e achar que ficará impune”.
“Aqui não vão se criar aqueles que imaginam que só
porque estamos na Amazônia, no Norte, vão lesar o povo e sair impunes”, disse ainda.
Sem “rabo preso”
“Se eu tivesse amizade (com os empresários da SKN) ou
tivesse o rabo preso, não teria mandado bloquear os bens e reter os passaportes
deles”, afirmou o governador, ao responder a perguntas de jornalistas sobre as
acusações de que seria “amigo” de um dos donos da empresa, André Felipe
Oliveira Silva.
“Não tenho amizade alguma com qualquer empresário que
possa ter participado disso”, afirmou também.
Ele lembrou que a Polícia Civil abriu inquérito para
investigar o caso e que o Governo do Estado agiu rapidamente, para evitar prejuízos
aos cofres públicos e à população.
“Foi o Governo do Pará que foi pra cima dessa empresa,
além de conseguir o ressarcimento do dinheiro que havia sido pago”, destacou.
Sobre os motivos que o levaram a efetuar essas compras
sem licitação, o governador lembrou que essa possibilidade está prevista na
Medida Provisória 961, de autoria do próprio presidente Bolsonaro,
justamente para agilizar a aquisição e pagamento de equipamentos e outros
produtos de Saúde, durante o estado de calamidade pública provocado pela
pandemia.
Disse, também, que as mensagens que trocou com um dos
donos da SKN (e que a PF e a PGR apontam como indício da “proximidade” entre ele
e o governador) foram justamente para cobrar da empresa a entrega desses
respiradores.
Ele também rebateu com uma pergunta a acusação de que
a sua ida ao aeroporto, para receber aqueles 152 respiradores, seria um “indício”
de seu envolvimento nas supostas irregularidades: “Se eu soubesse que aqueles
produtos eram inadequados, teria ido ao aeroporto para recebê-los?”
“Mandei exonerar imediatamente”
Helder também informou que mandou “exonerar
imediatamente” o secretário adjunto de Gestão Administrativa da Sespa, Peter
Cassol, em cuja residência a PF encontrou R$ 700 mil em dinheiro, na manhã de ontem,
durante a “Para Bellum”.
Helder disse ter ficado surpreso com o fato e que considera
“atípico um servidor público ter em seu poder um valor dessa magnitude”.
Daí a perda de confiança do governo em Cassol e a sua exoneração.
Respondendo à pergunta de um jornalista, o governador
disse também não ter ideia sobre a possível origem desse dinheiro.
“É absolutamente inexplicável. E cabe a ele (Cassol)
dar satisfação à sociedade e à Justiça. Mas não permitirei que um servidor que
mantenha esse valor continue no governo”, afiançou.
Politicagem com a pandemia
Apesar das perguntas de jornalistas, Helder disse que
não entraria na discussão acerca de eventuais motivações políticas da operação da
PF.
A seu ver, o mais importante é prestar contas à
população sobre a compra desses equipamentos.
No entanto, observou: “eu não vou entrar na discussão
política. Enquanto tem politicagem neste assunto, tem gente morrendo, em todo o
Brasil”.
“Eu não entendo ser razoável, com tanta gente
sofrendo, perdendo a vida, fazer política com a pandemia”, disse ainda, em
outro momento.
Ele também evitou críticas à PGR e ao ministro Francisco
Falcão, do STJ.
“Respeito a decisão do ministro do STJ e da PGR; não
cabe a mim desqualificar, opinar se a operação perdeu ou não a razoabilidade,
já que o governo recebeu integralmente o valor”, disse apenas.
Sem ações do governo, mortes seriam
maiores
Ao longo da entrevista, que durou cerca de uma hora e
foi realizada via internet, Helder ressaltou, por diversas vezes, que o governo
agiu rápido e que não houve qualquer prejuízo ao erário.
Ele também enfatizou as medidas contra a Covid-19 e no
tratamento dos doentes.
Lembrou que, em poucos meses, o Governo conseguiu
criar 1.212 leitos clínicos e 612 leitos de UTI, para os pacientes dessa
doença.
Também criou hospitais de campanha, em Belém,
Santarém, Breves e Marabá, além de firmar convênios com municípios, para
ampliar a rede hospitalar em todo o estado.
Para ele, as ações do governo “foram decisivas”, para diminuir
a situação dramática vivida pela população.
Foi com esse objetivo, segundo ele, que o Governo também
abriu o Hospital Abelardo Santos à toda a população, e lá já realizou mais de
70 mil atendimentos; além de passar a atender esses doentes também com a
Policlínica, que já contabiliza mais de 50 mil atendimentos.
“Se não tivesse havido o isolamento e o governo não
tivesse viabilizado leitos clínicos e de UTI teríamos
tido muito mais perdas do que aquelas que tivemos”, disse o governador.
Ele lembrou que há “muitos caminhos” nessa pandemia: “posso
negá-la, ou me omitir, fechando prontos socorros, UPAs e deixando o povo morrer”.
Mas que a sua escolha foi outra: “foi cuidar das
pessoas, diminuir o sofrimento das pessoas, essa foi a opção que adotei. Se não
tivesse o Abelardo, a Policlínica, os hospitais de campanha; se hoje é sofrido,
nos dói a quantidade de gente que perdeu a vida, imagine se não tivéssemos
feito o que fizemos”.
Hoje, disse ele, a ocupação dos leitos clínicos para
os pacientes da Covid-19 é de 51,6% e, os de UTI, de 70%.
Um quadro bem diferente dos tempos de sufoco, quando
todos os hospitais de Belém, públicos e privados, estavam superlotados.
“Não só acabamos com a fila de pacientes, como hoje
passamos a ter até uma reserva de leitos”, comemorou.