sexta-feira, 15 de maio de 2020

Inacreditável: Conselhos de Medicina tentam barrar médicos cubanos, apesar da pandemia de Covid-19. Secretarias Municipais de Saúde do Pará ajuízam ACP para contratação desses profissionais, devido à situação dramática do estado, o segundo pior do Brasil em número de médicos por 1000 habitantes. Governo e rede particular não conseguem contratar médicos em quantidade suficiente. Municípios precisam de pelo menos 300 profissionais.





É incrível, mas verdadeiro: os estados e municípios brasileiros e até a Defensoria Pública da União (DPU) estão tendo de brigar na Justiça contra o Conselho Federal de Medicina (CFM) e seus conselhos regionais (CRMs), para que os médicos cubanos possam atender a população durante a pandemia de Covid-19.

Até ontem, 14/05, o Brasil já possuía 203 mil casos confirmados da doença, e quase 14 mil mortos. No Pará, eram 11,5 mil casos e 1.095 mortos.

A velocidade com que a Covid-19 se alastra agravou, de maneira inimaginável, a crônica falta de leitos hospitalares, UTIs e profissionais de Saúde: em vários estados, há pacientes morrendo em casa ou até na porta de UPAs e hospitais, devido à impossibilidade de atendimento gerada pela hiperlotação.

E tantos são os mortos, nas unidades de saúde ou fora delas, que caminhões frigoríficos estão sendo usados como extensão de institutos médicos legais, para a recolha de corpos.

O quadro é de guerra, de emergência sanitária.

Mesmo assim, o CFM insiste em barrar a contratação de médicos formados no exterior que não tenham realizado o Revalida, o exame para a revalidação de seus diplomas em território nacional.

E isso apesar de o Revalida não ser realizado desde 2017 e de o próximo exame estar previsto apenas para outubro, quando, certamente, muita gente já terá morrido por falta de atendimento.

Além disso, muitos desses médicos cubanos já atenderam a população brasileira durante o programa Mais Médicos. E, até onde se sabe, trabalharam muitíssimo bem.

Como disse o ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em uma entrevista ao jornalista Juca Kfouri, em 2018, a competência desses profissionais é mundialmente reconhecida.

Agora mesmo, durante a pandemia, dezenas de países (inclusive da Europa) estão a receber a ajuda de médicos cubanos, que muitas vezes desembarcam nos aeroportos sob aplausos da população.

Então, o que é que alega o CFM para se opor à contratação desses médicos?

Segundo o CFM, o Revalida diminui o risco de expor os pacientes a profissionais sem a devida qualificação.

Estaria certíssimo, não fosse por um “detalhe”: neste momento, impedir o trabalho de médicos formados no exterior, que possuem autorização para exercer a Medicina em seu país de origem, significa expor milhares de pacientes a um risco infinitamente maior, já que ficarão sem médico algum.

Bem mais provável, porém, é que a preocupação do CFM seja outra: o corporativismo, a reserva de mercado, o que revela um nauseante descompromisso com a população.

E não “apenas” com a população em geral: é um descompromisso com os próprios médicos brasileiros, que estão a ser contaminados, e até a morrer, em meio a jornadas desumanas de trabalho, já que em número claramente insuficiente para tantos pacientes de Covid-19.

No entanto, há uma prova dos nove fácil, fácil que esses senhores e senhoras do CFM e dos CRMs podem nos dar, de que estão realmente preocupados com a saúde do nosso povo, e não com a simples reserva de mercado.

Basta que peguem seus jalecos tão bem engomados e vão trabalhar lá em Curralinho, lá em Bagre, lá em Anajás, lá em Melgaço, onde o nosso povo, há décadas, sofre e morre por falta de atendimento.

Ontem, um juiz federal de São Paulo negou a liminar pedida pela Defensoria Pública da União (DPU), para que o CFM e o Governo Federal (os dois parceiros dessa empreitada insalubre) parassem de inviabilizar a contratação de médicos formados no exterior, que ainda não fizeram o Revalida, por órgãos públicos de todo o país.

Também ontem, o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado do Pará (COSEMS) ajuizou Ação Civil Pública (ACP), na Justiça Federal, pedindo uma liminar para que as nossas prefeituras possam contratar médicos formados no exterior, durante essa pandemia.

Médicos que embora não tenham feito o Revalida, possuam autorização para o exercício profissional em seus países de origem, ou tenham atuado no Mais Médicos.

O COSEMS quer que o Conselho Regional de Medicina do Pará expeça licenças provisórias para que esses profissionais possam trabalhar nos nossos municípios, enquanto durar a situação de calamidade pública que eles enfrentam.

Mas o CRM/PA já criticou publicamente a contratação de médicos cubanos pelo Governo do Estado, o que indica que poderá assumir a mesmíssima posição vergonhosa do CFM.

A Ação Civil Pública do COSEMS é assinada pelo advogado Napoleão Nicolau da Costa Neto.

Ela está nas mãos do juiz federal Jorge Ferraz de Oliveira Junior, que mandou intimar o CRM e o Governo Federal, para só então decidir sobre a liminar.

O COSEMS observa que apesar das medidas adotadas pelo Governo do Estado e prefeituras, crescem os casos confirmados e as mortes provocadas por essa doença, situação que deverá se agravar nas próximas semanas.

Também observa que a ampliação do atendimento à população esbarra na carência de médicos, problema que atinge até mesmo a rede particular: a Unimed, o maior plano de saúde do estado, “luta para atender seus clientes, tendo que suspender seu atendimento em diversas ocasiões pela falta de médicos”.

O próprio Governo do Estado tem dificuldades para contratar esses profissionais: “Há mais vagas do que interessados. Em recente parecer, cuja cópia segue em anexo, foi admitida a contratação de médicos cubanos, ainda que não disponham de diploma revalidado ou registro no Conselho Regional de Medicina, em tudo observada a necessidade da população”, diz a ACP.

“Neste caso, o Estado do Pará entendeu por revalidar, provisoriamente, os diplomas dos médicos cubanos que se propuserem a trabalhar para o Estado, através da Universidade do Estado do Pará, face a não ocorrência do REVALIDA desde 2017”, acrescenta.

Além disso, quase metade dos profissionais de saúde da rede pública estadual está afastada do trabalho, ou por pertencer a algum grupo de risco, ou por ter sido contaminada por esse vírus (um problema que também atinge em cheio as prefeituras).

“Disso tudo resulta que o quadro epidemiológico é gravíssimo no Estado, principalmente na Capital, há carência notória de médicos para atuar na atenção básica e como intensivistas nas UTIs, as vagas existentes e disponibilizadas pelo Estado não estão sendo preenchidas pelos mais diversos motivos, incluindo a falta de profissionais interessados”, assinala.

De acordo com o COSEMS, o Pará é o segundo estado do Brasil com a menor quantidade de médicos por 1.000 habitantes, perdendo apenas para o Maranhão.  

Para completar, diz o Sindicato dos Médicos do Estado do Pará (SINDMEPA), 42% dos casos confirmados de Covid-19 no Pará são de profissionais de saúde, devido à falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e até mesmo de água e sabão.

Apenas os municípios que apresentaram suas demandas ao  COSEMS necessitam de pelo menos 304 médicos. Em várias dessas cidades, há unidades de saúde que não dispõem nem sequer de um desses profissionais.


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