Dantas, o novo “Rei” do Pará
Foi de uma infelicidade impressionante o comunicado do Tribunal de Justiça do Estado, em resposta à nota de protesto do Diretório Regional do PT contra o acolhimento do pedido de intervenção no Pará, na semana passada, pelo tribunal.
Dizer que não deve explicações de seus atos, como disse o TJE, é de uma arrogância que estapeia a Constituição e a própria Democracia.
Porque, mesmo instalado em um prédio que lembra a corte do Ancien Régime, o TJE é, sim, uma instituição democrática.
Todos os seus enormes custos, inclusive os salários dos Meritíssimos, são bancados com dinheiro público.
Daí que o TJE tem, sim, de prestar contas à coletividade daquilo que faz ou deixa de fazer.
Tal prestação de contas independe da conformação ideológica de quem a reivindica: se de direita, de esquerda, de centro, de cima ou de baixo.
E independe até mesmo do eventual apreço ou desapreço à Democracia, demonstrado pelo solicitante.
Porque a Constituição não autoriza tais diferenciações entre os cidadãos. E muito menos o Poder Público as concretiza, na hora de abocanhar os nossos impostos.
Mais ainda deve explicações o TJE quando tais questionamentos partem de instituições tão importantes para a Democracia, quanto o próprio tribunal: os partidos políticos e demais entidades da sociedade civil.
A sociedade civil organizada que, na Democracia moderna, constitui, efetivamente, o Quarto Poder.
Assim, a nota do TJE chega a ser um desserviço em termos de educação política.
Porque a sua leitura pode induzir à crença, em parcela significativa dos cidadãos, de que nos encontramos diante de um poder absoluto.
Meritíssimos não são condes, duques, barões, príncipes, gente de “sangue azul”, com ascendência divina.
São, apenas, “cidadãos comuns”, investidos pela sociedade da nobre função da Magistratura.
Foi-se o tempo das togas encasteladas no privilégio da “inquestionabilidade”.
Foi-se o tempo dos estamentos inacessíveis ao “cidadão comum”.
Até mesmo a configuração do Poder representado pelos Meritíssimos está subordinada à vontade coletiva.
E quem não gostar disso, que vá se queixar, não ao bispo - mas, à guilhotina das revoluções burguesas...
II
Ao classificar o acolhimento do pedido de intervenção no Pará como uma tentativa de golpe contra o Estado, a Democracia e a população, o PT nada mais fez além de exercer um direito líquido e certo, um direito que lhe é constitucionalmente garantido: a liberdade de expressão.
Fez a defesa, com argumentos sólidos, aliás, do governo que representa, dos movimentos sociais e das bandeiras que sempre apoiou.
Agiu, portanto, de forma legítima, mesmo quando questionou possíveis motivações político-partidárias na decisão do TJE, em favor dessa intervenção.
Por isso, causa espanto a ameaça contida no comunicado do TJE de que “tomará as providências cabíveis na hipótese de tornar a ser ofendido em suas prerrogativas constitucionais”.
Afinal, que “providências cabíveis” são essas? E contra quem ou o quê as adotará o tribunal?
Contra o princípio democrático e constitucional da liberdade de expressão?
Contra a TRANSPARÊNCIA e a IMPESSOALIDADE que têm de nortear a ação das instituições democráticas?
Contra o controle e a cobrança dos cidadãos que pagam até as togas dos Meritíssimos?
Contra o que, afinal, se insurge o nosso TJE?
Pior, ainda, é que o comunicado do tribunal, de tão profundamente infeliz, deixa a sensação de que ele tem, sim, um lado nessa disputa.
Fosse uma peça processual, serviria, inclusive, para que se solicitasse a nulidade do julgamento.
Afinal, ao longo de seu comunicado, o TJE assume uma postura inquisitorial: sataniza milhares de cidadãos e dezenas de entidades que apenas lutam pelo respeito à Lei; pela proteção e segurança do Estado; pela desapropriação de milhões de hectares de terra surrupiados, muitas vezes com a complacência do Judiciário, ao patrimônio público.
Esqueceu-se, portanto, o TJE do devido processo legal. Da necessidade de comprovar, para só então condenar, aqueles que são acusados da destruição de “propriedades privadas” e de agressões a “pacatos trabalhadores”.
Eis que, muitas vezes, não há comprovação cabal da autoria dessa destruição. E nem essas terras ocupadas são “propriedades privadas”, ou os que ali se encontram apenas e tão somente “pacatos trabalhadores”.
