O diploma, os jornalistas,
a sociedade e o destino dela.
I
Nos próximos dias, o STF deverá se manifestar, finalmente, sobre um tema importantíssimo para a sociedade brasileira: a obrigatoriedade de diploma específico, para o exercício da profissão de jornalista.
Pelo que li, na internet, seis dos 11 ministros do STF são favoráveis à derrubada dessa exigência.
O que leva a crer que ela venha, de fato, a cair.
É uma pena que um tema como esse, que diz respeito à própria democracia brasileira, não tenha sido debatido, profundamente, em todos os segmentos sociais.
E que a decisão acabe restrita, portanto, a 11 cabeças iluminadas, numa Nação de 180 milhões.
Infelizmente, a sociedade brasileira, seus formadores de opinião, seus representantes, suas entidades, não parecem ter se dado conta da importância desse debate.
E creio que nós, os jornalistas, com ou sem diploma, temos, todos, parcela significativa de culpa por essa incompreensão.
Afinal, essa batalha jurídica em torno da obrigatoriedade do diploma de jornalismo vai completar seis anos.
E, ao longo de todo esse tempo, nós, os jornalistas – todos nós – conduzimos esse debate como se de mera questão interna se tratasse.
Perdemo-nos em mil falácias, especialmente acerca da relação de necessidade que haveria entre a aprendizagem e o exercício da ética profissional.
Quer dizer, transferimos esse debate para a estratosfera, na qual radicam essas discussões milenares, platônicas, talvez até que insolúveis, das relações entre a prática e a teoria.
Nós, que temos por matéria-prima a informação e por ferramenta básica a linguagem, demonstramos uma incapacidade exemplar - no péssimo sentido - em transmitir aos cidadãos a importância dessa discussão.
Talvez até por não compreendermos, de fato, essa importância; talvez por medo ou por meras motivações corporativistas, não levamos esse debate para a arena em que deveria ter acontecido: as escolas, as universidades, os sindicatos, as associações de bairro, o parlamento. As ruas, enfim.
Permitimos, assim, que a sociedade brasileira como que perdesse “o bonde da história”.
E agora, qualquer que seja a decisão do STF, permanecerá em aberto a discussão principal: qual o jornalismo que nós, sociedade, queremos?
II
Não tenho diploma de jornalismo, apesar dos meus 28 anos de profissão.
E, como já disse aqui, em diversas ocasiões, defendo, obviamente, o fim dessa obrigatoriedade.
O problema é que esse “obviamente” não é tão “óbvio” na minha cabeça, digamos assim.
Também aqui – e contra os meus interesses, já que não possuo qualquer graduação – já defendi que os jornalistas fôssemos forjados em uma extensão, pós-graduação, da área das Ciências Humanas.
Porque me parece que os cursos dessa área fornecem um instrumental teórico mais adequado à compreensão da realidade.
E a “técnica” jornalística, de mera confecção da notícia, poderia ser apreendida num prazo menor e por cidadãos com um “olhar mais agudo”, digamos assim, diante da história, do “universo” que construímos.
Não, não se trata desse debate horroroso, preconceituoso e apaixonado em torno da relação necessária entre a ética e um curso superior.
Lembro até que já pensei assim, já tive essa ilusão...
Há uns doze anos, conversava com um amigo – para a informação dos leitores, um pedagogo.
Na época, era apaixonada por Platão – mais por Sócrates, é verdade... E até estava a ler um calhamaço maravilhoso, que recomendo vivamente: a Paidéia, do Jaeger.
De repente, deparei-me com um(a) jornalista com um comportamento ético absurdo.
E eu me lembro que disse a esse meu amigo, entre triste e espantada:
_Mas como é possível isso? Ele(a) conhece, sabe que isso é errado!...
E esse amigo, que tem uma cabeça formidável, respondeu-me, de pronto:
_Ah, quer dizer que tu achas que só age assim quem não conhece, é? Bem feito pra ti!...
III
No fundo, o que eu gostaria é que nós, os jornalistas, e o conjunto da sociedade que nos pariu pudéssemos ter um debate desapaixonado acerca do jornalismo que queremos.
E que começássemos, portanto, pelo básico: que é notícia e que é ser jornalista?
Para além do “faro” jornalístico e do interesse das empresas, que é, realmente, “notícia”?
