Confesso que não conhecia Marília Mendonça.
E o “confesso” é preocupante.
Eis que soa a mim mesma como se tivesse cometido algum pecado ou crime.
No entanto, a escolha do verbo foi proposital: ele tem sido usado por várias pessoas que dizem o mesmo que acabei de dizer.
Mas nem esse verbo, com um implícito pedido de desculpas, tem evitado os ataques àqueles que “ousam” dizer que desconheciam Marília Mendonça, ou que não gostam das músicas dela.
Quem “confessa” tais “heresias” é chamado de “metido a sabichão” ou “a inteligentezinho”.
Enfim, um “intelectualzinho” preconceituoso, por seu “desprezo” à cultura popular.
Esse interdito ao diferente tem nome: é intolerância.
Talvez decorrente destes tempos que estamos a viver; talvez inerente ao gregarismo humano.
Afinal, todos somos macacos.
E os nossos primos mais próximos, os chimpanzés, costumam se espalhar em círculo, de forma a que todos possam ver, ao vivo e em cores, o que todos estão a fazer.
Sim, é possível que esse controle social faça parte de nossa essência, assim como a fuxicada que dele, em geral, decorre.
Tenho todo o direito de desconhecer Marília Mendonça, ou até de não gostar da música dela, assim como você tem todo o direito de conhecer e de gostar.
Gostos são como a pele, que a gente mostra por aí todos os dias, quando sai às ruas, mas que continua sendo nossa, e só nossa.
O fato de alguém “confessar” que não sabe quem foi essa moça, ou que não gosta da arte dela, não faz desse alguém um ser “desprezível”, um “exibicionista” que se pretende “superior aos demais”.
É apenas uma questão de gosto – e só!
Você pode adorar aquele filé que postou no Face, acompanhado de uma saladinha.
O outro pode gostar só da saladinha, porque é vegano.
Já eu posso gostar de uma pratada de espaguete à bolonhesa, com feijão preto e um ovo estrelado por cima.
E aí?
O que é que isso depõe contra mim, ou até lhe afeta, se o meu paladar é diferente do seu?
Mas aí você pode dizer: ah, mas você é uma despirocada!
E eu serei forçada a lhe responder: mano, todo ser humano é um despirocado!
A “despirocação” é o resultado necessário desse embate cotidiano e perpétuo entre os instintos, a consciência de si e a cultura.
E a suposta “normalidade” é que esconde muitas vezes aberrações, como é o caso dos psicopatas.
Muitos são considerados cidadãos exemplares, por seu comportamento condizente com o padrão comunitário, até que se descobre o que eles andam realmente a fazer.
É verdade que há intelectuais que desprezam o brega, por exemplo, pela forte carga emocional que ele possui.
Mas isso muitas vezes decorre dessa falsa oposição, dessa falsa relação de excludência, entre razão e emoção.
Hoje a Ciência já sabe que a “racionalidade” precisa desesperadamente da emoção; do bom funcionamento das áreas cerebrais responsáveis pelo processamento das emoções.
Ambas, razão e emoção, têm de trabalhar juntas.
E é a interação entre elas a gerar aquilo que reconhecemos como humano.
No entanto, a existência de tal preconceito não me autoriza a proclamar que qualquer intelectual ou que qualquer pessoa que não goste de sertanejo, brega ou de “sofrência” está sendo preconceituoso, um sujeito “de nariz empinado”.
Perdoe-me, mas esse é um raciocínio tosco. E intolerante. E que também revela a busca de aprovação dos seus gostos pelas demais pessoas.
Nossos gostos iniciais vêm da família e de outros grupos sociais bem próximos de nós.
E talvez por isso mesmo eles possuam uma forte carga emocional, que nos acompanhará pelo resto da vida.
Mas conforme crescemos, esses gostos vão mudando, pela formação, pela diversificação de grupos sociais, e até mesmo com a chegada da maturidade e da velhice.
E eles muitas vezes são tão voláteis, que mudam até com a ocasião ou com o nosso estado de espírito.
Eu mesma, quando bebia, tinha uma espécie de tara: precisava, desesperadamente, ouvir o Reginaldo Rossi...
Tomei muito porre ao som do “Garçom”!...
Hoje, como não bebo mais, a tara desapareceu.
Fiquei, é claro, um pouco melhor por parar de beber: menos despirocada e diz que um pouco mais “lúcida”...
Mas ouvir ou não ouvir o Reginaldo não me tornou nem melhor, nem pior.
Era um gosto, apenas. E não uma traço de personalidade.
Então, pense duas vezes antes de sair por aí, nas redes sociais, xingando ou depreciando as pessoas apenas por terem gostos diferentes dos seus.
É claro que a música, a poesia, a literatura, as artes de um modo geral, exercem sobre nós um encantamento que só as relações afetivas, com nossos parceiros, filhos, amigos, conseguem também exercer.
Mas isso, em vez de nos colocar em pé de guerra, deveria era ser um motivo a mais para nos tornarmos mais tolerantes.
Afinal, o encantamento que sentimos por isto ou aquilo é o mesmíssimo que o outro também sente por aquilo de que gosta.
E a sua sensação do “não-gostar” é a mesmíssima que o outro sente também.
Respeite o outro: o gosto, a opinião, o espaço, a vida do outro!
Você não é única pessoa inteligente e com direitos neste mundo.
E nem o outro é uma extensão ou uma propriedade sua.
Queria também deixar aqui o meu lamento pela morte da Marília Mendonça.
Não por sua música, que, como já disse, desconheço.
Mas pelo fato de ser uma menina de 26 anos, com idade de ser minha filha, que se foi de maneira tão brusca e prematura.
Lamento por seu filhinho, ao que li, com apenas dois aninhos, que crescerá sem o carinho de sua mãe.
E lamento, sobretudo, pela mãe da Marília, cuja dor, neste momento e pelo resto da vida, é a pior que qualquer ser humano pode sentir...
Tenho certeza de que Deus recebeu essa menina em Sua luz.
E peço que Ele conforte todos aqueles que tanto a amavam.
E que Console os milhões de fãs que viram na história e na música de Marília uma inspiração para as suas próprias vidas.
FUUUIIIII!!!!
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Esta
postagem foi corrigida, já que uma leitora do blog me alertou, no Face, que
Marília deixou um filhinho, e não uma filhinha como eu havia escrito. Peço perdão aos leitores pelo equívoco.
Um comentário:
Considere que é direito de cada um ter o próprio paladar. Eu não suporto o estilo de música que ela sustentava. 🤷♂️
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