Neste Pará da Grilagem, que possui no papel o dobro do tamanho geográfico, as “propriedades privadas” são, muitas vezes, terra roubada e, os “pacatos trabalhadores”, jagunços, pistoleiros, milícias estabelecidas por bandidos, sob o olhar leniente daqueles que têm o dever de zelar pelo cumprimento da Lei.
Portanto, a “sanha criminosa da desordem e da afronta à Lei”, não parte, no mais das vezes, dos movimentos sociais ou dos sem-terra e trabalhadores rurais.
Muitos deles, na verdade, vítimas de agressões, tortura e morte sem que o Judiciário cumpra o dever de PUNIR quem agrediu, torturou e matou.
III
Na nota em defesa do MST e do Governo do Estado, o PT afirma que a intervenção é um golpe porque Ana Júlia já cumpriu 101 mandados de reintegração de posse, restando, em fila de espera, apenas 70.
E, segundo os petistas, até 2006 havia 173 mandados de reintegrações não-cumpridos, e o TJE “não acolheu qualquer pedido de intervenção e nem buscou auxiliar os graves conflitos fundiários existentes no Estado”.
Diz a nota, ainda, que a intervenção acolhida pelo TJE é a “caracterização explícita de perseguição política a um governo que busca o diálogo, o consenso, tentando inverter a lógica do autoritarismo e do argumento da força, exaustivamente utilizados no governo tucano, sem qualquer interferência do Tribunal de Justiça do Estado!”
É grave, muito grave, a suspeita levantada pelo PT.
Mais ainda porque tal suspeita não nasce de simples fantasmagorias, mas, do próprio comportamento do TJE e dos seus ilustres Meritíssimos.
Afinal, como noticiaram jornais e blogs, o TJE abriu as portas – e os cofres – para abrigar uma leva de tucanos, após a derrota do PSDB, nas eleições de 2006.
E, nos bastidores políticos, não é segredo que vários parentes e aderentes de Meritíssimos ocupavam DAS e Assessorias Especiais no Governo e nos gabinetes de parlamentares tucanos ou da base de apoio do PSDB.
De igual forma, não é segredo que um advogado paraense chegou a protocolar um processo no Tribunal de Contas do Estado (TCE), contendo uma lista de magistrados que teriam sido beneficiados por empréstimos vultosos do Ipasep, também durante os governos tucanos.
Mais: durante a campanha de 2006, havia inclusive a informação de que um poderoso juiz paraense se reunia, secretamente, com os advogados do PSDB, para orientá-los acerca de um processo que tramitava num tribunal superior.
Quer dizer: é o próprio comportamento dos Meritíssimos; melhor dizendo, a falta de respeito próprio de alguns Meritíssimos, a ensejar tais suspeitas de parcialidade.
Porque alguns dos fatos relatados acima podem nem ser ilegais.
Mas, é certamente IMORAL tamanha promiscuidade entre Meritíssimos e o governo de um determinado partido político – qualquer que seja esse partido.
Daí que o TJE nem deveria se espantar quando alguém pergunta por que só agora, às vésperas de 2010 e durante um governo petista, o tribunal resolve acolher um pedido de intervenção no estado, já que não moveu uma palha para obrigar o governo do PSDB a cumprir aqueles 173 mandados de reintegração de posse, encalhados até 2006.
E a conclusão a que se chega é que, na verdade, as “providências cabíveis” prometidas pelo TJE deveriam ser adotadas não contra os partidos ou os cidadãos que questionam tudo isso.
Mas, contra aqueles Meritíssimos que não sabem honrar sequer a própria toga.
IV
No meio político, sabe-se muitíssimo bem que o acolhimento do pedido de intervenção no Estado, pelo TJE, não terá qualquer efeito prático, para aquilo a que se diz destinar: o cumprimento de mandados de reintegração de posse.
Primeiro porque a decisão do TJE significa, apenas, que vai encaminhar o pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF), que é quem possui poderes, de fato, para decretar a intervenção.
E no STF, informa a Procuradoria Geral do Estado, há milhares de pedidos de intervenção, em várias unidades federativas.
Não há notícia de que algum desses pedidos tenha sido acolhido pelo Supremo.
E mesmo que o STF decidisse, sabe-se lá por que, priorizar o estado do Pará, isso não resolveria o problema que está por trás dessas reintegrações – a guerra pela terra.
Outras invasões viriam. E, junto com elas, outras reintegrações.
Em outras palavras: a decisão do TJE é rigorosamente inócua do ponto de vista prático.
