No Portal Forum, a íntegra do discurso da presidenta
Dilma Rousseff no Senado. Não deixe de ler. Já é um documento histórico. E
fique certo, caro leitor: o presente e as futuras gerações do Brasil – todos nós
– pagaremos um preço altíssimo por esse golpe de Estado. A guerra está apenas
começando.
29 de agosto de 2016
“Resistir sempre. Resistir para acordar as
consciências ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que
está do lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos
engolir”.
“Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo
Tribunal Federal Ricardo Lewandowski
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal
Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos
Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil,
No dia 1° de janeiro de 2015 assumi meu segundo
mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por mais de
54 milhões de votos.
Na minha posse, assumi o compromisso de manter,
defender e cumprir a Constituição, bem como o de observar as leis, promover o
bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a
independência do Brasil.
Ao exercer a Presidência da República respeitei
fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me
orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre
vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo.
Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria
atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram.
Nesta jornada para me defender do impeachment me
aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de
receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que
foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas
críticas com humildade.
Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo
erros.
Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a
covardia. Não traio os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os
que lutam ao meu lado. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas
da tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e
companheiras sendo violentados, e até assassinados.
Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a esperar
da vida. Tinha medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na minha
alma. Mas não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava a me
engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de
lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando
pela democracia.
Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por
uma sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de
preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse
miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse
justiça.
Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.
Aos quase setenta anos de idade, não seria agora,
após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.
Exercendo a Presidência da República tenho honrado o
compromisso com o meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Tenho
sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública.
Por isso, diante das acusações que contra mim são
dirigidas neste processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o
gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio.
E por isso, como no passado, resisto.
Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos
covardes. No passado, com as armas, e hoje, com a retórica jurídica, pretendem
novamente atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito.
Se alguns rasgam o seu passado e negociam as
benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a
história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que
se tornaram.
E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar
as consciências ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno
que está do lado certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos
engolir.
Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego
ao poder, como é próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias a
conquistar. Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo
do meu País, pelo seu bem-estar.
Muitos hoje me perguntam de onde vem a minha energia
para prosseguir. Vem do que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que
fizemos. Olhar para a frente e ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer.
O mais importante é que posso olhar para mim mesma e ver a face de alguém que,
mesmo marcada pelo tempo, tem forças para defender suas ideias e seus direitos.
Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei
julgada. E é por ter a minha consciência absolutamente tranquila em relação ao
que fiz, no exercício da Presidência da República que venho pessoalmente à
presença dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente nos olhos de Vossas
Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a esconder que não
cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes dos quais sou
acusada injusta e arbitrariamente.
Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e
aguardam o desfecho deste processo de impeachment.
No passado da América Latina e do Brasil, sempre que
interesses de setores da elite econômica e política foram feridos pelas urnas,
e não existiam razões jurídicas para uma destituição legítima, conspirações
eram tramadas resultando em golpes de estado.
O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a
defesa do patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda
trama orquestrada pela chamada “República do Galeão, que o levou ao suicídio.
O Presidente Juscelino Kubitscheck, que contruiu
essa cidade, foi vítima de constantes e fracassadas tentativas de golpe, como
ocorreu no episódio de Aragarças.
O presidente João Goulart, defensor da democracia,
dos direitos dos trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do
parlamentarismo mas foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964.
Durante 20 anos, vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi
varrida de nosso País. Milhões de brasileiros lutaram e reconquistaram o
direito a eleições diretas.
Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos
nas urnas os interesses de setores da elite econômica e política nos vemos
diante do risco de uma ruptura democrática. Os padrões políticos dominantes no
mundo repelem a violência explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por
meio da violência moral e de pretextos constitucionais para que se empreste
aparência de legitimidade ao governo que assume sem o amparo das urnas.
Invoca-se a Constituição para que o mundo das aparências encubra hipocritamente
o mundo dos fatos.
As provas produzidas deixam claro e inconteste que
as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil
retórica jurídica.
