É tentador imaginar que o que vimos, ontem, na
Câmara dos Deputados, seja apenas o resultado de um sistema eleitoral falido, ou
até de conspirações.
Fala-se que Eduardo Cunha teria ajudado nas eleições
de vários deputados - e as listas da Odebrecht apontam nesse sentido.
Além disso, há o lobby dos evangélicos, dos
ruralistas etc&tal.
E, é claro, a tendência do PMDB de se aglutinar,
quando estão em jogo os interesses partidários, como vemos agora, com a
possibilidade da ascensão de Michel Temer à Presidência da República.
Seria realmente muito mais simples se aquela Câmara
fosse apenas o resultado de uma grande conspiração.
E se o que tivesse faltado ali fossem cargos ou
dinheiro, para comprar todas aquelas vestais.
No entanto, o problema é muito mais complexo.
No ano passado, houve uma onda de protestos, nas
redes sociais, contra um beijo gay entre as atrizes Nathália Timberg e Fernanda
Montenegro, em plena novela das 8.
A onda foi tão forte que até a poderosa Rede Globo teve que
recuar.
O escândalo foi maior, é verdade, porque o beijo foi
entre duas idosas.
Daí que não podia nem mesmo servir às fantasias
sexuais do distinto público, restando apenas o amor gay nu e cru.
Quem olhou atentamente aquele episódio, viu, é
claro, um retrato da hipocrisia nacional.
Afinal, as mesmíssimas pessoas que reclamavam por
terem seus filhos “expostos” a um beijo de amor, nada diziam sobre a exposição
deles à incitação à violência, que grassa em toda a imprensa, sob a máxima de
que “bandido bom é bandido morto”.
Ontem, a “família brasileira”mostrou, novamente, o
quanto é ignorante, conservadora e hipócrita; o quanto a sua “moral e bons
costumes” está contaminada pela imundície.
Papais e mamães, vovôs e vovós, tão orgulhosos de
sua descendência, até citavam os nomes de seus filhinhos e netinhos, quando proferiam
o voto a favor do impeachment da presidenta.
A mesa dos trabalhos era conduzida por um corrupto
notório; réu em processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF); e que
mentiu, na cara dura, aos congressistas, ao afirmar que não possuía contas no
exterior.
Corruptos de todos os matizes, acusados de toda sorte
de crimes, revezavam-se no microfone, em discursos inflamados contra a
mesmíssima corrupção de que são acusados.
Houve até quem elogiasse a tortura, um crime
hediondo, ao dedicar o seu voto golpista a um dos piores torturadores da História
do Brasil: o coronel Brilhante Ustra, o comandante dos animais do DOI- Codi,
que estupravam mulher com cassetete e espancavam até grávidas.
Mesmo assim, papais e mamães, vovôs e vovós, dentro
e fora do Plenário, entendiam que estavam diante de um episódio dignificante, e
até mesmo pedagógico, para os seus pimpolhos.
Em suma: amor gay não pode. Mas pode todo aquele
espetáculo pornográfico que o Brasil teve que assistir no dia de ontem.
O que realmente assusta é que tais deputados não são
ETs. Tampouco, e por incrível que pareça, emergiram do inferno.
Todos são cidadãos eleitos pela maioria da população
brasileira, para representá-la.
E não em uma Câmara de Vereadores, que é, digamos
assim, o grupo escolar da política. Mas, na Câmara dos Deputados, uma das
instâncias mais importantes do Legislativo, e onde é necessário ter milhares e
milhares de votos, para conseguir entrar.
Aquele discurso que ouvimos repetidamente, ontem, “em
nome de Deus, da tradição, família e propriedade” (e que é o mesmíssimo de 1964)
deve ter sido usado nas campanhas eleitorais desses deputados.
Ou seja: seus eleitores apoiam esse pensamento
conservador.
Porque são extremamente permissivos quanto à
corrupção, que serve apenas de “mote útil” contra adversários, mas "zelosos" de
seus “valores familiares” (até que sejam apanhados é, claro, em “flagrante
adultério”, ou até na exploração sexual de crianças e adolescentes...).
Não é crível que tais deputados tenham sido eleitos
apenas pela classe média e pelas elites, que formam uma parcela muito pequena
do eleitorado – embora, é claro, com enorme poder de “convencimento” eleitoral.
Bem mais lógico é que esse pensamento perpasse toda a
sociedade brasileira: ricos, pobres, remediados; brancos, negros, pardos;
homens e mulheres; jovens e idosos.
E é bem possível que seja a construção da tolerância
o maior incômodo desses milhões de brasileiros, em relação às esquerdas.
Uma tolerância que não contempla apenas os
homossexuais. Mas também o direito das mulheres sobre o próprio corpo e a
própria vida; o direito dos negros à Educação e à ascensão social; o direito de
crianças e adolescentes de serem vistos como cidadãos, e não apenas como “patrimônio”
paterno.
No fundo, é a revolta da família patriarcal. É uma
questão ideológica.
Daí a dificuldade de um governo de esquerda ou de
centro esquerda em negociar com um Congresso desses.
O que é que vamos lhes oferecer?
Eles são corruptos, mas não querem apenas cargos. Eles querem, na verdade, é submeter toda a sociedade à sua cartilha intolerante.
E isso é outra coisa importante que a votação de
ontem mostrou.
Primeiro: nenhum governo de esquerda ou de centro
esquerda terá condições de governar com aquela Câmara.
Segundo: Eduardo Cunha é o virtual presidente da
República do Brasil.
É ele quem dá as cartas, na Câmara e, talvez, até no
Senado e no STF.
E apenas por distribuir benesses a vários políticos?
Não. Isso pesa, é claro. Mas pesa, também, o fato de ele ser, hoje, a maior
liderança desse pensamento conservador.
Cunha acuou Dilma. E enquanto ela e o PT não mexeram
com os interesses dele, nada aconteceu.
Mas bastou que Dilma desarticulasse um esquema de
corrupção do qual ele era beneficiário, e que o PT se juntasse aos que pedem a sua cassação, para que mostrasse o poder de fogo que possui.
Portanto, o que vimos, ontem, foi, sobretudo, uma
demonstração de força.
Nenhuma agenda avançada passará, na Câmara, enquanto
Cunha for o seu presidente.
E todos os direitos trabalhistas e das minorias
estarão em risco, ainda que Dilma consiga se manter no poder.
Ao que parece, a sociedade brasileira chegou a uma esquina em que o confronto será, simplesmente, inevitável.
FUUUUUUIIIIIIIII!!!!!!!!
2 comentários:
Guardadas as proporções. Se hoje Jesus Cristo viesse viver no Brasil, seria execrado por essa turba, como o foi em Israel 2 mil anos atrás.
E ele seria preso por delegado de polícia, como foi o INRE de Índia. Lembram? Que pegou o cara é jogou no São José? Claro que o INRE e chamado de impostor. Mas paremos pata pensar : e se os céus resolvesse mandar o INRE, em forma de pegadinha, heim!?
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