domingo, 23 de setembro de 2018

Carta a um amigo fascista








Desde que te vi distribuindo propaganda do coiso, tenho sentido uma angústia danada.

Fico me perguntando o que foi que te fiz, para quereres me ver presa, torturada e até morta.

Porque, se o teu candidato ganhar, é isso o que acontecerá não só a mim, mas a milhares de brasileiros.

Acontecerá, quem sabe, aos teus próprios filhos.

Acontecerá, talvez, até a ti

Se mais adiante, pela simples humanidade que há em ti, tentares protestar contra o banho de sangue que o fascismo sempre traz, também tu serás considerado um inimigo a “erradicar”.

Porque, com o fascismo, a escolha é entre o silêncio da mordaça e o silêncio do cemitério.

E tu, meu amigo, nunca foste de calar.

O que me angustia, também, é jamais ter percebido, ao longo de todos esses anos, a extensão do ódio que há em ti.

Ódio aos gays, ódio às mulheres independentes, ódio aos negros, ódio aos pobres...Ódio a tudo o que seja diferente daquilo em que acreditas.

Que és de direita eu sempre soube. Mas jamais imaginei que odiasses a tal ponto aqueles que julgas teus “inimigos”.

E não tentes dizer que não é assim. Se apoias o coiso, é porque pensas, sim, igualzinho a ele.

Lembro das vezes em que te ofereci o meu ombro, para chorares as tuas mágoas.

Lembro das vezes em que me ofereceste o teu ombro, para que eu chorasse as minhas.

Lembro das risadas que dávamos juntos.

E descreio, descreio, que esse de hoje sejas tu.

E aí, eu me pego a dizer a mim mesma: “Não, as pessoas não se tornam fascistas de uma hora pra outra. Não, um ódio desses não pode ter nascido só agora”.

E aí, a angústia aumenta, porque me pergunto se quando estávamos juntos - rindo, brincando, tomando cerveja e resolvendo os problemas do mundo - não estavas, em verdade, a pensar: “Um dia, vagabunda, vais ver o que vai te acontecer! Um dia, vagabunda, vão te encher de porrada e meter uma bala nessa tua cara imunda!”

Não sei se ainda existe alguma força neste mundo (Deus, o amor, a ternura) que consiga te demover do mal que irás fazer a tanta gente, ao votares no coiso.

Talvez realmente acredites que só ele “dará jeito em tudo isso que está aí”.

Talvez aches que exagero, que nada de ruim acontecerá.

Se for assim, tenhas certeza: quando abrires os olhos, quando conseguires enxergar além de todo esse ódio, já será tarde demais.

Também lamento que nunca mais possamos ser amigos, como fomos um dia.

Mesmo que o meu candidato vença e afaste a ameaça do fascismo, eu nunca mais conseguirei te olhar com os mesmos olhos de antes.

Sempre haverá em mim a lembrança do teu engajamento na campanha de um sujeito que estimula a violência contra mulheres como eu.

E como já disse alguém: “Eu não preciso de um amigo que dará risada, quando souber que levei choque elétrico e que fui pendurada no pau-de-arara”.

Que Deus tenha misericórdia da tua alma, pelo mal que farás a tanta gente; pelo sangue que terás em tuas mãos.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Direto do Face: Um cheiro de golpe no ar





Concordo em grande parte com a análise abaixo do Luís Felipe Miguel, e até já adiantei, de certa forma, esses cenários sombrios: http://pererecadavizinha.blogspot.com/2018/09/o-sangue-do-teu-irmao-clama-mim-desde.html 

Mas os últimos movimentos desse xadrez têm me feito pensar ainda mais na hipótese de um novo golpe (ditadura) militar. 

Vejam só: tudo indica que o coiso é, sim, uma tentativa de os militares assumirem o poder através do voto, o que os deixaria à vontade para cometer todo tipo de barbaridades contra a Constituição (inclusive, reescrevê-la sem Constituinte), sob o argumento de que a maioria da população assim o deseja. 

Em tal hipótese, o coiso seria apenas um fantoche, um elemento descartável: tanto poderia permanecer no cargo, enquanto não representasse problemas, quanto poderia, se fosse o caso, renunciar mais adiante, entregando o poder formalmente ao general, que, aliás, é superior hierárquico do coiso. 

É uma jogada inteligente: os militares podem até “apontar as baionetas” contra os ministros do Supremo, como fizeram para garantir a prisão do Lula. Mas assumirem o poder na base das “baionetas” seria um pouco demais, em termos internacionais. Já se estiverem munidos do poder do voto, poderão alegar que estão a agir “democraticamente”. 

No entanto, se essa estratégia falhar, partem para o plano B: questionam a lisura do Judiciário e afirmam que houve “fraude eleitoral”. E como temos um Legislativo enfraquecido, desgastado por denúncias de corrupção, não terão (aparentemente) grande dificuldade em suprimir as instituições, para impor o resultado que lhes parecer “correto”. 

É claro que essa alternativa será bem mais traumática internacionalmente e exigirá bem mais explicações. Mas há, sim, cheiro de ditadura militar no ar, como nunca desde 1964. 

E a grande incógnita é se as forças democráticas, com a sua maior liderança popular atrás das grades e com divisões tão imensas que nem mesmo a ameaça do fascismo parece conseguir contornar; se essas forças conseguirão se mobilizar, e se mobilizar a tempo, de impedir essa tragédia. 

Vejam bem: quando Vargas fechou o regime, em 1937, e quando os militares assumiram o poder, em 1964, a sociedade brasileira era muito diferente daquela que temos hoje. 

Hoje, os avanços democráticos (para as mulheres, os negros, os LGBT, os índios) não têm paralelo na história do Brasil. 

A organização da sociedade civil e os grandes partidos políticos (PMDB, PSDB e PT, com todos os seus defeitos e quer se goste deles ou não) conseguiram, sim, trazer muitas conquistas, em termos de direitos, para a sociedade brasileira. 

E uma ditadura, em tais condições, terá de ser muito mais violenta, muito mais repressiva, muito mais sangrenta, do que em 1937 e em 1964. 

E são os nossos jovens, os nossos filhos e netos, que enfrentarão essa parada e os que mais sofrerão. 

Leiam o artigo “Dois caminhos para a ditadura”, do professor de Ciência Política da UNB, Luís Felipe Miguel:

E que Deus tenha misericórdia do Brasil.