A inversão de valores é tamanha neste Brasil que há gente
mais indignada com cusparadas do que com um golpe de Estado e com o avanço do
fascismo.
Aconteceu primeiro quando Jean Wyllys cuspiu em
Bolsonaro: muitos reclamaram da
cusparada, mas se “esqueceram” da homenagem de Bolsonaro a um torturador.
Acontece agora com a cusparada de José de Abreu:
novamente, muitos reclamam do cuspe, mas se “esquecem” das ofensas dirigidas ao
ator (e a mãe e a mulher dele) pelo digníssimo casal.
Aqueles que reclamam do cuspe fingem não ver que esse
golpe de Estado reúne tudo o que de pior existe no Brasil: racistas,
homofóbicos, misóginos, pentecostais endemoniados, ruralistas e delegados que
pretendem resolver à bala todos os problemas sociais.
Gente que não se contenta com simples cusparadas:
quer é colocar no pau de arara todos aqueles que “ousem” defender a Democracia.
Gente que, há anos, incentiva o ódio e é
corresponsável pelos espancamentos e assassinatos de centenas, milhares, de
mulheres, negros e homossexuais, em todo o país.
Bem vistas as coisas, as cusparadas dos democratas
têm sido até muitíssimo civilizadas, perto do ódio que se alastra em nossas ruas.
São adolescentes, mulheres, jovens, idosos,
cadeirante, levando socos, pontapés, quando participam de alguma manifestação,
ou simplesmente quando usam alguma coisa vermelha, ou expressam uma opinião.
É mãe, com bebezinho no colo, levando pedradas e
ouvindo toda sorte de palavrões, só por usar um sling vermelho.
É médica se recusando a atender bebê, só porque a
mãe dele é petista.
É criança de vermelho sofrendo bullying na escola.
É sede de partido de esquerda sendo depredada.
E os atentados ocorridos, ou em gestação, contra
dezenas, centenas, milhões de brasileiros?
Como o projeto aprovado em Alagoas (e com similares
em vários estados e até no Congresso) proibindo professor de emitir opinião em
sala de aula.
Como o Estatuto da Família, que nega aos homossexuais
(e às crianças que eles adotam) o direito básico de ter família.
Como o projeto que pretende obrigar mulher a ter
filho até de estuprador.
Como a redução do conceito de trabalho escravo, para
que trabalhadores sejam submetidos a jornadas exaustivas e a condições de
trabalho degradantes (ou seja, colocados a trabalhar 14, 16 horas por dia; a
viver em cubículos, sem condições mínimas de higiene; a beber da mesma água que
bois e cavalos; a trabalhar por um prato de comida).
Como o fim do processo de licenciamento ambiental,
que tende a provocar desastres inimagináveis, até maiores do que Mariana.
Como a terceirização da atividade-fim das empresas, que
reduz salários e suprime direitos.
Como o desconto salarial até da pausa do trabalhador
para ir ao banheiro.
Para os indignados com as cusparadas, porém, tudo
isso parece “menor”.
Grave mesmo é cuspe na cara, “violência insuportável
e covarde”.
Mais do que jogar pedra em mulher com criança de
colo. Mais do que espancar cadeirante. Mais do que tentar linchar adolescente.
Mais do que escravizar trabalhador. Mais do que submeter homossexuais a toda
sorte de violências e humilhações.
No fundo, o que tais indignados gostariam é que
aceitássemos passivamente tudo isto: porradas, xingamentos, subtração de
direitos, avanço do fascismo, golpe de Estado.
Só assim, aos olhos deles, seríamos “dignos”, “nobres”,
“educados”.
Até porque, só assim, eles não teriam de revelar a
sua verdadeira face; o tipo de sociedade que, no fundo, estão a defender.
É que o fato de reagirmos os obriga a tomar posição.
E eis que todos os veem a marchar lado a lado com Bolsonaro, Eduardo Cunha,
Michel Temer, Malafaia, Ronaldo Caiado, Marco Feliciano.
Pois é: a indignação com as cusparadas é apenas um
jogo de cena, um subterfúgio.
Porque o que os incomoda de verdade é o retrato, já
agora sem máscaras, que deles ficará para a posteridade.
Afinal, vamos e convenhamos, bem mais preocupante seria
a lei de talião.
Por isso, queira Deus que a reação a tamanha
violência continue restrita ao simbolismo de uma bela cusparada.
FUUUUUIIIIIII!!!!!!
..........
Há pouco, noticiam as redes sociais, uma
manifestante foi baleada, durante ato do MTST, em São Paulo. O tiro foi
disparado pelo motorista de um carro que passava no local.
Mas isso, é claro, também é bem menos grave do que
as nossas cusparadas, não é?
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