O Pará de Jatene: enquanto o governador pesca, delegado vira promotor, advogado de defesa, juri, juiz e tribunal de recursos |
É impressionante a situação a que chegou o estado do Pará.
Ontem, 17, dirigi-me à
Delegacia de Meio Ambiente (DEMA), na Augusto Montenegro, para registrar um
Boletim de Ocorrência (BO) pelos maus tratos infligidos a uma cadelinha, de
nome Laila, que um vizinho manteve acorrentada por praticamente 48 horas, nos
últimos dois dias – sem falar na fome e sede que ela já passou nas mãos dele.
Trata-se de um filhote de
apenas quatro meses que vinha sendo TORTURADA.
Sim, porque penso que
devemos chamar as coisas pelo nome verdadeiro. E manter um cachorro acorrentado
dia e noite é, sim, TORTURA.
Pois muito bem. Fui à DEMA
toda serelepe com a cadelinha, imaginando que não teria qualquer dificuldade em
registrar a ocorrência e entregar o bichinho à guarda do Estado, se fosse o caso.
Afinal, tenho fotos (cuja
qualidade, é verdade, precisa ser melhorada), além de testemunhas sobre o
abandono e maus tratos.
No entanto, para minha
surpresa, a delegada se negou a registrar o BO.
Segundo a ilustríssima-
doutora- delegada, não haveria “materialidade” no caso, já que o veterinário da
DEMA, em exame “olhístico”, mais rápido e profundo que de médico do SUS, não
constatou sinais de maus tratos.
Ainda tentei argumentar
que possuo provas; que a cadelinha estava a sofrer danos psicológicos devido
aos longos períodos de acorrentamento e que, certamente, existem outras
opiniões técnicas além daquela do
veterinário da DEMA.
Também argumentei que fui
eu a garantir até o básico da assistência veterinária a essa cadelinha: aos
três meses, quando ela chegou ao condomínio onde moro, não havia sido nem vermifugada.
Fui eu a chamar uma
veterinária (que se dispôs a fornecer um documento atestando isso). Paguei o
vermífugo, as vacinas, ração para filhotes, vitaminas e até mesmo o shampoo, para curar as
feridas provocadas por pulgas e carrapatos.
Tenho sido eu, aliás, a
cuidar muitas vezes da Laila, acolhendo-a quando foge. Já tomei conta dela por
dias e dias, enquanto seus “donos” simplesmente desapareciam, para ir passear.
Na maioria das vezes, eles nem mesmo se preocupavam em saber onde ela estava ou
se até corria risco de ser atropelada na BR.
Nenhum dos meus
argumentos, porém, sensibilizou a ilustre delegada, que decidiu, sem nem mesmo
examinar as provas que possuo, que não há crime nem nada. Daí a recusa de, ao
menos, fazer um BO.
Confesso que fiquei
profundamente chocada. Afinal, a ilustre delegada
fez o papel de ministério público, defesa, júri, juiz - e tribunal de recursos.
Todo o processo legal
resumiu-se à opinião dela. E todos os elementos probatórios foram resumidos a
um laudo veterinário – e “olhístico”, diga-se de passagem.
Daí ter chegado à
conclusão que a gente anda é torrando milhões à toa. Afinal, para que pagarmos
juízes, promotores, advogados de defesa quando nos bastam uns doutos e
eficientíssimos delegados?
É a solução para o
emperramento do Judiciário brasileiro: um rito sumaríssimo “aos costumes”, no qual inexiste o direito ao
básico, que é denunciar.
Fiquei a pensar com os
meus botões: se fazem isso comigo, que sou jornalista e sei que eles não podem se
recusar a registrar um BO, avalie o que não acontece com um cidadão lá do
Tucunduba, para quem, às vezes, é Deus no céu e o doutor delegado na Terra...
Mas assim é fácil, né
não?, “reduzir” as ocorrências policiais...
Um sujeito que andava pra
lá e prá cá, evoluindo que nem passista de escola de samba, ainda me lançou um
olhar irônico quando eu disse que queria a identificação da delegada – como se
fosse algo de extraordinário um cidadão solicitar a identificação de um
servidor público.
Disseram-me que se chama
Juliana Cavalcante. Mas como não vi a sua identidade funcional, não posso nem afirmar
que seja esse, realmente, o nome dela.
Ainda solicitei à DEMA que
me fornecesse, por escrito, a recusa ao BO - mas tudo o que consegui foi um chá de cadeira.