Mas, é claro, do ponto de vista político representa um míssil de longo alcance, até a antecipar alguns dos motes de 2010.
Quer dizer: pela inocuidade prática dessa decisão e por seus efeitos puramente políticos, tem-se, novamente, a suspeita de partidarização do nosso TJE.
Há mais, porém.
Em meio a todo esse complexo jogo de interesses, há, ainda, a ação do banqueiro Daniel Dantas, que, pelo visto, pretende se transformar no novo “Rei” desta província do Grão Pará.
É certo que a investida dos donos de terra contra os movimentos sociais coincide com a ascensão da senadora Kátia Abreu (DEM), ao comando da CNA.
E é possível que essa investida esteja sendo usada para a criação de fatos políticos que desgastem o governo petista.
Mas, é no mínimo inquietante a “coincidência” de tudo isso – o clamor de Kátia Abreu, a tentativa midiática de criminalização do MST e a decisão do TJE - com a “aquisição” de milhares de terras, no Pará, pelo banqueiro Daniel Dantas, cujos tentáculos se estendem por boa parte da mídia, dos partidos políticos e dos Poderes constituídos deste País.
Espero, sinceramente, que esse link que vejo entre tais fatos não passe, afinal, de mera teoria conspiratória.
Porque, se verdadeira tal hipótese – quer dizer, que nos bastidores de tudo isso esteja a ação do banqueiro Daniel Dantas - seríamos forçados a admitir que, no Pará, já não existem nem partidos políticos, nem imprensa, nem Judiciário. Mas, apenas, a vassalagem mais rasca, mais nojenta, desse enroladíssimo cidadão.
E aí, mais valeria proclamarmos de vez Daniel Dantas como o novo Rei desta província do Grão Pará.
Por que, se já lhe tivessem vendido a alma até as nossas instituições, de que forma haveríamos de resistir?
Mais ainda nesta terra de lavagem desenfreada de dinheiro; nesta grande lavanderia em que se transformou o estado do Pará, sem que a Nação se incomode nem minimamente com o bang-bang, o “cangaço oficializado” que impera neste seu armazém inesgotável e particular.
V
Por tudo isso, ficou-me como emblemática, além de espantosa, a frase da desembargadora Albanira Bemerguy, no julgamento do pedido de intervenção no Pará, conforme matéria do repórter Carlos Mendes, do jornal Diário do Pará: “Já fui juíza no interior e presencio essa violência há 30 anos. Estamos hoje em um regime de cangaço oficializado”.
É o caso de se perguntar: o que fez a meritíssima, que foi até presidente do TJE, para deter, ao longo destes 30 anos, essa violência, esse “cangaço oficializado”, que afronta o Estado de Direito, a Justiça, a Constituição que a douta juíza jurou defender?
O que fizeram Albanira e seus pares para impedir que o Pará mergulhasse nessa barbárie?
Agiram? Se omitiram? Prevaricaram?
Ora, se Albanira e os desembargadores do TJE estavam realmente preocupados com esse “cangaço oficializado”, por que, ao menos, não agilizaram os processos para a anulação de títulos de terra fraudulentos, que perfazem mais de cinco milhões de hectares, só no caso dos 80 processos já ajuizados pelo Governo Estadual?
Por que, afinal, não agiram, de maneira firme, contra essa bandidagem tão cínica e certa da impunidade que até suborna os agentes do Estado, de modo a constituir um Pará virtual, um Pará de papel?
Poderes para agilizar processos e para agir contra esses bárbaros o TJE possui de sobra – sempre os teve, aliás.
E a questão é saber por que, afinal, nunca os utilizou.
FUUUUIIIIIIIII!!!!!!!!!!
10 comentários:
Esse é o Pará, pelo visto estamos “fumados” mesmo. Justiça só para a elite que toma conta e se apodera de tudo. Os pobres, MST e outros sempre levam a pior na História Oficial do Brasil. Esperemos que um dia chegue a nossa vez de darmos o troco a esses exploradores do povo.
Excelente explanação, concordo em todos os aspectos, até mesmo porque, o Poder Judiciário é um poder inerte segundo minha pouca cultura. rsrsrsrrs
Caríssima perereca,
Ao ler a malfadada nota do TJE anteontem no site oficial daquele tribunal também fiquei com a mesma impressão: a da arrogância do poder judiciário que arrota aos quatro cantos uma "suposta neutralidade" mas que sabemos nunca foi o caso na história do judiciário paraense.
