domingo, 26 de abril de 2020

Meu querido Bolsonarista!





Muitos já me disseram pra desistir de você. 

Mas não quero e nem vou fazer isso. 

Apesar das divergências políticas, sei que você é um ser humano igualzinho a mim. 

No fundo, meu irmão brasileiro, todos sonhamos a mesma coisa: queremos é ser felizes; queremos é amar e ser amados. 

Queremos um mundo melhor, um Brasil melhor. 

Queremos é dar aos nossos filhos muito mais do que aquilo que tivemos, ao longo de nossas vidas.  

Veja: enquanto escrevo, já não há vagas nas UTIs da nossa Belém. 

As unidades de saúde enfrentam um caos como jamais imaginamos.  

E já há até um caminhão frigorífico estacionado no IML, tantas são as pessoas que estão a morrer. 

Centenas de irmãos paraenses estão sofrendo e vão de uma unidade de saúde a outra, e a outra, e a outra, e não conseguem ser atendidos. 

Nas redes sociais, há gente desesperada, implorando ajuda. 

Alguns estão morrendo em suas casas, tentando respirar sem conseguir, como se estivessem “se afogando no seco”. 

Dos que conseguirem ser internados, muitos terão de ser entubados, o que é um processo tão doloroso que tem de ser feito com anestesia. 

Entre aqueles que resistirem, alguns poderão ficar até com lesões, por passarem dias, e dias, e dias, com aquele tubo enfiado na garganta. 

E aqueles que não resistirem, aqueles que morrerem em nossos hospitais por causa desse vírus, morrerão sozinhos: não poderão nem mesmo se despedir das pessoas que tanto amam. 

No meu Face, já vi relatos de bolsonaristas como você, que também não acreditavam na gravidade dessa doença e queriam o fim do isolamento social, e que acabaram adoecendo gravemente. 

Já houve companheiros seus, bolsonaristas, que até morreram. 

Já vi até o relato de um bolsonarista que perdeu o seu filho. 

E eu fico imaginando a dor desse pai e dessa mãe que perderam alguém tão amado, simplesmente por causa de política. 

Não, não são “apenas” velhinhos que estão a morrer; não são “apenas” pais e avós: há jovens entre os mortos, meu irmão.  

Há até mães que morreram logo após dar à luz. 

Há médicos, enfermeiros, policiais que estão literalmente dando a vida pela gente: estão morrendo contaminados, a tentar nos salvar. 

Idosos e pessoas que já têm alguma doença precisam ser MAIS protegidos, porque são MAIS frágeis. 

Mas nenhum de nós, meu irmão, tem imunidade contra esse vírus. 

E ele não está nem aí se você é bolsonarista ou petista; de esquerda ou de direita. 

Estamos à beira de uma tragédia como nunca vimos na nossa Belém, meu irmão. 

No último 18/04, a escrivã da polícia do Pará, Raquel Albuquerque, de 48 anos, não conseguiu ser atendida em nenhuma das unidades de Saúde que procurou, e acabou morrendo, dentro de seu carro, nos braços de seu marido. 

O ex-vice governador e ex-deputado federal Gerson Peres, de 88 anos, morreu em um dos hospitais mais caros de Belém. 

O ex-prefeito de Marabá, Nagib Mutran, médico e pecuarista, 62 anos, também morreu em um hospital particular de Belém, com sintomas dessa doença. 

O diretor financeiro da Sespa, Cristiano Martins, de apenas 42 anos, também não resistiu.  

O próprio vereador Sargento Silvano, bolsonarista como você e que pregava o fim do isolamento, sofreu horrores com essa doença. 

E quando se recuperou, disse que esteve “no vale da sombra da morte” e que esse vírus não, não é uma “gripezinha”.  

E isso é só o começo dessa epidemia aqui no Pará, mano. 

Só há poucos dias é que o número de doentes e de mortos começou realmente a subir.  

E nós já estamos com as UTIs lotadas, com as unidades de Saúde de Belém operando no limite e até com caminhão frigorífico na porta do IML. 

Mano, as pessoas não vão morrer “apenas” por causa dessa doença: qualquer pessoa que tenha um problema de saúde mais sério e que precise de atendimento hospitalar está sujeita a morrer, devido à velocidade com que essa praga se espalha e entope os nossos hospitais. 

Sabe quantos casos confirmados dessa doença nós tínhamos, em todo o Pará, no dia 25 de março deste ano? Apenas 9. 

Sabe quantos casos já tínhamos até às 19 horas deste 25 de abril? 1.745 

Sabe quantos desses 1.745 casos são de Belém? 1.095, ou quase 63%. 