Também pedi o número da
Corregedoria da Polícia Civil. Forneceram-me o 40069062, para o qual liguei sem
obter resposta (sou muito ingênua, né não?, em ainda perder meu tempo tentando
ligar pra essa tal de Corregedoria...).
Já em desespero, resolvi
apelar ao Ministério Público. Liguei para o pessoal da área de Improbidade e
fui orientada a procurar a Promotoria de Justiça de Controle Externo da
Atividade Policial, que funciona na 16 de Novembro, na Cidade Velha, em Belém,
no mesmo prédio do MP Criminal.
Mesmo tendo chegado lá
antes das 14 horas, dei de cara com um cartaz que dizia: “Nesta Quinta-feira,
17/12/2015, o expediente na PJCEAP encerra-se às 12:00h, em virtude da
confraternização de final de ano dos seus membros e servidores. Os documentos
endereçados a esta Promotoria deverão ser entregues na recepção”.
Tirei fotos do cartaz e
comecei a reclamar: “mas este Pará está realmente entregue às baratas!... Quer
dizer que até mesmo o xerife, o fiscal da Lei, resolve ir flanar em
confraternizações, em pleno meio de semana?”
Por sorte, parece que
alguém, além de Deus, me ouviu. Pouco depois uma funcionária me informou que,
na verdade, os promotores apenas haviam saído para almoçar, mas que logo me
atenderiam...
Fui recebida pelo promotor
Alcenildo Ribeiro Silva (muito atencioso, por sinal) que registrou a ocorrência
e ficou de enviar, hoje, uma requisição à DEMA, para que seja instaurada a
investigação criminal. O doutor
Alcenildo também ficou de encaminhar o caso à Promotoria de Meio Ambiente, que cuida
de maus tratos a animais.
Ainda tentei, caro leitor,
dar uma “fuçada”, para saber se são frequentes, no MP, os casos em que os
nossos doutos delegados se recusam a registrar um simples BO.
Fui informada
de que isso seria “raríssimo”.
No entanto, fiquei a
pensar, cá com os meus botões: quantos cidadãos é que sabem da existência dessa
Promotoria?
Será que o cidadão lá do
Guamá sabe que pode recorrer a essa Promotoria quando um policial se recusa a registrar um BO? Cadê os números sobre esse tipo de coisa?
Penso que a hipótese
contrária é mais verossímil: o sujeito deve voltar da delegacia com uma enorme
sensação de impotência, ao lhe ser negado, sumariamente, o direito de denunciar
um crime.
E eu que imaginava, em
minha santa ignorância, que quem decidia a culpa ou a inocência de alguém, e
mesmo assim depois de examinar todas as provas, eram os nossos meritíssimos.
Mas neste faroeste que é o
Pará de Jatene, pode tudo, né não?
E o interessante, caro
leitor, é que uma simpatizante de uma ONG de defesa dos animais até se admirou de
eu ter conseguido, ao menos, ser atendida na DEMA.
Segundo ela, até conseguir
ser atendido é muito difícil.
Um integrante de outra
entidade me disse que o problema é a insuficiência de gente e de meios, para uma delegacia como aquela, com atuação em todo o estado.
Ou seja: o prédio está
ali, para a propaganda da Griffo fazer o maior alarde com uma ou outra ação.
Mas como não tem gente e nem recursos suficientes, acaba se tornando quase que ficcional.
É ou não é a cara do
Governo Jatene?
Daí que é possível até que
esse “filtro” ilegal das ocorrências seja mais uma invenção dos “iluminados”da
patota do governador.
Tudo para continuar negando
à polícia aquilo que ela de fato precisa: meios para agir.
....................
Agora, caro leitor, e
apesar da ilustre delegada ter decidido, em menos de vinte minutos, a
inexistência de crime, eis me aqui sitiada em minha própria casa.
Tudo porque a cadelinha,
na manhã de anteontem, fugiu de seu cativeiro, correu pela rua e entrou aqui. E
eu, que resolvi acolhê-la, disse aos “donos” dela que só a entregaria à
polícia, porque não serei cúmplice de TORTURA.
Aí, o “dono” dela veio pra
porta da minha casa, à noite, para tentar me intimidar. E ontem de manhã,
quando me dirigia à DEMA, fechou o carro em que eu me encontrava, para tentar
retirar a cadelinha à força.
O sujeito só recuou porque
o segurança do condomínio, que me acompanhava, alertou a síndica. Mesmo assim,
ele continuou me seguindo de moto e só parou porque liguei para o 190, pedindo
uma viatura da PM.
