segunda-feira, 7 de outubro de 2013

MPF debate ameaças às populações indígenas e tradicionais. Só nos rios Juruena, Teles Pires e Tapajós há quase 100 usinas projetadas, em licenciamento ou já em construção. Procuradores da República do Norte e Nordeste também discutem melhorarias para a educação e a saúde dessas populações.


Foi realizado na semana passada em Santarém, Pará, o Encontro Regional da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), que trata de questões relacionadas a povos indígenas e populações tradicionais.

Procuradores da República das regiões Norte e Nordeste se reuniram nos dias 3 e 4 de outubro, debatendo os desafios na garantia dos direitos dessas populações.

Foram identificadas as maiores ameaças à sobrevivência dos povos e culturas ancestrais brasileiras: os grandes empreendimentos governamentais e privados e a disputa para que as terras tradicionais de comunidades se tornem disponíveis no mercado.

Os procuradores das duas regiões discutem também a atuação para assegurar melhorias na educação e no atendimento à saúde, sobretudo em áreas indígenas e tradicionais impactadas por grandes empreendimentos. 

 “Não temos nenhum registro de grande empreendimento que tenha melhorado a vida das comunidades”, diz a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat, que coordena a 6ª Câmara.

Uma das principais preocupações do MPF é com a total ausência de consulta prévia às populações atingidas.

Atualmente, algumas das maiores obras civis em andamento no país impactam direta ou indiretamente populações tradicionais.

Ainda assim, até agora o governo não aplicou adequadamente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Entre as definições do encontro, procuradores da República decidiram atuar conjuntamente na fiscalização dos projetos de aproveitamento hidrelétrico do governo federal, por bacia hidrográfica afetada.

Só na bacia formada pelos rios Juruena, Teles Pires e Tapajós, estão projetadas, em licenciamento ou já em construção, quase cem usinas entre grandes barragens e pequenas centrais hidrelétricas.

Para tentar conter as irregularidades que se repetem nos empreendimentos – ausência de consultas, estudos de impacto incompletos, audiências públicas insuficientes e sem participação, condições prévias de viabilidade deixadas para depois – procuradores de todos os estados afetados trabalham agora em colaboração.

O MPF acompanha casos em que já se pode considerar que houve etnocídio, a morte de culturas indígenas ancestrais, causado por hidrelétricas irregulares.

“No caso do povo Enawene Nawe, no Mato Grosso, eles estão impedidos de realizar o ritual de pesca Yãkwa, que é constitutivo de sua identidade, porque as hidrelétricas afetaram dramaticamente a piscosidade do rio Juruena. Hoje, os índios estão reduzidos a aguardar o fornecimento de peixes pelas empresas que administram as usinas”, conta a procuradora da República Márcia Zollinger.

“No Xingu temos comunidades que passaram mais de dois anos sem plantar mandioca, fazer farinha e abandonaram o artesanato tradicional. Muitos indígenas passaram a morar na cidade de Altamira em condições muito precárias, graças aos programas de mitigação de impactos de Belo Monte promovidos pela Norte Energia irregularmente. Em vez de mitigar, agravaram os impactos”, relata Thais Santi, procuradora em Altamira.

Para evitar que continue sendo aplicada a política danosa do Estado brasileiro e fiscalizar o cumprimento das garantias previstas na Constituição brasileira, na Convenção 169 da OIT, na legislação ambiental e na que institui políticas para os povos tradicionais, o MPF considera sob proteção especial tanto indígenas e quilombolas, quanto comunidades tradicionais como ciganos, caiçaras, pescadores, ribeirinhos, beiradeiros, torrãozeiros, quebradeiras de babaçu, pomeranos, seringueiros, populações de fundo de pasto, manguezais, faxinais e outros.

Um obstáculo jurídico que tem sido utilizado pelo governo federal em quase todos os casos de empreendimentos que violam os direitos dessas populações é o instituto da suspensão de segurança, que permite que presidentes de tribunais superiores suspendam a eficácia de decisões judiciais obtidas pelo MPF.

As suspensões começaram a ser pedidas pelo governo no caso da hidrelétrica de Belo Monte, para forçar o andamento do licenciamento ambiental mesmo com as graves irregularidades apontadas.

Hoje em dia quase todos os processos do MPF que pedem consulta prévia ou apontam problemas em licenciamentos ambientais sofreram suspensão de segurança.

Com isso, o governo consegue iniciar as obras e a situação dos povos afetados só se agrava, sem que a Justiça dê resposta aos problemas.

As resoluções e definições do encontro temático da 6ª Câmara são distribuídas internamente para os procuradores que atuam na defesa dessas populações.

O planejamento inclui atuação judicial e extrajudicial, por meio de audiências públicas, recomendações e acordos com autoridades. 

Íntegra da carta do encontro:


(Fonte: Ascom/MPF/PA, com título do blog)

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