domingo, 27 de janeiro de 2019

Brumadinho: os culpados somos nós.





Sejamos justos: Bolsonaro não é o culpado pela tragédia de Brumadinho. 

Ele está há poucos dias no cargo e esse crime foi provocado por anos e anos de omissão dos governos, das instituições.

Se for para apontar o dedão acusador apenas a presidentes da República, então teremos que começar por Fernando Henrique Cardoso, que privatizou a Vale. 

Mas também teremos de acusar Lula, Dilma e Temer, que pouco ou nada fizeram para apertar a fiscalização sobre essas mineradoras. Tanto é assim que essa tragédia se consumou. 

Mas penso que é muito fácil, reconfortante até, apontarmos o dedão acusador apenas a presidentes, governadores, políticos em geral, já que isso nos distancia da nossa própria responsabilidade por todo esse horror. 

Com raríssimas exceções, cada um de nós é responsável pela tragédia de Brumadinho. 

Cada um de nós tem as mãos sujas de lama e de sangue, neste momento. 

A verdade verdadeira é que, nós, os brasileiros, não vemos o meio ambiente como uma questão essencial, até para a nossa sobrevivência como espécie humana. 

Isso é visível em nossas ruas cheias de lixo, nos animais abandonados e maltratados, nos nossos rios e praias poluídas, nas nossas florestas devastadas, nas nossas cidades, casas, prédios, ruas cinzentas de tanto cimento, onde o verde praticamente inexiste. 

Mas sabem, queridos, isso tem uma lógica. 

Uma lógica cruel, perversa, mas ainda assim uma lógica. 

Afinal, se não conseguimos valorizar nem mesmo a vida humana, como poderemos valorizar outras formas de vida? 

Neste Brasil que todos construímos – TODOS! – mata-se por qualquer coisa. Por um celular, por uma divergência, por uma discussão, por uma antipatia, por uma rejeição. 

Mata-se, mata-se, mata-se! 

Mata-se de bala, de faca, de porrada, de veneno, de humilhação. 

Mata-se até em pensamento, com agressões, xingamentos, perseguições de todo o tipo. 

Mata-se de vida e morte Severina. Ou, como escreveu o grande João Cabral de Melo Neto: “de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”... 

A criminosa Vale jamais teria conseguido cometer um crime como Brumadinho em uma nação que não fosse tão omissa e insana quanto a nossa. 

Em uma nação onde houvesse RESPEITO entre os semelhantes e AMOR a tudo o que vive. 

Em uma nação onde um deputado não tivesse até de largar o mandato e fugir, para não ser assassinado, simplesmente por defender direitos humanos. 

E não, não estou a falar de respeito à Democracia. 

Estou a falar é de respeito ao básico do básico: o respeito à integridade e à vida de outro ser humano. 

Dezenas de pessoas, animais, árvores, rios, pagaram e pagarão com a vida pela nossa omissão. 

É essa é que é a dolorosa verdade. 

Brumadinho não é de esquerda ou de direita, de ricos ou pobres, de brancos ou negros, de homens ou mulheres, de civis ou militares. Brumadinho é de cada um de nós.

Se tivéssemos só um pouquinho de respeito ao próximo e de amor à Vida, a criminosa Vale e todas as mineradoras, e todas as empresas criminosamente poluidoras, devastadoras, não teriam feito a festa que sempre fizeram, comprando, corrompendo, políticos, magistrados, promotores, jornalistas, veículos de comunicação. 

Comprando, corrompendo, todas as instituições, para poderem agir como se este país não passasse de uma grande latrina. 

Elas só agem assim porque não temos uma sociedade solidária, organizada – HUMANA! – a lhes fazer frente; a lhes impedir o saque, a ganância, a destruição. 

Elas fazem o que fazem porque NÓS permitimos – é essa é que é a verdade! 

Brumadinho passará, como passou Mariana, como passaram tantas outras tragédias, que vitimaram gente, rios, florestas, bichos... 