Nos últimos dias, novos fatos evidenciaram outro
aspecto da trama que caracteriza este processo de impeachment. O autor da
representação junto ao Tribunal de Contas da União que motivou as acusações
discutidas nesse processo, foi reconhecido como suspeito pelo Presidente do
Supremo Tribunal Federal. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor
responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a própria
representação que auditou. Fica claro o vício da parcialidade, a trama, na
construção das teses por eles defendidas.
São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por
meio de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo
legítimo, escolhido em eleição direta com a participação de 110 milhões de
brasileiros e brasileiras. O governo de uma mulher que ousou ganhar duas
eleições presidenciais consecutivas.
São pretextos para viabilizar um golpe na
Constituição. Um golpe que, se consumado, resultará na eleição indireta de um
governo usurpador.
A eleição indireta de um governo que, já na sua
interinidade, não tem mulheres comandando seus ministérios, quando o povo, nas
urnas, escolheu uma mulher para comandar o país. Um governo que dispensa os
negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo
programa escolhido pelo povo em 2014.
Fui eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos
para cumprir um programa cuja síntese está gravada nas palavras “nenhum direito
a menos”.
O que está em jogo no processo de impeachment não é
apenas o meu mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade
soberana do povo brasileiro e à Constituição.
O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13
anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média; a
proteção às crianças; os jovens chegando às universidades e às escolas
técnicas; a valorização do salário mínimo; os médicos atendendo a população; a
realização do sonho da casa própria.
O que está em jogo é o investimento em obras para
garantir a convivência com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e
esperado projeto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também,
a grande descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção
soberana de nosso País no cenário internacional, pautada pela ética e pela
busca de interesses comuns.
O que está em jogo é a auto-estima dos brasileiros e
brasileiras, que resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade
do País de realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e
Paraolimpíadas.
O que está em jogo é a conquista da estabilidade,
que busca o equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a
nossa população.
O que está em jogo é o futuro do País, a
oportunidade e a esperança de avançar sempre mais.
Senhoras e senhores senadores,
No presidencialismo previsto em nossa Constituição,
não basta a eventual perda de maioria parlamentar para afastar um Presidente.
Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal
crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores,
afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o
Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas
eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado
pelo Governo interino e defendido pelos meus acusadores.
O que pretende o governo interino, se transmudado em
efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos.
Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do
salário mínimo será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda
do país, que é a Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais
mortalidade infantil e a decadência dos pequenos municípios.
A revisão dos direitos e garantias sociais previstos
na CLT e a proibição do saque do FGTS na demissão do trabalhador são ameaças
que pairam sobre a população brasileira caso prospere o impeachment sem crime
de responsabilidade.
Conquistas importantes para as mulheres, os negros e
as populações LGBT estarão comprometidas pela submissão a princípios
ultraconservadores.
O nosso patrimônio estará em questão, com os
recursos do pré-sal, as riquezas naturais e minerárias sendo privatizadas.
A ameaça mais assustadora desse processo de
impeachment sem crime de responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos
todas as despesas com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que,
por 20 anos, mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos,
as pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as famílias
possam sonhar com casa própria.
Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e Srs.
Senadores,
A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um
rude golpe em setores da elite conservadora brasileira.
Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os
partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para
impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo. Disseram que as eleições
haviam sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas
eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida quaisquer fatos
que pudessem justificar retoricamente um processo de impeachment.
Como é próprio das elites conservadoras e
autoritárias, não viam na vontade do povo o elemento legitimador de um governo.
Queriam o poder a qualquer preço.
Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu
governo.
Só é possível compreender a gravidade da crise que
assola o Brasil desde 2015, levando-se em consideração a instabilidade política
aguda que, desde a minha reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem
o investimento e a produção de bens e serviços.
Não se procurou discutir e aprovar uma melhor
proposta para o País. O que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do
“quanto pior melhor”, na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco
importando os resultados danosos desta questionável ação política para toda a
população.
A possibilidade de impeachment tornou-se assunto
central da pauta política e jornalística apenas dois meses após minha
reeleição, apesar da evidente improcedência dos motivos para justificar esse
movimento radical.
Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco
político permanente provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição
acabou sendo um elemento central para a retração do investimento e para o
aprofundamento da crise econômica.
Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio
fiscal, desde 2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à
época presidida pelo Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo
foram rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e
algumas aprovadas.
As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só
funcionaram a partir do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação
do processo de impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras.
Senadores sabem que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente
indispensável para a aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e
encaminhar a saída da crise.
Foi criado assim o desejado ambiente de
instabilidade política, propício a abertura do processo de impeachment sem
crime de responsabilidade.
Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em
outra situação política, econômica e fiscal.
Muitos articularam e votaram contra propostas que
durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências que seus gestos
trariam para o país e para o povo brasileiro. Queriam aproveitar a crise
econômica, porque sabiam que assim que o meu governo viesse a superá-la, sua
aspiração de acesso ao poder haveria de ficar sepultada por mais um longo
período.
Mas, a bem da verdade, as forças oposicionistas
somente conseguiram levar adiante o seu intento quando outra poderosa força
política a elas se agregou: a força política dos que queriam evitar a
continuidade da “sangria” de setores da classe política brasileira, motivada
pelas investigações sobre a corrupção e o desvio de dinheiro público.
É notório que durante o meu governo e o do Pr Lula
foram dadas todas as condições para que estas investigações fossem realizadas.
Propusemos importantes leis que dotaram os órgãos competentes de condições para
investigar e punir os culpados.
Assegurei a autonomia do Ministério Público,
nomeando como Procurador Geral da República o primeiro nome da lista indicado
pelos próprios membros da instituição. Não permiti qualquer interferência
política na atuação da Polícia Federal.
Contrariei, com essa minha postura, muitos
interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que
tive.
Arquitetaram a minha destituição, independentemente
da existência de quaisquer fatos que pudesse justificá-la perante a nossa
Constituição.
Encontraram, na pessoa do ex-Presidente da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha o vértice da sua aliança golpista.
Articularam e viabilizaram a perda da maioria
parlamentar do governo. Situações foram criadas, com apoio escancarado de
setores da mídia, para construir o clima político necessário para a
desconstituição do resultado eleitoral de 2014.
Todos sabem que este processo de impeachment foi
aberto por uma “chantagem explícita” do ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha,
como chegou a reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios
denunciantes. Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados
do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação.
Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens.
Se não o fiz antes, não o faria na condição de Presidenta da República. É fato,
porém, que não ter me curvado a esta chantagem motivou o recebimento da
denúncia por crime de responsabilidade e a abertura deste d processo, sob o
aplauso dos derrotados em 2014 e dos temerosos pelas investigações.
Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e
com o que há de pior na política brasileira, como muitos até hoje parecem não
ter o menor pudor em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada
injustamente.
Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem
respeitabilidade para governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o
julgamento de uma pessoa que é acusada de enriquecer às custas do Estado
brasileiro e do povo que paga impostos, cedo ou tarde, acabará pagando perante
a sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética.
Todos sabem que não enriqueci no exercício de cargos
públicos, que não desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem de meus
familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi com
absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha vida.
Curiosamente, serei julgada, por crimes que não
cometi, antes do julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter
praticado gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que
alavancaram as ações voltadas à minha destituição.
Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se
de uma ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande
mídia brasileira.
Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é
o pano de fundo que marca o julgamento que será realizado pela vontade dos que
lançam contra mim pretextos acusatórios infundados.
Estamos a um passo da consumação de uma grave
ruptura institucional. Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro
golpe de Estado.
Senhoras e Senhores Senadores,
Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada?
Quais foram os atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes
hediondos que pratiquei?
A primeira acusação refere-se à edição de três
decretos de crédito suplementar sem autorização legislativa. Ao longo de todo o
processo, mostramos que a edição desses decretos seguiu todas as regras legais.
Respeitamos a previsão contida na Constituição, a meta definida na LDO e as
autorizações estabelecidas no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, aprovadas
pelo Congresso Nacional.
Todas essas previsões legais foram respeitadas em
relação aos 3 decretos. Eles apenas ofereceram alternativas para alocação dos
mesmos limites, de empenho e financeiro, estabelecidos pelo decreto de
contingenciamento, que não foram alterados. Por isso, não afetaram em nada a
meta fiscal.