No entanto, essa doença está se espalhando por todo o estado e matando cada vez mais.  

Até 25 de março, só havia casos confirmados em Belém, Ananindeua e Marabá. 

Hoje, já são 79 os municípios afetados, ou mais da metade das cidades paraenses. 

Até 25 de março, apenas uma pessoa havia morrido, em todo o Pará, por causa desse novo coronavírus. 

Hoje, até às 19 horas, já tínhamos 95 mortos. 

E veja: desses 1.745 casos, 1.061 (ou quase 61%) foram confirmados nesta semana, do último 19 de abril para cá. 

Das 95 mortes, 61 (ou 64%) também ocorreram nesse período. 

O aumento de casos confirmados foi de 155% nesta semana, e sobre números absolutos bem superiores ao início dessa epidemia. 

Veja as confirmações semana a semana, desde 29 de março, véspera do começo da transmissão comunitária dessa doença, no nosso Pará: 

29/03 – 19 casos, nenhuma morte
04/04 – 82 casos, 1 morte
Crescimento/casos: 331% 

05/04 – 86 casos, 2 mortes
11/04 – 237 casos, 11 mortes
Crescimento/casos: 175% 

12/04 – 251 casos, 14 mortes
18/04 – 641 casos, 33 mortes
Crescimento/casos: 155% 

19/04 – 684 casos, 34 mortes
25/04 – 1.745 casos, 95 mortes
Crescimento/casos: 155% 


Isso significa que:
Na primeira semana, tivemos 9 casos por dia
Na segunda semana, 21 casos por dia
Na terceira semana, 55 casos por dia
E nesta semana, 151 casos por dia 

Não há sistema de saúde que aguente isso, mano. 

E o pior é que há estimativas de que a quantidade real de pessoas contaminadas, no Brasil, é até 15 vezes maior do que aquelas que foram confirmadas, diagnosticadas, já que não há testes pra todo mundo. 

Mano, esse vírus não é uma “invenção comunista”, um “complô” contra o teu presidente, ou até “um castigo divino”. 

Esse vírus é uma daquelas pestes que de vez em quando aparecem na História da Humanidade, e que matam milhões de seres humanos. 

E nós, paraenses, só conseguiremos vencer essa guerra se protegermos e ajudarmos uns aos outros.   

Então, eu queria lhe pedir, mano: pelo amor de Deus, fique em casa! 

Você quer defender o Bolsonaro?  

Pois defenda! É um direito seu! 

Mas pelo amor de Deus, pare de se opor a esse isolamento e de ficar dizendo pras pessoas irem pras ruas e voltarem a trabalhar. 

A sua diarista, a sua manicure, o seu pedreiro, o seu jardineiro, o professor do seu filho, os nossos médicos, enfermeiras, policiais não merecem essa tragédia. 

Eles não merecem morrer, ou perder as pessoas que amam. 

Você também, meu irmão, não merece adoecer ou até morrer, por causa desse vírus. 

Você não merece talvez até acabar como aquele seu companheiro bolsonarista, que hoje chora a morte de um filho amado. 

Nenhuma disputa política vale isso, meu irmão! 

Nenhum presidente, nenhum partido, nenhuma ideologia! 

Empresas, empregos, Economia, depois a gente recupera, mano. 

E você, que trabalha feito um condenado, sabe muito bem que é possível, sim, se reerguer, com a ajuda de Deus e a força do próprio braço. 

Mas os mortos, meu irmão, não haverá força na Terra que consiga ressuscitar... 

O governador construiu hospitais de campanha, comprou respiradores, está aumentando as UTIs e até contratando mais médicos. 

Mas nada disso adiantará, se não fizermos a nossa parte. 

O isolamento e o distanciamento sociais são as únicas coisas que têm dado certo, no mundo inteiro, para reduzir o contágio dessa doença. 

É evitar aglomerações; é manter distância dos outros. 

É, principalmente, ficar em casa e só sair pra comprar remédio, comida ou pra trabalhar, se a gente não conseguir um jeito de trabalhar em casa também. 

Ajude o nosso Pará, mano, ajude os nossos irmãos paraenses!... 

O nosso povo não merece essa tragédia. 

Ajude-nos! 

Eu sei que você é capaz! 

FUUUIIII!!!!

terça-feira, 21 de abril de 2020

Um menino chamado Chico Melo




Há alguns dias, um amigo me ligou para avisar que o Chico Melo estava na UTI. 

Acho que ele queria desabafar. E também me preparar, para o que poderia acontecer. 

Mas da última vez em que vi o Chico, há uns três meses, percebi que ele não ficaria muito mais tempo entre nós... 

