Foi realizado na semana passada
em Santarém, Pará, o Encontro Regional da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do
Ministério Público Federal (MPF), que trata de questões relacionadas a povos
indígenas e populações tradicionais.
Procuradores da República das
regiões Norte e Nordeste se reuniram nos dias 3 e 4 de outubro, debatendo os
desafios na garantia dos direitos dessas populações.
Foram identificadas as maiores
ameaças à sobrevivência dos povos e culturas ancestrais brasileiras: os grandes
empreendimentos governamentais e privados e a disputa para que as terras
tradicionais de comunidades se tornem disponíveis no mercado.
Os procuradores das duas regiões
discutem também a atuação para assegurar melhorias na educação e no atendimento
à saúde, sobretudo em áreas indígenas e tradicionais impactadas por grandes
empreendimentos.
“Não temos nenhum registro de grande
empreendimento que tenha melhorado a vida das comunidades”, diz a
subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, que coordena a 6ª Câmara.
Uma das principais preocupações
do MPF é com a total ausência de consulta prévia às populações atingidas.
Atualmente, algumas das maiores
obras civis em andamento no país impactam direta ou indiretamente populações
tradicionais.
Ainda assim, até agora o governo
não aplicou adequadamente a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho.
Entre as definições do encontro,
procuradores da República decidiram atuar conjuntamente na fiscalização dos
projetos de aproveitamento hidrelétrico do governo federal, por bacia
hidrográfica afetada.
Só na bacia formada pelos rios
Juruena, Teles Pires e Tapajós, estão projetadas, em licenciamento ou já em
construção, quase cem usinas entre grandes barragens e pequenas centrais
hidrelétricas.
Para tentar conter as
irregularidades que se repetem nos empreendimentos – ausência de consultas,
estudos de impacto incompletos, audiências públicas insuficientes e sem
participação, condições prévias de viabilidade deixadas para depois –
procuradores de todos os estados afetados trabalham agora em colaboração.
O MPF acompanha casos em que já
se pode considerar que houve etnocídio, a morte de culturas indígenas
ancestrais, causado por hidrelétricas irregulares.
“No caso do povo Enawene Nawe, no
Mato Grosso, eles estão impedidos de realizar o ritual de pesca Yãkwa, que é
constitutivo de sua identidade, porque as hidrelétricas afetaram dramaticamente
a piscosidade do rio Juruena. Hoje, os índios estão reduzidos a aguardar o
fornecimento de peixes pelas empresas que administram as usinas”, conta a
procuradora da República Márcia Zollinger.
“No Xingu temos comunidades que
passaram mais de dois anos sem plantar mandioca, fazer farinha e abandonaram o
artesanato tradicional. Muitos indígenas passaram a morar na cidade de Altamira
em condições muito precárias, graças aos programas de mitigação de impactos de
Belo Monte promovidos pela Norte Energia irregularmente. Em vez de mitigar,
agravaram os impactos”, relata Thais Santi, procuradora em Altamira.
Para evitar que continue sendo
aplicada a política danosa do Estado brasileiro e fiscalizar o cumprimento das
garantias previstas na Constituição brasileira, na Convenção 169 da OIT, na
legislação ambiental e na que institui políticas para os povos tradicionais, o
MPF considera sob proteção especial tanto indígenas e quilombolas, quanto
comunidades tradicionais como ciganos, caiçaras, pescadores, ribeirinhos,
beiradeiros, torrãozeiros, quebradeiras de babaçu, pomeranos, seringueiros,
populações de fundo de pasto, manguezais, faxinais e outros.
Um obstáculo jurídico que tem
sido utilizado pelo governo federal em quase todos os casos de empreendimentos
que violam os direitos dessas populações é o instituto da suspensão de
segurança, que permite que presidentes de tribunais superiores suspendam a
eficácia de decisões judiciais obtidas pelo MPF.
As suspensões começaram a ser
pedidas pelo governo no caso da hidrelétrica de Belo Monte, para forçar o
andamento do licenciamento ambiental mesmo com as graves irregularidades
apontadas.
Hoje em dia quase todos os
processos do MPF que pedem consulta prévia ou apontam problemas em
licenciamentos ambientais sofreram suspensão de segurança.
Com isso, o governo consegue
iniciar as obras e a situação dos povos afetados só se agrava, sem que a
Justiça dê resposta aos problemas.
As resoluções e definições do
encontro temático da 6ª Câmara são distribuídas internamente para os
procuradores que atuam na defesa dessas populações.
O planejamento inclui atuação
judicial e extrajudicial, por meio de audiências públicas, recomendações e
acordos com autoridades.
Íntegra
da carta do encontro:
(Fonte:
Ascom/MPF/PA, com título do blog)
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