terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Uma correção e algumas considerações


Gente ligada ao CREA, que prefere não se identificar, informou, ontem, ao blog que a Real Class registrou todas as Arts (Anotação de Responsabilidade Técnica) necessárias às obras do edifício Real Class, que desmoronou no último sábado, em Belém.
“O coração da obra é a fundação e a estrutura, e isso está registrado. Se faltasse ART de algum outro serviço, isso seria uma questão menor, porque se trataria de uma coisa complementar”, disse uma fonte.
Fica, portanto, a retificação da matéria abaixo. 
Mas permanece a questão do laudo, que de fato existe, e que duas fontes ouvidas pelo blog não acreditam que esteja ligado à instalação de um jaú (leia a matéria abaixo), como afirma a construtora.
Ontem, no entanto, não consegui obter mais informações sobre isso – estou atolada em pelo menos três matérias grandes, além de uma investigação que ainda nem comecei e que será, talvez, uma das mais complexas que já fiz.
A bem da verdade, só postei esse material sobre o edifício Real Class porque fui procurada por pessoas que queriam dar vazão as suas denúncias.
Mas, sinceramente, não me sinto à vontade com esse tipo de material, que requer um bom conhecimento técnico.
É um terreno que não domino. E fico com um medo danado de errar – e, o que é pior, induzir vocês a erro.
Queria, também, dividir algumas considerações com vocês, acerca de tudo o que tenho lido na imprensa, e o que ouvi, ao fazer essa matéria.
A não ser que surja algum forte indício de crime, não me parece lógico falar em dolo na queda desse edifício.
Construtoras vivem de lucro – anseiam, aliás, despudoradamente por mais e mais lucros.
E a queda de um prédio só lhes traz prejuízo, inclusive, do ponto de vista da imagem.
Penso que o que existe nesse caso é a junção de dois problemas muito complicados.
De um lado, há, sim, a ganância dessas empresas, que não estão nem aí para o inferno em que transformam o cotidiano das famílias que moram às proximidades de uma construção.
Que não estão nem aí para os obstáculos que colocam nas nossas calçadas, a dificultar ainda mais a locomoção de portadores de deficiência, velhos, crianças, grávidas.
Que não ligam a mínima para o fato de esta cidade estar se tornando insuportável, com essas enormes barreiras à ventilação e com o desaparecimento dos nossos jardins e quintais.
Que sugam até o tutano a vida desses operários, que erguem seus edifícios.
Que agem como se fossem naves espaciais comandadas por extraterrestres – e não como empresas dirigidas por cidadãos, que têm de ter, sim, compromisso com a sociedade em que vivem.
No entanto, ainda mais grave que a ganância dessas empresas é o fato de estarem a agir livremente, sem que sejam “incomodadas” pelas instituições que têm a obrigação de fiscalizar o que elas andam a fazer.
O que se viu, nos últimos dias, foi um vergonhoso jogo de empurra.
Todas as instituições – CREA, Bombeiros, Seurb, por exemplo – com a mesmíssima ladainha: “Não, a documentação estava toda certinha e nós fiscalizamos”...
Mas como tudo poderia estar certo, se o edifício caiu?
E vejam bem: só por muita Misericórdia Divina é que não estamos agora a chorar dezenas, centenas de mortos.
Porque se esse edifício tivesse desmoronado durante a semana, teriam morrido uns cem operários.
E se tivesse caído com as famílias lá dentro, numa festa como o Natal ou o Ano Novo, aí nós teríamos de enfileirar cadáveres nas calçadas, tantos eles seriam.
Fala-se em erro na concepção ou na execução da estrutura ou das fundações.
Mas ao fim e ao cabo se está a falar é de erro humano, vez que nem o número se calcula sozinho, nem o maquinário tem vontade própria.
Se houve erro na fundação, devido a “uma falha geológica”, errou quem fez a sondagem.
Se houve erro na estrutura, que não suportou “a força dos ventos”, errou quem a calculou.
E em qualquer caso, errou também a construtora, na execução da obra.
Mas erraram, sobretudo, as instituições encarregadas de fiscalizar.
O que mais ouvi, desde sábado, é que um edifício não cai de repente: ele dá sinais de que alguma coisa não vai bem.
E se isso é um processo, “uma doença” que se estende por meses e até anos, como é possível, então, que nem Seurb, nem Bombeiros, nem Crea, nem qualquer outra instituição tenha percebido o mal que se abatia sobre esse edifício?
Como é que esses projetos são aprovados? Como é que essas obras são fiscalizadas? – são essas questões que precisamos esmiuçar; é aí, sem trocadilho, que a gente não pode deixar pedra sobre pedra.
Quem fiscaliza o quê? E quem não fez, e nem faz, o dever de casa como deveria – é isso que a gente precisa colocar em pratos limpos.
É claro que é importantíssimo que os culpados por essa tragédia sejam punidos.
Afinal, morreram pelo menos duas pessoas e tantas outras ficaram desabrigadas. Há gente que perdeu tudo o que tinha, sofreu um forte abalo psicológico e deve andar, neste momento, num terrível desespero.
Mas tão importante quanto punir os culpados por esse desmoronamento, é impedir que coisas assim voltem a ocorrer.
Não acredito que esse caso fique impune, até porque vinte anos de avanço da sociedade brasileira nos separam do Raimundo Farias.
Hoje temos um CNJ para recorrer, a evitar que os processos simplesmente prescrevam, tamanha a morosidade.
Hoje temos um Ministério Público atuante, cidadãos mais conscientes de seus direitos e uma circulação de informações que vai se fortalecendo, sobretudo, na internet.
Além disso, esse caso não envolve apenas pobres operários da Construção Civil, sem capacidade financeira para bons advogados e sem poder de mobilização social.
Mas o que não podemos perder de vista é que o nosso problema não se resume à Construtora Real.
O nosso problema envolve todas as grandes construtoras de Belém que estão a burlar a Lei e a transformar a vida desta cidade num verdadeiro inferno.
E envolve, principalmente, todas as instituições que pensam que podem agir como Pôncio Pilatos, apesar de sustentadas pelo dinheiro dos nossos impostos.
É nessas instituições que nós, sociedade, temos de intervir decididamente, porque elas são até mais culpadas do que qualquer erro de cálculo de um engenheiro do Real Class.
O erro, certamente, foi acidental.
A omissão, definitivamente, não foi.

