Pobreza e pedofilia: até quando?
Recebi, nesta semana, do gabinete do deputado Bordalo, a matéria abaixo, de autoria da jornalista e blogueira Franssinete Florenzano.
Infelizmente, andei tão balada que nem consegui colocá-la no blog.
E ia fazê-lo – o que normalmente não faço – devido à qualidade da reportagem, que achei muito boa e muito importante para todos nós.
Hoje, estou atualizando o blog com a matéria sobre as viagens do Governo do Estado e já se passaram vários dias desde que recebi essa matéria.
Mas, quero muito que ela fique registrada na Perereca. Por todas as denúncias que contém.
Assim, decidi publicá-la, apesar do atraso. Ei-la:
“O arquipélago do Marajó registra um índice de desenvolvimento humano (IDH) comparável ao dos países mais pobres da África. A população está mergulhada na pobreza, no desamparo, tráfico humano e de drogas, com milhares de casos de pedofilia, abuso e exploração sexual infanto-juvenil, grilagem de terras e desmatamento ilegal. Há grave violação dos direitos humanos envolvendo principalmente mulheres, adolescentes e crianças. A malária em Anajás é uma tragédia à parte no município com cerca de 25 mil habitantes. Para se ter idéia, em 2007 foram registrados 10 mil casos, 800 por cada mil habitantes - o tolerável são 50 casos para cada mil. Mais alarmante é que o poder público, mesmo ciente, não toma providências.
“A sociedade está doente, moribunda e a cidadania não existe”, denuncia Dom José Luiz Azcona Hermoso, bispo do Marajó, contando que chegam a divulgar o preço pela cabeça de quem se opõe às quadrilhas que infestam as ilhas. “Isso é uma apologia ao crime. É um grito à consciência dos senhores deputados e senadores”, disse, ao pedir que os parlamentares busquem solução para a violência no Pará.
O conteúdo estarrecedor do relato do bispo à CPI da Pedofilia no Pará nesta quarta-feira, 14, está registrado em documentos entregues oficialmente à Comissão. Um deles é o Relatório da Audiência Pública sobre a situação de exploração e abusos praticados contra crianças e adolescentes realizada no município de Portel, no dia 11 de maio de 2006, produzido pelo assessor Amarildo Geraldo Formentini (morto em um acidente de carro na rodovia Belém—Brasília, em dezembro de 2007, em circunstâncias até hoje não esclarecidas), designado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias para representá-la no acompanhamento da tomada de depoimentos, recolhimento de provas sobre trabalho escravo e exploração sexual infanto-juvenil na região do Marajó e adjacências, além de levantamentos referentes à situação das comunidades remanescentes de quilombos, envolvendo inclusive autoridades públicas, como é o caso dos vereadores Roberto Alan de Souza Costa, o "Bob Terra" (que estuprou uma criança de 13 anos de idade) e Adosn de Azevedo Mesquita (também acusado de estupro de menores).
No relatório, um dos depoimentos mais contundentes foi o da senhora C.M.F.C., que “reafirmou publicamente, perante todas as autoridades presentes, que sua filha, a adolescente J.C.A. fora vítima de estupro praticado pelo Vereador da Câmara Municipal de Portel, Roberto Alan de Souza Costa, no dia 05 de abril de 2006. A Sra. C. também denunciou a atitude do Promotor de Justiça da Comarca de Portel, Dr. Carlos Lamarck Magno Barbosa, com a adolescente J.. Acompanhado da aliciadora "Catuta" e de sua mãe (condenada por tráfico de drogas,) fez uma abordagem de forma abrupta e ameaçadora, na porta de sua residência, causando forte constrangimento à menor e a sua família. Esse fato levou a mãe da vítima a pedir o afastamento do referido Promotor do caso de estupro praticado pelo vereador "Bob Terra".”
“A CDHM testemunhou depoimentos de vítimas que afirmam que o Promotor de Justiça, se fazendo acompanhar da jovem conhecida por "Catuta" (Marlúcia Caldas de Almeida) e sua mãe Sra. Nazaré, foram nas casas das vítimas pedindo a essas que dissessem que o Sr. Amarildo Formentini teria dado dinheiro a elas (vítimas) para que falassem em seus depoimentos que tinham sido alvos de abusos sexuais. Registre-se ainda que esta CDHM obteve informações de que à noite, na mesma data da Audiência, o Promotor reuniu-se na Prefeitura da Cidade, com meninas que deram entrevistas à imprensa, o que nos causa estranheza e, no mínimo, precisa ser investigado. Como também precisa ser investigada a ausência do Promotor na Comarca de Portel, no período de 05 a 24 de abril deste, apenas retornando quando o assessor Amarildo Formentini noticiou o fato às autoridades competentes. Ressalte-se que o assessor da CDHM mostrou todo o documentário ao dito Promotor que se disse pasmo com o que viu nas filmagens.” (sic)
O chocante depoimento de Dom Azcona à CPI da Pedofilia não pode ficar sem eco. A exploração de crianças é uma vergonha, uma ferida profunda no Estado do Pará. No Marajó, extremamente pobre e esquecido, não há qualquer controle policial, acusa o bispo. Os rios são rotas para o tráfico de madeiras, drogas e pessoas, é um território de ninguém, situação perpetuada pelo descaso, conivência e corrupção. Meninas costumam vender o corpo nos barcos que passam, o que rendeu a elas o apelido de balseiras. Isso faz com que as famílias miseráveis se desintegrem moralmente, observa o sacerdote. O estado de necessidade de dinheiro faz com que as pessoas encarem qualquer coisa, achem natural e até bom o narcotráfico, porque os traficantes dão comida e remédios. Algumas meninas vendem o corpo por um pouco de óleo diesel com o consentimento da família.