Não dá para a sociedade paraense ignorar o fato de que foram protocolados diversos pedidos de anulação de títulos de terra sem que este judiciário de m... tivesse a celeridade e a mesma preocupação na resolução da questão fundiária.
Tens razão, o TJE se transformou no novo ninho dos tucaninhos de araque, mas de gente muito "inteligente", óbvio para os fins a que se destinam estas inteligências. Lembram-se da Tereza cativo, ex-secretária da SEFA do governo passado? Ela ainda está por lá?
De qualquer maneira, com ou sem tucanos, papagaios de pirata, periquitas, araras, gaviões e outras espécies de aves de rapina o Poder Judiciário do Pará não tem MORAL para falar o que falou em sua nota. Lembram-se da visita do CNJ ao Pará? verifique no site do CNJ e vá no link: justiça em números e veja o relatório sobre o TJE do Pará que retrata este poder que se auto intitula "acima do bem e do mal".
Fiquem espertos...nosso judiciário tem uma mentalidade arcaico judaico cristã, baseada fundamentalmente na na culpa e no medo (dos outros, é claro), cobrindo-se de SOBERBA, ARROGÂNCIA e principalmente de HIPOCRISIA.
Perereca, parabéns pela análise, até agora não vi outra que melhor definisse esta situação.
É muito cinismo dessas senhoras e desses senhores togados, que são alimentados, oficialmente, por nossos impostos. E ainda assumem que conhecem os problemas ha 30 anos, no caso da ex presidente do tje, em minúscula mesmo, não se respeita? Trinta anos, e não sei quantas vistas grossas ao problema. Arrogância é feio e não condiz com os ensinamentos de jesus de Nazaré.
Mas te pareces a um cometa, Ana Célia: raro ver-te, mas sempre fulgurante quando passas.
Consistente, inteligente e corajosa a tua opinião sobre a decisão do TJE.
As verdadeiras causas da brutal violência no campo que grassa no Estado do Pará (concentração de terra, grilagem, violência dos grupos paramilitares a serviço do latifúndio, hegemonia do poder econômico) passaram ao largo do julgamento da mais alta Corte da justiça paraense.
Parabéns, Ana Célia!
Um afetuoso abraço,
Charles Alcantara
Perereca só esqueceste de comentar uma coisa na nota do PT. Eles condenam o pedido de prisao dos lideres do MST, mas esquecem que quem fez o pedido foi a policia da Ana Julia. Então conclui-se que o PT esta contra o Governo? que estranha esta nota!
Eita mudança de tom heim perereca....to impressionado....elogios ao PT, ao governo! Como andam as investigações sobre o Hangar? e as outras denuncias sobre as falcatruas deste governo?
Não costumo postar comentários em blogues, mas esse teu desabafo lavou minh'alma. Fiquei chocado com a nota absurda do TJE, que deixa clara sua ideologia, quando um tribunal de justiça deveria estar, ou no mínimo agir com se estivesse, acima de qualquer ideologia. Assino embaixo do que escreveste.
Grande beijo,
Sérgio Palmquist
Ana,
Você clara, precisa e suficiente!!!
Oswaldo Chaves
Ana Célia, parabéns pela coragem, clareza e profundidade da tua análise sobre esta situação do campo em nosso estado, sempre gravíssima e crônica, sem que essas autoridadezinhas desse ou de qualquer outro tribunal tomem qualquer providência, a não ser quando lhes convem, claro que politica ou financeiramente.
Ha muito está entalado em nossas gargantas, a arrogância com que essas pessoas que com certeza se atribuem alguma risível aura divina, emitem seus pareceres sobre assuntos terrenos, muitos dos quais soam como verdadeiro escárnio e afronta à nossa inteligência, como esse em pauta. Na verdade, sua natureza está mais para a sordidez quando fomentam o nepotismo, a corrupção e a impunidade nos altos escalões, contribuindo decisivamente para o aumento da pobreza, da deseducação e da indigência que assola o Pará.
Não é atoa que a murrietona e a nazarezinha devem estar rindo permanentemente de nossas caras, usufruindo de seus altíssimos salários de aposentadoria depois de assaltarem o erário público, ficando tudo no esquecimento.
No entanto, considerando o fosso cavado para tornar suas torres de marfim inacessíveis aos assaltos dos bárbaros, a vista grossa do cnj, enfim, a leseira popular que incapacita qualquer reação, só nos resta esperar que essas figuras apareçam nos obituários dos jornais, para as devidas comemorações, de preferência com churrasco e cerveja.
Um abraço do Fernando
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