Daqui a dois, cinco, dez anos será apenas uma fotografia que surge aqui e acolá, nas redes sociais. 

Ou uma história em um livro, perdido entre milhares, milhões de livros, em alguma biblioteca. 

Brumadinho passará... 

As famílias, hoje dilaceradas, encolhidas de tanta dor, terão de seguir em frente... 

Os processos se arrastarão décadas na Justiça. 

A Vale pagará milhões e milhões de anúncios, campanhas publicitárias, reportagens, patrocínios a grandes espetáculos, exposições de arte, para mostrar a todos a sua “benemerência”... 

Brumadinho passará... 

Lá como cá, os minérios vorazmente extraídos seguirão para bem longe dos miseráveis que habitam em cima de tanta riqueza. 

A Vale e outras mineradoras continuarão a encravar impressionantes manchas de devastação, recortes alaranjados no meio da exuberante floresta, como se estivessem a tentar expulsá-la, como se expulsa a um mal, a uma doença, para bem longe de seus domínios. 

Brumadinho passará... 

Barragens e mais barragens surgirão. 

As leis e a fiscalização, cada vez mais frouxas, farão com que já nem seja o maior ou um dos maiores crimes ambientais deste país. 

Nos telões em nossos quartos e em nossas salas de vista, assistiremos confortavelmente a novos resgates de mais e mais corpos, de mais e mais mares de lama. 

Brumadinho passará... 

E daqui a 100 anos, em meio a um calor insuportável, enchentes, furacões, vendavais, provocados pela insanidade do Homem, pela incapacidade de ouvir o silêncio da natureza cada vez que o animal humano derruba uma árvore, tira uma vida, se alguém mencionar Brumadinho, nossos netos e bisnetos perguntarão: “quem foi?” 

Brumadinho passará... 

Até quando? 

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PS: um leitor informou, há pouco, que a foto acima não é de Brumadinho. Agradeço a informação e a atenção do leitor, mas vou mantê-la como ilustração da postagem, porque de todas as fotos que vi como sendo dessa tragédia, essa foi aquela que mais refletiu a sensação que estou a sentir neste momento. No entanto, fica a informação a todos os leitores.

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Pra vocês, pra todos nós, por tantas tragédias, por tanta destruição:


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O protesto dos taxistas e o desastrado prefeito de Belém.





O prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, não precisa de inimigos: a sua incontinência verbal já faz barba, cabelo e bigode.

Em outubro do ano passado, a poucos dias do segundo turno, quando já estava claro que Helder venceria as eleições, Zenaldo postou no Facebook três vídeos profundamente ofensivos ao futuro governador.

Assim mesmo, do nada. E com objetivos ininteligíveis até aos maiores estrategistas políticos.

Ok: o prefeito estava prestes a ficar encalacrado, sem apoio federal ou estadual.

O problema é que é exatamente essa condição desesperadora (em campo aberto e sem retaguarda) que exigiria o uso da cabeça, e não do fígado.

Agora, o prefeito se mete em nova enrascada, ao bater boca com os taxistas, que resolveram protestar nas ruas de Belém contra os aplicativos de transporte.

Em vez de simplesmente informar que tem reunião marcada com a categoria, e até dizer de sua estranheza diante da antecipação desses protestos, Zenaldo resolveu assumir uma postura agressiva, classificando as manifestações como “oportunistas” e “partidárias”.

Quis jogar para a plateia? Não deveria. Porque esse é um problema gravíssimo para os taxistas, para a população como um todo e para o próprio Poder Público.

É possível que o método escolhido pelos taxistas (fechar as ruas da caótica Belém) seja equivocado.

Mas o fato é que eles têm razão: os taxistas estão, sim, sendo vítimas de uma concorrência desleal, que os está reduzindo à miséria e, com eles, às suas famílias – ou seja, a milhares de pessoas, incluindo crianças, mulheres e idosos.

É certo que os aplicativos são uma mão na roda para a maioria da população, que não pode pagar pelos preços dos táxis.