Qual o conceito dessa coisa, da informação que acreditamos que vale a pena “vestir”, confeccionar, para levar ao conhecimento de uma parte ou da totalidade dos cidadãos?
Pode-se, de fato, conceituá-la? Quer dizer, podemos, realmente, escapar à abstração do “faro” e a este momento, aos interesses conjunturais das empresas jornalísticas, para cunhar a universalidade, a atemporalidade, que requer o conceito?
Que é a notícia?
Ou, parafraseando a pergunta radical da Filosofia: que é isso, essa coisa que é?
(Realmente, leitores, esse papo rende umas quantas grades de cerveja...)
IV
De outro lado, que é ser jornalista?
De fato, o leitor da Perereca, inteligente como só ele sabe ser (égua da puxada de saco!...) deve de estar pensando: você está, simplesmente, “punhetando”.
Afinal, se não conceituamos sequer a notícia, e o jornalismo, por conseguinte, como conceituar, portanto, o profissional, o jornalista?
Bom, se vocês me permitem, farei, assim mermo, algumas incursões nesse sentido, embora que, é verdade, sem base suficiente na objetividade...
V
Que é ser jornalista?
Não sei se os colegas jornalistas, os companheiros de profissão, já se deram conta, mas a definição de jornalista está ligada à negação – é algo muito semelhante ao que acontece com a Lei.
A Lei diz, por princípio, não matarás, não roubarás, não farás.
Nenhuma legislação que eu conheça, a não ser a teocrática, diz: amarás, farás assim. E mesmo ela mistura essa visão “benfazeja” com a repressão.
E, nesse nosso mundo profano, o que impera, o que conta, é o cerceamento, o controle dos instintos do animal humano.
É espécie de “negatividade positiva”, para a vivência em sociedade.
E, é claro, parte de um suposto: a intrínseca “maldade” humana.
Se essa raiz, esse dado, é subjetivo ou objetivo não vou discutir aqui.
Mas, o fato é que essa negação radica, sem sombra de dúvida, no suposto de “instintos maléficos” , que é necessário reprimir, para a existência da coletividade (que é a raiz da individualidade, do “ser humano” e por aí vai...).
Ou seja, a sociedade protege o indivíduo para que, até ele, possa existir...
De forma muito parecida é o jornalista.
E que é um jornalista?
Sempre que penso num jornalista, penso: não, não é um vendedor de sabonetes. Não, não é um fazedor de atas. Não, não é um serviçal. Não, não é um mero operário, a “formiguinha”, da grande “cadeia produtiva” da comunicação. Também não é um Lênin arrebatado. Um Cícero. Ou um Guevara.
E é estranho que a gente tenha de repetir, como que naquele filme do Homem-Elefante: eu sou um ser humano...
Quer dizer, que tenhamos de lembrar, cotidianamente, à sociedade, que somos indivíduos como os demais: com sonhos, frustrações, necessidades.
Exatamente, como todo e qualquer cidadão.
Que temos, por trás de nós, uma história, que nos permite ver o mundo desta ou daquela maneira.
E que a conseqüência – essa sim, necessária - da nossa própria história e da visão que temos, é a notícia que produzimos.
O que escrevemos, portanto, não é, apenas, uma “fotografia” do fato, mas, de nós.
Mas, ao fim e ao cabo, somos espécie de servidores públicos.
Nós, os jornalistas.
Não, não se iludam, portanto, coleguinhas: para além do rostinho bonito que aparece num telejornal; para além da voz amável de um programa de rádio; para além do “furo”; para além dos resultados eleitorais produzidos por uma notícia; para além da beleza de uma página que convida a ler; para além de uma fotografia que convida a sonhar; para além da manchete que vende o jornal; para além da ansiedade que eletriza as redações...
Para além de tudo isso, somos, apenas e tão somente, servidores públicos.
É verdade que sem aqueles salários e vantagens bacanas que, algumas vezes, têm os servidores públicos.
Mas, apenas, servidores públicos.
Quer dizer, prestamos um serviço essencial.
Porque, sem informação, nem as pessoas se reconhecem, nem a sociedade anda.
E o que temos nas mãos, portanto, como “matéria-prima” – e isso desde os primórdios do jornalismo, talvez que até antes das revoluções burguesas, talvez até a remeter aos carteiros-repórteres – é a própria condição de o cidadão se situar no mundo, saber onde pisa, e até que pode sonhar e ir adiante...