13 comentários:

Anônimo disse...

Quem em sã consciência acredita que a construtora Real Engenharia, com aquele escritoriozinho todo pichado, cheio de lodo, situado na periferia de Belém, tem dinheiro suficiente para indenizar todas as vítimas do acidente na real extensão do dano?

Ontem vi a entrevista do promotor Marco Aurélio afirmando que vai primeiro tentar negociar com a construtora. Ora, nesses casos, o Ministério Público tem mais é que agir rapidamente, pedir cautelarmente a indisponibilidade de bens de todos os sócios, filhos e esposas. E a Justiça tem que conceder a medida cautelar, para fins de garantir, no mínimo, a indenização para o máximo de vítimas, e olha que não são poucas.

Já percebi que os que tiverem melhores advogados irão conseguir alguma coisa, outras vítimas vão ficar a ver navio.

Esperar que uma empresa de gestão de crises irá resolver o problema das vítimas isso é ladainha, é conversa pra boi dormir.

Nelson Oliveira disse...

Solidarizando-me com as familias enlutadas e ainda com as que perderam seus bens materiais, mantendo as devidas proporções entre os fatos e não sendo ainda reducionista na análise desta tragédia que abalou a cidade de Belém, venho simplismente comentar que os bairros do Marco, Jurunas e Condor e parte de Batista Campos uma semana antes pernaneceram dias e dias debaixo d'agua com familias pobres desabrigadas e convivendo com todo tipo de doenças causadas pela falta do saneamento básico de Belém e nenhum político ou poder público se mobilizou tão rápido para atender essa demanda. Acredito que o nível social dos envolvidos e o destaque que seria dado pela impressa local e nacional quanto ao desabamento do edificio da Construtora Real foi o combustivel que motivou tanta mobilização da Prefeitura e do Estado ou seja o pobre convive diariamente com desgraças e quase nunca o poder público está presente para socorrer. Parece normal a convivência com essa carência geral. Gostaria muito que houvesse uma mobilização do poder público e privado nos mesmos padrões para a solução desses problemas crônicos em Belém.

Anônimo disse...