E são uma mão na roda, também, para quem está desempregado.

Mas é preciso colocar alguma ordem nessa história, em vez de despir um santo para vestir outro.

O decreto municipal que regulamentou esses aplicativos, e que foi publicado em setembro do ano passado, é um bom começo: além de trazer mais garantias, segurança e direitos aos usuários, submete os trabalhadores desses serviços a muitas das exigências que são colocadas aos taxistas, o que deverá reduzir a mão de obra.

E a questão é: por que, cargas d’água, esse decreto não está a ser cumprido?

Penso, no entanto, que a primeira providência deveria ter sido a de se levantar o impacto desses aplicativos no erário, no trânsito da cidade, e até informações sobre o perfil e condições de vida dessas pessoas.

Porque os boatos que circulam são estarrecedores: os aplicativos não deixariam imposto algum à cidade; estariam inundando as ruas com milhares de veículos; os trabalhadores estariam recebendo uma remuneração aviltante; e haveria até mesmo grandes locadoras obtendo lucros astronômicos com a exploração indireta desses serviços.

Sem esse levantamento não há como saber o que existe de verdade nisso e se os aplicativos são realmente um bom negócio para a cidade. Ou se os baixos preços que cobram são apenas a cortina de fumaça que nos impede de ver os problemas que podem estar a gerar.

Um deles é social.

Ao que se diz, as empresas de aplicativos cobram uma alta taxa dos motoristas, que, quando não têm carro, ainda têm de pagar a diária de uma locadora. E como o preço das corridas é lá embaixo, os motoristas acabam ganhando uma mixaria.

E aí, fica a pergunta: vale a pena, para a cidade, "trocar" milhares de pessoas que hoje sobrevivem dos táxis com uma renda de classe média, por milhares e milhares de miseráveis, que mal ganham para um prato de comida?

Qual o impacto dessa “troca” sobre a economia e a rede pública de Educação e Saúde, por exemplo?

Não seria mais negócio inserir esses motoristas de aplicativos desempregados em programas de renda mínima ou de geração de emprego e renda, ao mesmo tempo em que se negocia com os taxistas o barateamento do serviço, até com a ajuda do Poder Público para a adoção de combustíveis alternativos?

Então, é preciso parar de jogar para a plateia e ter coragem para começar a resolver esse problemão, ainda que isso desagrade, inicialmente, os milhares de usuários de aplicativos, e até aqueles trabalhadores que fazem disso apenas um “bico” ou uma "distração", sem perceber o mal que estão a causar a milhares de famílias.

Ao contrário do que imagina o prefeito, os taxistas não estão sendo movidos por “partidarismo” ou “oportunismo”, mas por puro desespero: têm família para sustentar e, às vezes depois de uma vida inteira trabalhando “na praça”, estão vendo seus rendimentos caírem de maneira assustadora, sem que consigam enxergar uma luz no fim do túnel.

A Prefeitura, o Governo do Estado e o Ministério Público precisam entrar com vontade nessa parada, dadas as muitas questões envolvidas, que podem até trazer graves prejuízos à coletividade.

Mas precisam fazê-lo com racionalidade, diálogo, transparência.

E não com bravatas populistas, que não nos levarão a lado algum.

FUUUIIIII!!!!

domingo, 20 de janeiro de 2019

Novo superintendente da Susipe investe contra o controle do crime organizado nas prisões paraenses. Jarbas Vasconcelos quer restabelecer a “disciplina no cárcere” e colocar nas ruas 3 mil presos provisórios, monitorados por tornozeleiras eletrônicas. Defensor da política de tolerância zero, ele avisa: vai fazer cumprir a Lei dentro das penitenciárias, que se transformaram em barris de pólvora e em grandes celeiros do crime. Ele também já negocia com o Judiciário a agilização dos processos, através da criação de uma Central de Flagrantes e de Audiências de Custódia. Veja a entrevista exclusiva à Perereca da Vizinha.