A beleza do arquipélago do Marajó rivaliza com a miséria da região, cortada por imensos rios. Integrado por mais de 3 mil ilhas e ilhotas praticamente inacessíveis, o abandono pelo poder público é secular. Seus 16 municípios abrigam mais de 400 mil pessoas. A economia depende do corte de madeira, do trabalho em fazendas de criação de gado ou da coleta de frutos e sementes nativas. “Aqui a gente convive com a fome, fome brava mesmo”, testemunha a Irmã Rita Raboin, religiosa que mora no local há mais de três anos.
O caso do Tajapuru, onde crianças se prostituem por um quilo de carne e um litro de óleo, é emblemático. As “balseirinhas”, meninas na faixa de 12 anos, ficam à beira dos rios esperando clientes, não importa a hora do dia em que passam. O sexo é pago em litros de óleo diesel. “É uma situação vergonhosa, mas comum, rotineira!”, escandaliza-se Dom José Luiz Azcona, clamando por justiça e proteção a essas crianças e adolescentes, e também fazendo duras críticas às autoridades policiais, coniventes com a situação. “No Marajó foi descoberto um policial que fazia parte de uma quadrilha de tráfico humano, onde 178 mulheres, delas também menores, sendo 52 de Breves, foram enviadas para prostituição na Guiana Francesa”, apontou o bispo.
“E não é só aqui no Marajó. O mesmo está acontecendo em várias outras cidades. Em Santarém, Bragança, Abaetetuba, Cametá, Belém, Marajó, Altamira, Xingu… No Pará, esta problemática está se expandindo cada vez mais. Isso é um fato que se agrava”, indigna-se o religioso.
O abuso sexual intrafamiliar e interpessoal (incesto, pedofilia, estupro, pornografia) e a exploração sexual comercial e não comercial (exploração sexual na prostituição/prostituição infantil, exploração sexual no turismo, pornografia e pedofilia, tráfico para fins sexuais) impedem que as crianças e adolescentes pobres, presentes no contexto histórico como alvo de discriminação e maus-tratos, tenham acesso a uma vida digna.
Dom José Luiz Azcona Hermoso, há anos, tem bradado à exaustão sobre as condições miseráveis em que vive a população do Marajó, denunciando ainda a devastação ambiental, a pesca predatória de arrastão na desembocadura do Amazonas, o descarte criminoso de peixes que deixarão de alimentar a população pobre, apenas para recolher o rendoso camarão que vai para o prato dos ricos.
O bispo diz que a CNBB denuncia a barbárie contra a civilização, por isso atrai para seus membros a ira de criminosos poderosos. As ameaças e assassinatos de religiosos não são novas, condenados e executados pela justiça privada dos que se entendem acima da lei e da ordem. O assassinato da Irmã Dorothy Stang, em 2005, é marco indicativo dessa lógica perversa.
Uma notícia que dá algum alento é que, no último dia 25 de novembro, foi sancionada pelo presidente Lula a lei nº 11.829/2008, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente e criminaliza condutas relacionadas a pedofilia. A nova legislação aumenta a pena do agente em 1/3, quando o criminoso tiver se valido das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou de relações de parentesco consanguíneo ou afim até o terceiro grau, ou ainda quando comete o crime com filho adotado, com criança ou adolescente de quem seja preceptor, com o tutelado, curatelado, empregado, ou quando mantenha qualquer tipo de relação de autoridade com a vítima.
Com isso, o legislador passou a punir com maior gravidade o abuso sexual por pessoas que se valham de relações familiares, de confiança ou de autoridade para a prática do crime. Não raro, crianças e adolescentes são vítimas de pais, tios, patrões e outras pessoas em quem confiam ou a quem devem respeito, o que as deixam muito mais vulneráveis.
A lei torna claro que haverá crime de pedofilia mesmo quando a prática sexual ocorra com o consentimento da vítima.A relação sexual mantida com menor, mesmo com o seu consentimento, corresponde à figura do estupro presumido. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Segundo o ministro do STJ Vicente Leal, a circunstância de haver tido o consentimento da menor nas relações sexuais não desfigura o delito, persistindo a lesão ao bem jurídico tutelado, pois a criança permanece sofrendo a ação criminosa do réu, de modo continuado, sendo certo que atenta contra a natureza a prática de atividade sexual em idade infantil”.
Fonte: Franssinete Florenzano
Data da publicação: 15/1/2009
Um comentário:
Ai, Meu Deus, que vergonha! Que vergonha!
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