Obrigado por compartilhar conosco suas observaçoes.
Nossa cidade padece do mal dos países subdesenvolvidos e emergentes, para os quais o grau de desenvolvimento é medido pelo tamanho dos arranha-céus construídos, na contramão dos países realmente desenvolvidos europeus em que o grau de desenvolvimento é medido pela qualidade de vida dos habitantes das urbes. Cidades como Paris, Genova, Bruxelas, Madri, Munique não se ver esses monstros da arquitetura.
Aqui, os "nossos" vereadores embalados pelos favore$$$$ da especulação imobiliária tem derrubado paulatinamente as leis e instrumentos jurídicos que impõem os limites e protegem a cidade da sanha do mercado imobiliário, especialmente aumentando o gabarito para a altura dos prédios até em áreas de Patrimônio Histórico, sem que ninguém fale nada e com a conivência do poder executivo.

Anônimo disse...

Olá sra Blogueira! Eu fico triste pelo ocorrido com as pessoas que sofreram e sofrem com a queda deste prédio lá em São Braz. Mas ouso escrever por me dar por satisfeito em vender meu Ap. alí do Bairro de Batista Campos. Agora, mais do que nunca vou procurar comprar uma casa para viccer juntamente com a minha família. Chega desta vida de morar em "Vila para cima". Ninguém pode reclamar de nada. Vou tentar comprar um imóvel na área do Benguí. Pelo menos terei a certeza de não ser vizinho de nenhuma torre e termine sendo vítima dessas construções, ou sei lá o quê. No Benguí, como é uma área próximo ao aeroporto, não poderão contruir prédios altos. Sorte de quem mora por lá. E prá lá vou eu e minha família. Só espero que não tirem o aeroporto de lá no futuro.

Oswaldo Chaves disse...

Ana,

Temos dois três problemas muito sérios a enfrentar:

1. A musculatura do mercado imobiliário vertical em Belém está tomando esteróides.

ou seja, prédios que antes se conrtuia em 5 anos estão sendo entregues em 3, sem que se tenha ampliado também a carga de fiscalização.

Isto seria muito bom, mostraria eficiência no processo produtivo, mas a coisa não é bem assim;

2. Temos um órgão de classe o CREA que se limita a forncer as ART's e não fiscaliza "patavinas".

Preocupa-se sim em averiguar se o Raimundo da periferia está fazendo uma reforma na sua velha casa, quando "COSNTATADO O ILÍCITO" o órgão encaminha todo um arsenal de multas FEDERAIS (e ai vale a força da Lei) para ferrar o probre coitado.

Mas fiscalização que seria uma função mínima não se vê.

3. Pelo lado do Município, a Dona SEURB, que deveria fiscalizar, paralelamente, o caminhar da obra, preocupa-se em prender cadeiras as 23h dos bares e restaurantes da cidade, achando que a POSTURA da cidade somente está da terra para cima, quando o desabamento aconteceu da terra para baixo.

Os poucos e indisponíveis engenheiros não dão conta dos ESTERÓIDES de 39 andares que são importados do sul do País e que são as meninas dos olhos dos investidores latifundiários do sul e sudeste do Pará.

Acho que o prefeito Duciomar deveria criar a Secretaria de Catastrofes e teria como primeira tarefas cuidar da própria prefeitura que está um Caos.

Anônimo disse...

Seria possível informar se os prédiso que são construidos em Belém possuem seguro?

Anônimo disse...

Caro anônimo das 5h56. Qual a seguradora que iria fazer uma apólice de um terreno inseguro, como o de Belém ?? Belém, tem na sua profundidade muita água e lama. Basta cavar 13 metros pra baixo pra constatar. O seguro por estas bandas é como descer de bicicleta, SEM FREIOS, em uma ladeira: É VALHA NOSSA SENHORA!

Vítor Viana disse...