Quando chegou para assumir o comando da Superintendência do Sistema Penal (Susipe), no início deste mês, o ex-presidente da Seccional do Pará da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA), Jarbas Vasconcelos, levou um susto. E garante que foi apenas o “conhecimento crítico” que sempre teve do sistema carcerário que o levou a sentar, afinal, na cadeira de superintendente. “Porque eu poderia ter me atirado pela janela” – brinca.

O susto tem razão de ser: sob o controle do crime organizado, sem assistência aos presos e com instalações precaríssimas, as penitenciárias paraenses se transformaram em “barris de pólvora” e em celeiros de crimes e criminosos: é de lá que partem as ordens para o tráfico de drogas, grandes assaltos a banco e execuções. E é lá, também, que o crime organizado recruta novos braços para seus exércitos.

A questão é tão grave que gerou, talvez, o único consenso nacional: não há como reduzir a violência nas ruas sem recuperar o controle das penitenciárias. O problema é o poder dessas estruturas criminosas: em vários estados, como é o caso do Pará, elas até conseguiram transformar casas penais em “territórios exclusivos” para os detentos de cada facção. Isso sem falar no caos a que têm levado um estado inteiro: o Ceará.

Na última sexta-feira, 18, Jarbas Vasconcelos recebeu a Perereca da Vizinha, para uma longa entrevista. Ele disse que quer “restabelecer a disciplina no cárcere”, resgatar o controle das casas penais pelo Estado, fazer cumprir a Lei. E não demonstra medo, apesar do vespeiro em que está a mexer.

Entre os seus planos está o de colocar nas ruas, monitorados por tornozeleiras, pelo menos 3 mil presos provisórios que cometeram crimes mais leves. E isso não apenas para desafogar o sistema, mas por um problema bem mais grave: esses presos provisórios, diz Jarbas, viraram presas fáceis do crime organizado; um autêntico exército potencial para essas organizações.

Hoje, quase a metade dos detentos paraenses são presos provisórios (ou seja, gente que ainda nem sentenciada foi), o que é a maior proporção do Brasil. Esses presos ocupam praticamente todas as quase 10 mil vagas do sistema penal paraense, onde se espremem quase 20 mil homens e mulheres.

Jarbas também calcula que seriam necessários pelo menos R$ 220 milhões para colocar as casas penais paraenses em condições minimamente aceitáveis.

E relata que, nestes menos de 30 dias na Susipe (que será transformada em secretária pelo governador), vem atacando o caos do sistema carcerário em várias frentes: já negocia com o Judiciário a criação de uma Central de Flagrantes e de Audiência de Custódia, para agilizar os processos criminais; em Brasília, vai tenta obter recursos para melhorar as condições das casas penais; colocou em andamento a Operação Opus, para restabelecer a Lei e a ordem nas penitenciárias; está levando atendimentos básicos à população carcerária, além de realizar a biometria dos detentos, o que ajudará na elucidação dos crimes. 

Leia a entrevista exclusiva de Jarbas Vasconcelos à Perereca da Vizinha. 


Perereca: Como o senhor classificaria a situação do sistema carcerário, hoje, no estado do Pará?
Jarbas: Quando fui presidente da OAB, entre 2010 e 2015, monitoramos o sistema carcerário paraense. Portanto, tenho uma visão de fora pra dentro. E talvez por ter esse conhecimento crítico foi que cheguei aqui e sentei na cadeira (de superintendente). Porque eu poderia não ter sentado na cadeira e me atirado pela janela (risos). Porque o sistema piorou demais, degradou demais. Vou lhe dar alguns números que mostram isso. Hoje, eu tenho 19.224 presos, para 9.970 vagas. Apesar desse número, o estado continuou prendendo provisoriamente e, hoje, tem a maior taxa do Brasil: 49,53% dos nossos presos são provisórios. São 9.523 presos provisórios, que praticamente ocupam todas as vagas do sistema. E muitos deles cometeram infrações leves ou médias, que têm penas de até 8 anos, e poderiam estar sob monitoramento eletrônico ou fazendo trabalho comunitário. 