É essa a responsabilidade, imensa, que pesa sobre os nossos ombros.
Colher, apesar de nós, de tudo o que somos, de tudo o que a vida e nós forjamos em nós, essa riqueza que é a informação.
E vesti-la de uma forma compreensível a todos.
E divulgá-la, o mais possível, apesar de todos os interesses em jogo.
Pela certeza de que essa riqueza é um bem social.
A coisa que é pertença de toda sociedade.
VI
Se me fosse dado escolher, estaria, agora, na Academia.
Deixaria pra trás, sem muita saudade, a reportagem investigativa, as campanhas políticas, a assessoria de imprensa.
Sinto um frio na espinha quando penso que posso morrer sem transmitir o que aprendi.
Porque isso, para mim, é o mais importante: contribuir para formar as novas gerações, os que ficarão aqui, depois que me for.
Sinto uma ansiedade enorme quando pego, eventualmente, um “aluno”.
Como aconteceu em Capanema.
Em que dei um intensivão de rádio e de marketing político.
Não, não era o momento apropriado: uma campanha política que, quando peguei, andava meio que atabalhoada.
Mas, fiz o que podia. E acho que o meu aluno interiorizou o mais importante: a esquecer o palavreado universitário e a ampliar, ao máximo, o vocabulário, para se comunicar com a massa.
E esse é o grande engano que cometem os jornalistas e os intelectuais: bem mais difícil que usar as palavras que aprendemos no cotidiano universitário é encontrar a palavra certa, adequada, para se transmitir alguma coisa ao conjunto da sociedade. Ao conjunto dos que nos lêem, por pouco que saibam ler.
Esse esforço é que exige, de fato, muita leitura e um profundo conhecimento da linguagem.
Quanto mais fácil um texto, de ler, de compreender, mais difícil, mais complexa é a sua confecção.
Porque requer a capacidade de esquecermos, de deixarmos para trás, o meio em que vivemos, para “descermos” ao cotidiano de poucas palavras que a população, de fato, domina.
Mas, quatro anos me separam da Academia. Preciso de um pedaço de papel, um “passe”, para ajudar a educar esses meninos e meninas...
De sorte que seguirei pegando, individualmente, esses meninos e meninas.
E sem cobrar nada!
(Não contem, por favor, pra minha filha-empresária que ela me mata!...)
Mas, acho que isso não tem preço.
É, simplesmente, a satisfação, a felicidade, de sentir que estou a devolver à sociedade um pouquinho do muito – e ponha muito nisso! - que ela me deu...
FUUUIIIIII!!!!
VII
Ah, sim, estávamos a discutir o fim da obrigatoriedade do diploma de jornalismo.
Bem, o que é que eu penso?
Compreendo, é claro, a frustração de quem estudou quatro, cinco anos numa universidade.
Compreendo, mermo.
Mas, acho que essas pessoas não compreendem o seguinte: a dinâmica do mercado de trabalho.
Se amanhã, por exemplo, eu (uma “adiplomática”) e um diplomado formos disputar uma vaga, é claro que ele levará vantagem.
Para qualquer coisa: veículos de comunicação, assessoria de imprensa.
Vocês pensam que eu acho isso errado? Não. Tá certíssimo. Significa que vocês fizeram o esforço que eu não fiz.
Afinal, aos 48 anos, eu já deveria ter concluído um curso superior, né mermo?
Nem que fosse pra me estapear com os “fessores” ( e eu, aqui, por pura preguiça “macunaímica”, a perder essa experiência inesquecível...).
Mas creio que é preciso, coleguinhas (e sociedade), discutir outros pontos dessa coisa toda.
E o mais importante é: um registro profissional não pode ser condição necessária para a divulgação de uma informação ou de uma notícia.
No fundo, todos os cidadãos somos repórteres em potencial.
No fundo, todos temos, portanto, de ter a possibilidade de veicular informação, notícia.
Esse é um ganho da Sociedade da Informação. Todos temos alguma coisa a dizer. Nem que seja na forma de auto-ajuda – e como separar até a auto-ajuda da informação?
Então, não há como restringir isso.