Todos reclamam das grandes construções,que tomam esteróides e que crescem a cada dia mais rápido e mais alto.Reclamam ainda, do desconforto climático provocado pela má circulação de ar devida as grandes alturas dos "paredões" de concreto, dos transtornos nas calçadas, das grandes contribuições de esgotos, da impermeabilização do solo, o que provoca a cada dia mais sobrecarga na rede pública de drenagem que por si só é deficiente ( por questões técnicas e topográficas)contribuindo para aumentar os alagamentos.Contudo, defendo a verticalização, mas defendo também a fiscalização, e quando falo em fiscalização não me refiro apenas a dos órgãos fiscalizadores, mas também da sociedade.Critica-se as construtoras, mas compram-se seus produtos antes mesmo de serem feitos, como dizem,na planta.
Não se fiscaliza a construção do seu próprio apartamento, mal sabem que de baixo daquela linda pintura e o grosso reboco pode haver problemas que você nem imagina.FISCALIZE TAMBÉM, AO MENOS O QUE É SEU!!! Outra coisa, a verticalização é necessária,é melhor que cresçam pra cima do que para os lados, pois os impáctos socioambientais são bem maiores. A propósito você sabe onde estará localizado o Shoping Bosque Belém? O que hoje é uma área ambiental, amanhã estará cheia de camelôs, lixo, poluição e totalmente impermeabilizada, causando alagamentos naquela região.Mas tanto o shoping quanto os condomínios que estão projetados pra lá são de dois ou três pavimentos, você não vai poder reclamar da verticalização. Nosso povo só reclama, reclama e reclama, mas não faz nem se quer o dever de casa, como disponibilizar seu lixo em local e horário adequados à coleta, por exemplo.

Anônimo disse...

Por essas e por outra é que sou ateu. Senão vejamos: "O Grande" ,dizem, fez esse mundo em 6 dias (descansou no sétimo), e quando viu sua principal criatura começar a fazer das suas pôs a culpa em quem ? Muito semelhantemente agem estas (des)construtoras destes "É-difíceis" tipo o Real "Crash" e a culpa vai acabar sendo de quem? Dos Adãos e Evas que acabam sofrendo com a ganância de megalômanos "criadores" de catástrofes. Fico com a pergunta do Poetinha: "Se foi pra desfazer porque que fez ?"
Amem.

Unknown disse...

Olá Ana Célia,

Parabéns pela série de reportagens sobre a tragédia da 3 de Maio. Parabéns também pelos cinco anos desse blog que acompanho desde o início.
Gostaria de convidar você para uma visita ao meu blog, especialmente à postagem "Não deixe de olhar “a perereca da vizinha”". O endereço é gutomagalhaes.blogspot.com. Um grande abraço!

Anônimo disse...

Minha cara Perereca, continua repercutindo em todo território nacional a sua matéria sobre o caso da Cerpasa e os tucanos.
Do jornalista Claudio Humberto, em sua coluna de hoje no Correio Brasiliense, que ´simultaneamente é publicada em vários jornais do Brasil, inclusive em o O Liberal, em Belém do Pará

02/02/2011 | 00:00
Governador do Pará é acusado de corrupção

O governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), é acusado na Justiça de crimes de corrupção ativa e corrupção passiva, falsidade ideológica, crimes contra a administração pública e a fé pública que podem custar-lhe o mandato. O escândalo estourou em 2002, quando documentos apreendidos pelo Ministério Público e a Polícia Federal revelaram a relação promíscua entre a cervejaria Cerpa e a campanha de Jatene.

02/02/2011 | 00:00
Dívida perdoada

O antecessor tucano Almir Gabriel perdoou dívida de R$ 47 milhões em ICMS da Cerpa apos generosa doação à campanha de Simão Jatene.

02/02/2011 | 00:00
Outro figurão

Além de Simão Jatene, figura no processo seu secretário de Governo, Francisco Souza Leão, que na época avaliava a política de incentivos.

02/02/2011 | 00:00
Boca de siri

A coluna insistiu por dois dias, mas os acusados, incluindo Konrad Karl, (Cerpa) e a secretária Tereza Lusia (Meio Ambiente), silenciaram.

Anônimo disse...

Põxa,Ana, coitados dos seus josés e da dona Maria qe foram esmagados na tragédia.

Ida Lenir disse...

Creio que as pessoas ou se omitem ou enfiam o dedo na ferida para que ela não cure nunca.
O edifício caiu, alguma coisa aconteceu, com certeza.
Entendo que o maior erro, como vc e outros leitores falaram, é quem deveria cuidar para a qualidade de vida da cidade não "estar nem aí". O código de posturas da cidade deveria proibir terminantemente a construção desses edificios em Belém.

A cidade é uma panela de pressão, sempre foi. Faz parte do fato de estar encravada numa zona equatorial. Empresários são gananciosos desde mil oitocentos e antigamente antes de Tutankamon. Tanto os que constroem, quando aqueles que compram, para investir ou para exibir. Se o poder público não controle ou se faz de cego e surdo, a quem recorrer?
Muita gente deita a falar, mas não cuida nem do seu jardim, por que iria se preocupar com o bem comum?