Perereca: E por que é que não estão? Por que é que se chegou a essa situação?
Jarbas: Então, estamos dialogando com o Poder Judiciário, para que a gente possa fazer um esforço concentrado, realizar audiências dos presos provisórios. Queremos ver se a gente consegue estabelecer a instrução e julgamento dessas pessoas. Mas que sejam condenados, se for o caso de condenação, a penas diversas da prisão aqueles que não cometeram crimes graves. Não estou falando daqueles que cometeram estupro seguido de morte, latrocínio, sequestro, homicídio. Estou falando de estelionato, furto, etc. Então, esse tipo de crime pode ser apenado com tornozeleira eletrônica. Com isso, coloco as pessoas numa liberdade que chamamos de qualificada, monitorada, limitada. Mas aí você vai dizer: “todo dia eu vejo gente cometendo crime com tornozeleira”. É verdade. E nós temos discutido abertamente com o Poder Judiciário, pra dizer que precisamos melhorar o controle. Não é possível que a gente veja uma tornozeleira de madrugada, em frente a um bar, numa ponte erma da cidade, e que não haja uma abordagem policial sobre aquela tornozeleira. 


Perereca: Quer dizer que o Judiciário também tem grande parcela de responsabilidade nessa superlotação?
Jarbas: Pela Lei de Execução Penal, a administração do sistema penal é do Executivo e do Judiciário. Portanto, a responsabilidade nossa é a mesma: é um sistema de cogestão. Então, dentro de um plano de estratégia de gestão da Justiça, a Justiça é responsável por essa situação tanto quanto o Poder Executivo. E a nossa responsabilidade é de resolvermos. Então, desde o primeiro dia tenho conversado com juízes, com os desembargadores, com o novo presidente do Tribunal (de Justiça do Estado), doutor Leonardo Tavares, que assume dia 1 de fevereiro, que já se comprometeu em nos ajudar fortemente, para que a gente possa avançar nessa situação e estabelecer um olhar imediato sobre esses presos provisórios, porque eles realmente são um problema, e não só pela quantidade. Hoje, o preso provisório é a presa mais fácil para o crime organizado dentro da cadeia, porque se condena por esses crimes, normalmente, o jovem. Ele perde a assistência da família, a condição financeira, e aí quem vai pagar tudo isso pra ele é o crime organizado. E aí, como é que ele vai fazer para compensar esse crime (organizado) que ele está devendo? Praticando crime aqui fora. 


Perereca: Além de ser uma questão desumana e até inconstitucional, não é? Porque o cara está ali preso, sem ter sido sentenciado, não é?
Jarbas: O que é que acontece? Como esses crimes que estou falando têm um potencial leve ou médio, necessariamente, ele não pode ficar muito tempo na prisão – ele volta. Só que quando ele sai de lá (das ruas) e volta pra cá, ele volta não mais como um delinquente primário, que foi apanhado pela primeira vez. Ele volta como membro de uma organização criminosa, para praticar, agora, não mais o pequeno furto, o bate-carteira: ele vai praticar o assalto a banco, vai servir ao tráfico. Então, quando o Estado prende alguém, é para proteger a sociedade desse alguém. Hoje, as prisões provisórias estão desservindo a sociedade, porque elas escancaram as organizações criminosas para essas pessoas que cometeram pequenos delitos. Elas passam a ser devedoras das organizações criminosas e logo voltam para atacar a sociedade. Então, precisamos refletir sobre isto: estamos protegendo ou desprotegendo a sociedade? 