Na verdade, nem tenho
dormido direito, atenta a qualquer barulho, já que o sujeito teria aventado a
possibilidade de invadir a minha casa, para recuperar a cadela.
E veja que ainda nem
consegui tentar fazer mais um BO (pausa para gargalhar: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk)
Já até imaginei a cena:
_Doutor delegado, eu
queria registrar um BO porque o meu vizinho pode tentar invadir a minha casa,
me bater e até me matar.
E ele, sem nem mesmo me
perguntar detalhes do caso:
_ Pare com isso, minha
filha! É final de ano!...Faça que nem o MP: vá se confraternizar!...
Para completar, diz que o
torturador da cadelinha vai me acusar de roubo.
Mas eu mereço, né não?
Como não quis ajudar o Jatene a surrupiar os cofres públicos, vou acabar
acusada de surrupiar cachorro. Quer um final mais xexelento?
Não, definitivamente, só
entrego essa pobre cadelinha à polícia. E se o doutor delegado quiser se
responsabilizar por devolvê-la aos seus TORTURADORES, que o faça.
Jamais devolveria uma
criança torturada ao seu torturador. Por que, então, faria algo assim a um
bichinho indefeso?
Tem é que acabar com essa
coisificação dos animais. Bicho é um ser vivo. Portanto, não tem esse negócio
de “dono”.
Bicho, no máximo, tem um
tutor ou responsável, ao qual, no entanto, não pode ser devolvida a guarda
enquanto pesem suspeitas de abandono e de maus tratos.
Assim, só tenho é a
agradecer ao Ministério Público e ao promotor Alcenildo Ribeiro da Silva.
Porque, se dependesse da
DEMA, ainda acabaria é condenada como criminosa, em vez de ser apenas a
denunciante de um crime e uma pessoa que se recusa a compactuar com TORTURA.
Mas fica a dúvida: quantos
cidadãos deste nosso Pará, ainda que depois de uma verdadeira peregrinação,
conseguiram garantir o direito de registrar um simples BO?
3 comentários:
Li e não vi nada de errado. Já pensou se todo mundo que não tem o que fazer, achar um animal de rua e sem conhecimento de direito achar que houve crime? Queria registrar o B.O e que fosse aberta uma investigação? Por favor responda. Não acha que a DEMA ou qualquer outra delegacia tem mais o que fazer? Sinceramente, achei que fosse algo relevante. Respeite mais os profissionais e não os julgue por não estarem ao seu bel prazer.
Só hoje (08/01/2016) estou lendo sua postagem Ana. Aconteceu algo muito parecido comigo. Perambulei por várias delegacias para fazer um BO (roubo). E adivinha o que aconteceu? Não consegui. Em uma dessas delegacias a porta estava trancada na chave. Bati né, o funcionário veio com um jeito de quem havia acabado de acordar e logo dizendo que o sistema estava "fora do ar". Disse a ele que ficaria esperando o sistema retornar, na verdade fique em dúvida de quem estava fora do ar. Enquanto esperava avistei outro servidor que se encontrava trajando as seguintes vestimentas em um órgão público: short tactel, uma camisa tipo abadá e chinelas tipo havaiana. Acho que ele era servidor da delegacia, pois tinha uma pistola na cintura, mas se tu me perguntares se realmente ele era policial, teria dúvida em minha resposta, afinal estava em uma delegacia. O servidor público que me informou que o sistema estava fora do ar a todo instante ficava falando que o sistema estava fora do ar e sem previsão de retorno, que eu procurasse outra delegacia, queria que eu me mandasse o mais rápido possível para que continuar a fazer o que estava fazendo antes de eu chegar. Desistir e concluir duas coisas: Desse jeito o Pará terá índice de criminalidade zero e os servidores da PC ganham muito bem
Olha tá aí um ou uma verdadeira animal. Então pra você caríssimo anônimo torturar animais é algo normal? Ah tá deixa eu ver se entendi. Talvez você faça isso frequentemente, ou você é o dono da tal cadela? Ou a delegada com síndrome de Deus? Ou você é só mais um ignorante nesse mundo. Torturar animais é crime se você não sabe e outra, o funcionalismo público é totalmente custeado com o nosso dinheiro, dinheiro de impostos absurdamente caros. Então um funcionário público tem mais é que cumprir a sua função, OBRIGAÇÃO, de registrar o boletim de ocorrência. Puxa-saquismo é uma doença e cuidado,quem vive de lamber botas acaba morrendo com um chute na cara.
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