quinta-feira, 12 de junho de 2008

belém






Belém



Belém é um doce. Não daqueles doces que a gente simplesmente come, sem nem sentir o gosto.


Mas, o mistério da meninice.


O doce que a gente olhava na vitrine daquela padaria, cara e famosa.


Todo enfeitado, o danado!...


Com uns chocolates e uns cremes, que a gente se punha a sonhar a que sabia, afinal...


Belém é chuva. E o que dizer da chuva? Se tanto já dissemos daquilo que provoca.


O cheiro... O gosto... A água, o vento, o calor a acariciar o corpo...


Belém são os quintais... A fruta madurinha, chamando a gente no pé...


A manga, a sapotilha, o jambo, a graviola, o cupuaçu...


Tudo assoviando, que nem passarinho...


Que há mais a dizer, pois?


Talvez que as lembranças - nossas, e só nossas, do mais profundo de um coração...


Mas, mesmo tais lembranças são de todos...


Pois, quem não se alembrará do jogo da amarelinha, do cemitério, das petecas, da curica, da praça... – que era nossa e só nossa?


Quem não terá tido os seus jardins e os seus quintais e os seus porões?...


Quem não terá se encantado diante de um azulejo ou de um jabutizinho?


Quem não terá rezado a Deus, baixinho, os olhinhos fechados de medo, diante de tantas almas?


Quem de nós não terá vivido essa Belém?


A Belém de tantos segredos, que escutávamos, escondidinhos, atrás das portas?


A Belém da roda-gigante, dos arraiais, do algodão-doce...


Das barracas de comidas cheirosas, mais cheirosas que o mais cheiroso patchouli!...


Onde foi parar essa Belém? Quando foi que essa Belém se perdeu de nós?


Avaliem!...Dava até pra tomar banho nos canais, sem sair de lá todo curubento!... (Ou, quem sabe, as curubas fossem tantas que nem importava mais uma, né mermo?)


Dava pra fazer de conta que tudo se arresumia a um grande rio aprisionado – e não será, afinal?...


Dava pra brincar de bola na rua – e até sair correndo atrás da bola...


Porque, onde existiam, os ônibus e os carros paravam, para sonhar a criança atrás da bola...


Motoristas e passageiros xingando a menina endiabrada... E correndo com ela, em pensamento, atrás do horizonte...


Que fim levaste, Belém? Que fim levei?


Que fim levou o Grande Hotel, que até o grande Bandeira cantou? E a Mário de Andrade!... Pois, a Mário de Andrade!...


Que fim levaram os casarios da estrada de Nazaré e da São Jerônimo?


Quem te abocanhou de tal forma que já nem alembramos dos teus, dos nossos quintais?


Como se esses edifícios monstruosos, que surgem do dia para a noite, fossem coisa natural, que sempre estivesse ali...


Como se os teus quintais e os teus casarios não passassem de um encantamento...


Como se tudo isso – as memórias, que são parte daquilo que somos – estivessem tão longe, tão longe, que nem existissem de verdade...


E a gente se sente velho. Porque o novo são os edifícios que te engolem.


E que vão engolindo a gente, por dentro.


E já não há como pedir socorro aos teus casarios e aos teus quintais...


Deixamos, deixaste-nos!...


E eu vou dar boa-noite ao vizinho, que nem conheço e que nem é de ti.


Mas que existe, na minha paisagem, para que não me sinta tão só...

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