Perereca: Hoje, você tem uma quantidade enorme de homicídios e outros crimes, no Pará. Qual a relação entre a questão do sistema penal, boa parte sob controle de organizações criminosas, e essa violência? Você consegue conter essa violência, diminuir os indicadores no Pará, sem reassumir o controle das casas penais?
Jarbas: Você tem toda razão. Nós deflagramos a Operação Opus, na segunda-feira, e ela continua. Nós fizemos uma primeira etapa dela, que terminou ontem (17/01), onde começamos por dominar 18 unidades prisionais ao mesmo tempo, na segunda-feira de manhã. Fizemos uma varredura de todas elas. Desde quando eu cheguei aqui, todos os dias entramos em uma unidade prisional. E nos fomos em uma escalada, que culminou, no dia 14, com a Operação Opus. Mas nós já estávamos fazendo esse tipo de varredura, entrando nas unidades prisionais. Esse tipo de rotina, de varredura, há muito tempo não acontecia. 


Perereca: Por quê?
Jarbas: Porque a situação degradou. Por “n” fatores: pode ser a crise, pode ser a recessão, pode ser tudo, a questão de valores, a situação de impotência. Então, uma das coisas que fizemos é: a Operação Opus tem que restabelecer a disciplina no cárcere. Então, na segunda-feira, estabelecemos uma ordem: não basta tomar o celular, a droga, a bebida, a arma encontrada com o preso. Temos que abrir um processo disciplinar contra ele. Na segunda-feira, removemos 19 presos da colônia penal agrícola de Santa Izabel (a antiga Heleno Fragoso), que estavam no regime semiaberto, e os colocamos em regime fechado, de isolamento, com a suspensão de todos os direitos. E continuamos a fazer isso todos os dias, desde lá. Hoje mesmo, um (preso) foi apanhado furtando lá perto e também teve o mesmo destino. Ao mesmo tempo, estamos reconhecendo direitos. Fizemos um mutirão, um esforço concentrado de saúde, assistência jurídica, biometria, em que atingimos praticamente a metade da população carcerária de Santa Izabel, do polo de Americano, e do polo de Marituba. Por quê? Porque se eu não levar ao preso assistência à saúde; se o Estado não garantir isso, quem vai garantir é uma organização criminosa. Então, eu preciso ocupar a penitenciária e devolver a autoridade do Estado dentro das unidades prisionais. Em 2016, o estado do Pará, por razões que se explicam, mas que, a meu ver, não se justificam, reconheceu presídios a organizações criminosas. Então, hoje temos presídio que tem a organização criminosa X; noutro presídio, tem a organização criminosa Y. Isso é um problema, que precisamos vencer e superar. Agora, isso não se supera só falando que vai superar. É preciso ter condições de superar. Quando o governador foi ao Complexo de Americano, na terça-feira, foi a primeira vez, na história republicana do Pará, que um governador foi a um complexo prisional, adentrou, viu as situações e deixou claro à população do estado, não só de forma expressa, mas pelo seu gesto, o que você acabou de falar: se eu não resolver o problema do cárcere, eu não resolvo o problema da violência aqui (fora). Por quê? O PCC trabalha fundamentalmente com assalto a banco. A maioria dos assaltos a banco violentos, grandes, vêm do PCC. Vêm de onde? Vem de dentro do cárcere. O Comando Vermelho, (trabalha) com o tráfico. As grandes operações de tráfico, de execução, mortes, assassinatos, vêm de onde? Também de dentro do cárcere. 


Perereca: Pois é: mas como é que se chegou a essa situação? Você tem os chefes criminosos controlando, lá de dentro, as operações aqui nas ruas, matando, mandando matar, e até com um monte de coisas lá dentro das penitenciárias, como eu vi que vocês apreenderam até colete balístico e pistola! Quer dizer, o cara só não saia de lá porque não queria!  
Jarbas: E rádio, droga, bebida, colete balístico, arma, cassetete, tudo. 