Chico estava bem mais magro, frágil, com um tubinho no nariz, porque sofria de uma doença pulmonar. 

Olhei para ele aflita, dei-lhe um abraço. Ele percebeu a minha aflição e sorriu. 

Desde então, comecei a me preparar para a sua partida. 

Mas é engraçado como a gente nunca está preparado, né? 

Mesmo que a gente acredite que são muitas as vidas do nosso espírito neste Planeta, não há como diminuir a tristeza e a dor. 

Chico era um guerreiro valoroso.  

Mas hoje perdeu a batalha que todos perderemos um dia... 

Conhecemo-nos em 2005, quando o Diário do Pará me chamou para analisar pilhas de documentos sobre o projeto Alvorada. 

E à medida em que fui convivendo com os seus três diretores (Chico, Camilo e Jader), percebi uma coisa engraçada. 

Eles eram pessoas tão complementares, que mais parecia que Deus havia pegado uma alma e dividido em três corpos. 

Jader era o mais emotivo e também o mais instável. Camilo, um empresário focado, mas também extremamente leal. 

E quando eles dois e eu nos empolgávamos diante de uma reportagem bombástica, Chico era o pé no freio, a racionalidade que precisava se impor à empolgação. 

Essa era, aliás, uma das coisas mais instigantes naquela caixinha de surpresas chamada Chico Melo. 

Em vez de ser uma pessoa fria, que é o que a gente geralmente associa à racionalidade, era extremamente caloroso, e generoso, e humano.  

Ajudava muita gente. Fazia o que podia por quem precisava.  

Não é à toa que estudou para ser padre: em verdade, nunca perdeu aquela benevolência sacerdotal... 

Possuía um sorriso largo e uns olhos que riam junto. 

Uns olhos brincalhões, do menino que nunca deixou de ser. 

Acho que essa era a coisa mais bacana no Chico: ele nunca permitiu que a vida lhe roubasse a meninice... 

Apesar de tudo o que viu, de todas as dificuldades que enfrentou, o menino continuou lá, na alma, com a capacidade de rir de si mesmo e do mundo... 

Era também uma pessoa muito culta, com quem dava um prazer danado a gente conversar. 

Dava para falar de Filosofia, Política, Economia, Religião, Música, e até de Latim. 

Também possuía um conhecimento fantástico de Contabilidade – e vou ficar lhe devendo muito do que aprendi nessa matéria. 

Algumas vezes, até chegava com ele e pedia: “Chico, dá uma olhada nessa papelada, porque não sei se o que estou achando é isso mesmo”. 

E em vez de responder: “Tu não és repórter? Te vira!”, ele tinha a paciência de analisar todos aqueles demonstrativos contábeis, apesar de ser o diretor financeiro do jornal... 

Chico era assim: humilde, acessível e sempre pronto a ajudar. 

Acho que essa proximidade também ocorreu porque nos conhecemos em tempos muito difíceis. 

Naqueles idos de 2005, o Diário do Pará não era a potência que é hoje. 

Como escrevi certa vez (e ele riu à beça), o jornal era, então, “uma baladeira velha”. 

Os tucanos estavam no poder desde 1995 e nós éramos, a bem dizer, “um exército de Brancaleone”. 

Isso nos obrigou a conhecer uns aos outros e a aprender a confiar uns nos outros, para que pudéssemos, ao menos, sobreviver. 

Certa vez, aliás, até disse ao Camilo: “Cometi a temeridade política de me envolver emocionalmente com vocês. Porque isso não deveria ser um casamento, mas apenas um flerte!”. 

Mas hoje, olhando para trás, vejo que esse “casamento”, com todas as suas idas e vindas, proporcionou-me a honra de conviver, ainda que por um pouco, com alguém como o Chico Melo. 

Ele vai fazer uma falta danada, não por ser diretor do jornal ou alguma coisa assim, mas pela pessoa encantadora que sempre foi. 

Não tivesse deixado de beber, iria agora tomar umas e ouvir uns duetos do Nelson Gonçalves, em homenagem a ele. 

Sei que essa não foi a primeira vez que nos encontramos, e nem será a última. 

Mesmo assim, dói à beça saber que nunca mais verei, nesta vida, aquele menino bom. 

Até breve, meu amigo!  

Deus deve estar muito feliz em te receber de volta! 

Que Ele conforte a tua família, a tua mulher, os teus filhos, os teus netos e as dezenas de amigos que deixas neste mundo. 

Pra ti, Chico (grande guerreiro!), pra gente lembrar das muitas batalhas que lutamos juntos.