Eu mesma, às vezes, tenho medo deste meu pragmatismo; da frieza com que analiso o quadro político.
Isso tem uma certa vantagem, é verdade, na medida em que nos leva a encarar a realidade “bruta”, apesar dos nossos eventuais interesses.
Mas, às vezes, pode trazer uma certa desesperança à maioria.
E é por isso que gostaria de voltar ao Sarney e a essa evisceração pública do coronelismo que estamos a fazer.
Não posso jamais afirmar o contrário do que afirmei na postagem da semana passada: que Sarney pode até cair, mas que o coronelismo, pela própria permissividade da cultura brasileira, sobreviverá.
Estaria mentindo se escrevesse algo diferente.
Porque transformações culturais não se resolvem assim, magicamente.
Dependem de lutas travadas ao longo de décadas, por vezes, séculos.
Mas, o fato de nos indignarmos com tudo isso; de, ao menos, a elite brasileira se indignar diante disso, já é um sinal alentador de toda a contracultura que conseguimos acumular, desde 1.500.
Há 200, 300 anos é muito provável que nada disso significasse coisa alguma para a maioria dos que estão nos degraus mais elevados da pirâmide social.
Um ou outro levantaria a sua voz, nas ruas, no Parlamento, mas seria olhado como um corpo estranho; seria quase que um extraterrestre.
Hoje, no entanto, o coronelismo, o feudalismo, que desde sempre dominou a política brasileira, já consegue indignar a maioria dos que estão no topo dessa pirâmide social.
É um avanço formidável, numa Nação que já nasceu a parir privilégios.
O tipo de avanço que a Europa levou milênios para alcançar.
Por isso, a lucidez que precisamos ter, no sentido de que Sarney representa apenas a prática corrente de uma cultura, não pode nos levar a imaginar que de nada adianta lutar contra isso.
Pelo contrário: temos a imensa responsabilidade de dar o nosso piteco; de colocar a nossa pedrinha, o nosso tijolinho nessa enorme construção iniciada pelos nossos tatatatatatatatatatatatataravós.
É muito improvável que vejamos “com os próprios olhos” o nosso povo a sair às ruas, indignado, contra o nepotismo.
Mas, certamente, os nossos tatatatatatatatataranetos verão algo assim.
E nós, através dos olhos deles!...
Uns olhos, talvez, até espantados diante de tão extraordinário avanço.
Como veriam os olhos de nossos tatatatatatatataravós a queda de uma ditadura ou de um Collor de Mello...
Como veriam os olhos dos nossos tatatatatatataravós a luta contra o racismo e, aquela que vai se adensando, pela preservação ambiental.
O que temos de compreender é que nada começa em nós; talvez, quem sabe, nos primeiros homens das cavernas...
Mas, cabe a cada um de nós, que conseguimos trazer essa caminhada até aqui, prossegui-la com a mesmíssima firmeza com que prosseguiriam os nossos tatatatatatatatatataravós.
Mesmo sem o conhecimento – que hoje temos! - da roda “imparável” que é a História.
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