Ademais, desde 2014, por iniciativa do Executivo, o
Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da obrigatoriedade que qualquer crédito
aberto deve ter sua execução subordinada ao decreto de contingenciamento,
editado segundo as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. E
isso foi precisamente respeitado.
Não sei se por incompreensão ou por estratégia, as
acusações feitas neste processo buscam atribuir a esses decretos nossos
problemas fiscais. Ignoram ou escondem que os resultados fiscais negativos são
consequência da desaceleração econômica e não a sua causa.
Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise,
tivemos uma expressiva queda da receita ao longo do ano – foram R$ 180 bilhões
a menos que o previsto na Lei Orçamentária.
Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o
maior contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao
Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para reduzir a
meta fiscal, deveria ter imediatamente realizado um novo contingenciamento. Não
o fiz porque segui o procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de
Contas da União ou pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009.
Além disso, a responsabilidade com a população
justifica também nossa decisão. Se aplicássemos, em julho, o contingenciamento
proposto pelos nossos acusadores cortaríamos 96% do total de recursos
disponíveis para as despesas da União. Isto representaria um corte radical em
todas as dotações orçamentárias dos órgãos federais. Ministérios seriam
paralisados, universidades fechariam suas portas, o Mais Médicos seria interrompido,
a compra de medicamentos seria prejudicada, as agências reguladoras deixariam
de funcionar. Na verdade, o ano de 2015 teria, orçamentariamente, acabado em
julho.
Volto a dizer: ao editar estes decretos de crédito
suplementar, agi em conformidade plena com a legislação vigente. Em nenhum
desses atos, o Congresso Nacional foi desrespeitado. Aliás, este foi o
comportamento que adotei em meus dois mandatos.
Somente depois que assinei estes decretos é que o
Tribunal de Contas da União mudou a posição que sempre teve a respeito da
matéria. É importante que a população brasileira seja esclarecida sobre este
ponto: os decretos foram editados em julho e agosto de 2015 e somente em
outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação.
O TCU recomendou a aprovação das contas de todos os
presidentes que editaram decretos idênticos aos que editei. Nunca levantaram
qualquer problema técnico ou apresentaram a interpretação que passaram a ter
depois que assinei estes atos.
Querem me condenar por ter assinado decretos que
atendiam a demandas de diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário,
com base no mesmo procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de
Responsabilidade Fiscal, em 2001?
Por ter assinado decretos que somados, não
implicaram, como provado nos autos, em nenhum centavo de gastos a mais para
prejudicar a meta fiscal?
A segunda denúncia dirigida contra mim neste
processo também é injusta e frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos
pagamentos das subvenções econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da
execução do programa de crédito rural Plano Safra, equivale a uma “operação de
crédito”, o que estaria vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Como minha defesa e várias testemunhas já relataram,
a execução do Plano Safra é regida por uma lei de 1992, que atribui ao
Ministério da Fazenda a competência de sua normatização, inclusive em relação à
atuação do Banco do Brasil. A Presidenta da República não pratica nenhum ato em
relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além de juridicamente justo,
que eu não seja acusada por um ato inexistente.
A controvérsia quanto a existência de operação de
crédito surgiu de uma mudança de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva
foi emitida em dezembro de 2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que
cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese
que nunca havia surgido antes e que, como todas as senhoras e senhores
senadores souberam em dias recentes, foi urdida especialmente para esta
ocasião.
Lembro ainda a decisão recente do Ministério Público
Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre esta questão. Afirmou não
caber falar em ofensa à lei de responsabilidade fiscal porque eventuais atrasos
de pagamento em contratos de prestação de serviços entre a União e instituições
financeiras públicas não são operações de crédito.
Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores:
não sou eu nem tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o
Ministério Público Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela
inexistência de crime.
Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que,
ainda antes da decisão final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso
Nacional a autorização para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos
de pagamento para as subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a decisão
definitiva do TCU e com a autorização do Congresso, saldamos todos os débitos
existentes.