Perereca: Pois é. Eu sei que há uma situação nacional. Mas, no estado do Pará especificamente, como é que se chegou a essa condição?
Jarbas: Eu acho que a gente só pode combater a violência a partir de um plano estratégico. E eu acho que, agora, nós temos uma visão estratégica. E estou falando com a autoridade de alguém que, na OAB, em 2010, já dizia que a Susipe deveria ser transformada em secretaria; que nós precisávamos ter um homem, uma cela; uma mulher, uma cela. Porque se não tivermos esse controle sobre a prisão, quem tem são as organizações criminosas. Muitas vezes fui em debates em que pessoas diziam: “ah, mas a OAB defende Lei, defende direitos humanos, defende bandido”. E eu dizia: “olha, mesmo que você não saiba, quem está defendendo bandido é você”. Porque quando eu quero uma cela bem instalada e individualizada para cada preso, eu não estou dando pra ele um hotel: eu estou dando pra ele o impedimento de ele fugir, de ele se articular, de ele tramar crimes, dentro e fora da prisão. E hoje eu posso ver isso. Por exemplo, na segunda-feira, quando fomos lá na colônia agrícola, transferimos 19 presos, esses contumazes de entrar, sair e fazer crimes; alguns deles estamos estudando até transferir para o sistema federal, pela periculosidade. Então, eles foram para celas individualizadas. Nós criamos lá na nossa unidade prisional de jovens e adultos uma ala de regime disciplinar intermediário. Por que intermediário? Porque de lá é presídio federal. E esses 19 foram pra lá. E se você for ver, a cela individual tem banheiro privativo, solário privativo, uma mesinha, para estudo. Portanto, seria um paraíso, dentro da prisão, aquela cela... 


Perereca: Mas eles estão revoltados, né?
Jarbas: Eles estão apelidando ela de veneno... Eles querem ficar 20, 30 na mesma cela, no mesmo banho de sol...É evidente, por causa das organizações criminosas. Aquilo que seria bom, para qualquer pessoa de bem, é o “veneno” pra eles. Então, eles estão se sentindo extremamente revoltados por estarem lá, inclusive protegidos, porque, como a cela tem um nível de segurança muito bom, eles não vão ser agredidos por ninguém, não vão ser mortos, nada. Mas só que lá eles também não podem conversar entre si. O diálogo deles é muito mais monitorado, porque é feito em outro sistema de visita de presos, de familiares. Tem body scanner, raios X, um outro sistema de controle, e esse controle eles não querem. Então, você percebe claramente que é esse modelo prisional que você tem que fazer chegar na ponta, para você devolver os presídios ao Estado e acabar com as ordens de execução que vêm de dentro para fora. Vou lhe dar outra medida que fizemos: biometria. O Pará é um estado que não tem a biometria dos seus presos – e isso é uma coisa elementar. Quem entra no sistema prisional, no sistema policial, seja culpado ou inocente, deve ter a sua anotação biométrica. Porque, na ocorrência de um crime, a primeira coisa é cruzar com aquele exame biométrico, das digitais, da face. Na Operação Opus, estamos fazendo o exame biométrico dos 19.224 presos. E mais: essa foi a primeira fase. Nós vamos avançar, para que toda visita do preso também tenha o seu exame biométrico. 


Perereca: Pois é. Mas vocês pegaram nas casas penais todo esse material (armas, coletes), essa trama entre eles e tudo o mais. Mas isso não é só o preso: você tem de ter gente de dentro ajudando...
Jarbas: E de fora! 


Perereca: Sim, e de fora. Mas mesmo com gente de fora você não conseguiria isso sem a colaboração de agentes penitenciários. O que é que vocês vão fazer em relação aos agentes que podem estar colaborando com esse estado de coisas?
Jarbas: Escute: nós estamos estabelecendo tudo ao mesmo tempo, tendo o cuidado de dar um passo atrás do outro. Eu estabeleci aqui uma ordem que todo diretor prisional, agente penitenciário que apanhar um interno ou em situação irregular ou portando qualquer coisa ilícita, como celular, droga, etc, ele tem de abrir processo disciplinar. Se for no regime semiaberto, tem de regredir de regime (o preso): perder benefício, cortar visita. Aqui, instruímos o processo, tomamos uma decisão administrativa-disciplinar e remetemos à Vara de Execução Penal. E alguns deles, como eu disse, têm que ser removidos, a meu juízo, para um presídio federal. Agora, veja: quando eu falo de restabelecer disciplina no cárcere, essa disciplina vale pra mim, pro preso, pro meu agente, pro meu diretor de presídio. Evidente que me chama também a atenção, se você for ver o nosso relatório, que não é possível que em unidades prisionais que têm raios x e body scanner você encontrar uma quantidade de celulares como a que apreendemos: 88. Apreendemos uma quantidade absurda de bebidas alcóolicas, de maconha, de drogas. Então, o nosso agente precisa ter um encontro também com a disciplina. 


