quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Almas excessivas




Éramos muito moleques – jovens e muito moleques...

Para você ter ideia, caro leitor, uma das nossas brincadeiras favoritas era apertar as campainhas das casas de uns pobres coitados e sair correndo.

Em geral, era alta madrugada e estávamos pra lá de bêbados.

(E eu fico imaginando a raiva que deviam sentir os donos daquelas casas, cujas campainhas aqueles cavalões resolveram apertar...)

Não havia “recanto sórdido” desta cidade que não frequentássemos: Lapinha, Bar do Parque e até um tal de Bar do Francês, que ficava em plena Riachuelo, e que eu acho que nem existe mais.

Certa vez, lá no Bar do Francês, demos até para escrever poesias – e poesias, obviamente, pornográficas.

Era proibido? Era maldito? Ah, mas nós adorávamos todas as proibições e maldições!

Elas como que nos faziam sentir viva a alma; elas como que nos aproximavam dos malditos de todos os tempos, que tanto admirávamos.

Éramos todos profundamente excessivos: bebíamos demais, transávamos demais, trabalhávamos demais...

Precisávamos devorar a vida, antes que ela nos devorasse...

Embora jovens, havia em nós uma urgência difícil de explicar.

E junto a ela, entrelaçada com ela, uma profunda descrença em quase tudo o que nos rodeava.

Hoje, olhando para trás, penso que o que nos irmanava, em verdade, era a dor de estar vivo, coisa que a maioria passa pela vida sem nem mesmo perceber, mas que nós compreendíamos tão bem...

Como gostávamos de ler, pensar, escrever, tínhamos, ainda jovens, a perfeita noção de nossa própria efemeridade, e de tudo o que muitos imaginam “eterno”...

De certa forma, descemos às entranhas do mundo, da História e das gentes. E não, não gostamos do que vimos, inclusive, em nós.

É daqueles tempos vorazes que me lembro do Euclides Farias, que ontem partiu para junto de Nosso Senhor.

Éramos uma turma grande, quase todos jornalistas do jornal O Liberal.

Tínhamos uns 20 e poucos anos e estávamos praticamente a iniciar nessa profissão, que, certamente, nenhum de nós imaginava o quanto nos cobraria...

Confesso que, nos últimos anos, quase nem falava com o Euclides, pouquíssimas vezes o vi. Assim como há muitos anos também não vejo todos os que faziam parte daquela nossa molecada.

Nossas vidas, por vezes, tomaram rumos improváveis.

Para começo de conversa, sobrevivemos, e bem mais que o esperado, às nossas almas excessivas: viramos papais e mamães, vovôs e vovós, além de profissionais tarimbados.

E, é claro, nunca mais saímos por aí apertando as campainhas alheias, até porque o reumatismo já não nos permite...

No entanto, apesar da distância, sei que todos nos levaremos pro túmulo, nas lembranças daqueles tempos tão fantásticos...

Agora mesmo, enquanto escrevo, quase que consigo enxergar o Euclides, o nosso “Urubu Malandro”, bêbado que nem um cacho.

Aliás, vou até tomar umas quantas, em homenagem a ele, ao som do nosso amado Noel.

Até breve, cumpadi. Até breve, Urubu.

FUUUIIIII!!!!!

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