O que se pode fazer é isso que vocês, de há muito, já vêm fazendo: estudar
E eu?
Bom, eu e outros teremos de ter a humildade que vocês tiveram: vamos estudar.
Mas, a dona Maria e o seu José, e todos aqueles que não tiveram essa oportunidade, e todos os que não vão adiante nessa caminhada, porque a sociedade capitalista não tem interesse em que caminhem, têm, sim, o direito de transmitir informação.
Mesmo os nossos intelectuais médios, digamos assim, que fazem, hoje, comunicação na internet, nos sites e blogs, sem o domínio da linguagem que essa categoria, a dos jornalistas, tem ou deveria ter, devem ter o direito, sim, de prosseguir naquilo que fazem, porque isso é fundamental para sociedade, na conjuntura que temos.
Mas, vocês, prosseguirão, orgulhosamente (e eu só peço: leiam, obstinadamente, de tudo, por favor!)
Quanto a mim, vou seguir o exemplo de vocês: vou estudar.
E talvez que essa seja a única chance de entrar na Academia, afinal...
Fumus. I ingora, fumu mermo!!!!!
VIII
Ah, sim! Tenho de remeter ao primeiro post.
A importância desse debate para a sociedade.
Vejamos.
Não é justo, não é correto, não é democrático que a possibilidade de divulgação de uma notícia esteja subordinada a um registro profissional de jornalista.
Isso não cabe na cabeça de ninguém, queridinhos!
Vejam: a internet trouxe uma possibilidade ímpar de veiculação de informações.
O primeiro formato foram os sites, depois os e-mails, mais recentemente os blogs. Daqui pra frente, sabe Deus o que virá.
Por que e para que obstar isso?
Os próprios veículos de comunicação tradicionais se enriquecem com essa participação.
Por que e para que obstar isso?
Ora, reconheçamos: lead, sublead e outras técnicas de formatação da informação são facilmente domináveis.
E se, apesar desses 50 anos de reconhecimento dos cursos de comunicação, não conseguimos responder àquela pergunta lamentável (que é a notícia?) por que, então, impedir a participação societária?
Temos de ter um mínimo de humildade, nós, os jornalistas.
E temos de reconhecer que a sociedade escolhe caminhos que, muitas vezes, nada têm a ver com os interesses da gente.
Não pensem que não me sinto incomodada ao ver gente que nunca foi jornalista se intitulando jornalista.
Não pensem que não sinto uma dor no peito ao ver analfabeto se dizendo jornalista.
Afinal, vocês estudaram quatro anos numa universidade; eu, tenho estudado, me preparado para isso ao longo de 28 anos – quer dizer, bem mais que a metade da minha vida...
E o que vocês não perceberam é que, na verdade, somos cúmplices – não, adversários.
Não quero a abertura dessa profissão para qualquer um.
Mas, sou obrigada a reconhecer, democraticamente, que algumas exigências tem, sim, de cair.
Em face da liberdade de expressão constitucionalmente garantida.
E a primeira que tem de cair é a exigência de registro profissional para a divulgação de informações.
E o Código Civil que trate da responsabilização de cada qual.
Agora, FFFFFFUUUUIIIII!!!!!!!
IX
No fundo, a verdade, é que, apesar da importância, nenhum de nós sabe como tornar essa discussão participativa...
Temos mais é que jogar pra fora. Temos mais é que chamar a sociedade...
X
Continuo com a idéia fixa de cursar Comunicação.
E recomendo, vivamente, a todos os colegas, que, como eu, têm registros precários ou, mesmo, com registros definitivos que façam o mesmo.
Por quê?
Porque a Comunicação vai atingindo, a cada dia, uma complexidade imensa.
E mesmo para quem está, hoje, nas redações, vai ficando difícil se adequar a esse avanço.
Vão – vamos – para o curso, nem que seja para conseguir alguma bibliografia.
Mais importante, porém, é que, apesar dos “fessores” (muitos dos quais nossos ex-colegas, muitos dos quais despreparados) ajudaremos a formar novos jornalistas, à nossa imagem e semelhança.
Jornalistas com vontade de fazer jornalismo. Jornalistas com a compreensão do que é jornalismo. Jornalistas que estarão, de fato, em condições de nos substituir.
Vou para o Ipiranga. Cês topam?
Ué, cês não falavam tanto em revolução?