Não é possível que não se veja aqui também o
arbítrio deste processo e a injustiça também desta acusação.
Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não
atentei, em nada, em absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da
Constituição que, como Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei
ato ilícito. Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados
estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão
trouxeram ao erário ou ao patrimônio público.
Volto a afirmar, como o fez a minha defesa durante
todo o tempo, que este processo está marcado, do início ao fim, por um
clamoroso desvio de poder.
É isto que explica a absoluta fragilidade das
acusações que contra mim são dirigidas.
Tem-se afirmado que este processo de impeachment
seria legítimo porque os ritos e prazos teriam sido respeitados. No entanto,
para que seja feita justiça e a democracia se imponha, a forma só não basta. É
necessário que o conteúdo de uma sentença também seja justo. E no caso, jamais
haverá justiça na minha condenação.
Ouso dizer que em vários momentos este processo se
desviou, clamorosamente, daquilo que a Constituição e os juristas denominam de
“devido processo legal”.
Não há respeito ao devido processo legal quando a
opinião condenatória de grande parte dos julgadores é divulgada e registrada
pela grande imprensa, antes do exercício final do direito de defesa.
Não há respeito ao devido processo legal quando
julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo, porque
votarão contra mim de qualquer jeito.
Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas
formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas
suas provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que
é ilegítimo na essência.
Senhoras e senhores senadores,
Nesses meses, me perguntaram inúmeras vezes porque
eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de minha vida.
Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável
com o Estado Democrático de Direito.
Jamais o faria porque nunca renuncio à luta.
Confesso a Vossas Excelências, no entanto, que a
traição, as agressões verbais e a violência do preconceito me assombraram e, em
alguns momentos, até me magoaram. Mas foram sempre superados, em muito, pela
solidariedade, pelo apoio e pela disposição de luta de milhões de brasileiras e
brasileiros pelo País afora. Por meio de manifestações de rua, reuniões,
seminários, livros, shows, mobilizações na internet, nosso povo esbanjou
criatividade e disposição para a luta contra o golpe.
As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um
esteio fundamental para minha resistência. Me cobriram de flores e me
protegeram com sua solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a
misoginia e o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram,
neste combate pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência. Bravas
mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como primeira
mulher Presidenta do Brasil.
Chego à última etapa desse processo comprometida com
a realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir,
nas urnas, sobre o futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e
livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia.
Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores
farão justiça. Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de
responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas.
Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte
política.
Este é o segundo julgamento a que sou submetida em
que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez,
fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas
dolorosas da tortura, ficou o registro, em uma foto, da minha presença diante
de meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto
eles escondiam os rostos, com medo de serem reconhecidos e julgados pela
história.
Hoje, quatro décadas depois, não há prisão ilegal,
não há tortura, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me
conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de
cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores.
Apesar das diferenças, sofro de novo com o
sentimento de injustiça e o receio de que, mais uma vez, a democracia seja
condenada junto comigo. E não tenho dúvida que, também desta vez, todos nós
seremos julgados pela história.
Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando
fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem duvidar da
humanidade e do próprio sentido da vida; e quando uma doença grave e
extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência.
Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual
muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços.
Reitero: respeito os meus julgadores.
Não nutro rancor por aqueles que votarão pela minha
destituição.
Respeito e tenho especial apreço por aqueles que têm
lutado bravamente pela minha absolvição, aos quais serei eternamente grata.
Neste momento, quero me dirigir aos senadores que,
mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão indecisos.
Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a
égide da nossa Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a
ocorrência de um crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado
de forma cabal.
Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode
abrir para outros presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas
substantivas. Condenar um inocente.
Faço um apelo final a todos os senadores: não
aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira.
Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que
jamais cometeu qualquer ato ilegal, na vida pessoal ou nas funções públicas que
exerceu. Votem sem ressentimento. O que cada senador sente por mim e o que nós
sentimos uns pelos outros importa menos, neste momento, do que aquilo que todos
sentimos pelo país e pelo povo brasileiro.
Peço: votem contra o impeachment. Votem pela
democracia.
Muito obrigada".