Perereca: Isso não é corrupção?
Jarbas: Veja bem: eu não estou dizendo que é ou que não é. Eu quero só dizer o seguinte: nós estabelecemos aqui uma disciplina no cárcere. Nós dissemos aqui, claramente: o agente que encontrar isso e não tomar providências, providências serão tomadas contra ele. 


Perereca: Quer dizer que acabou a mamata dentro da Susipe? Não tem mais essa coisa de passar a mão na cabeça ou receber...
Jarbas: Veja: não é possível que eu faça... Fizemos a varredura de 19 unidades. Tá lá o body scanner, tá lá o raios x. Aí, na outra semana, por exemplo, eu faço a Opus II e dou uma passada na mesma unidade e encontro as mesmas coisas. Evidente que a gente tem de tomar providências contra um agente, contra um diretor da casa prisional, porque não é possível que aquela situação aconteça duas vezes seguidas, em poucos dias. E nós, nesses poucos dias, já tivemos esse tipo de experiência em uma casa penal, como da colônia agrícola. Na sexta-feira, dia 11, nós fomos lá, apreendemos uma grande quantidade de drogas e de tudo. E quando chegou dia 14, a mesma coisa. Daí porque quando descemos lá, no dia 14, descemos transferindo os presos para o regime de isolamento. 


Perereca: Sim, mas além de transferir esses presos, quais as providências em relação às pessoas que administram essa casa penal, já que o senhor mesmo está notando a repetição desses fatos em tão curto espaço de tempo?
Jarbas: Veja bem: lá na casa penal da colônia agrícola de Santa Izabel tem uma realidade que é um pouco distinta das outras. Qual a realidade? Ela se transformou numa favela. Lá, você tem um favelão. Então, fizeram um muro, no entorno dessa favela, no ano passado. Um muro que não tem fundação. Então, fazia tempo que eu não ia na colônia – quando fui lá, pela última vez, foi pela OAB. Então, eu me assustei com aquele favelão. Mil e 200 presos que estão soltos, vivendo em favela e que não se recolhem aos pavilhões, porque também os pavilhões uns estão quebrados e outros não existem. Então, o que acontece? O estado fez, no ano passado, um muro – e não uma muralha – sob o argumento, possivelmente, de que não é uma casa de regime fechado, mas de semiaberto. E se fez um muro em que a fundação é só no pilar, e não no muro todo. E o que é que o preso faz? Ele cava. Sendo que a favela mais complicada, que fica atrás do sistema, que é a favela do tipo II, ela impede que o nosso agente prisional entre. E eles (os presos) cavam, saem e entram. Então, fomos lá e fechamos os buracos, removemos esse pessoal de lá, estabelecemos controle; a polícia também tem feito rondas diuturnas no entorno da colônia. E quando o governador foi lá, na terça-feira, nós mostramos essa situação a ele e pedimos que a gente pudesse acabar com a favela, e ele autorizou que a gente investisse lá, remanejando R$ 7,1 milhões de verbas que a gente tinha aqui na secretaria, pra que a gente acabasse com essas duas favelas; pudesse pensar em fazer um arruamento, construir os pavilhões e por um pouco de ordem nessa situação que está lá, porque lá virou um corredor de tráfico. Para você ter ideia, nas últimas vezes em que houve resgate lá em Americano, de presos do Comando Vermelho, eles atiravam, da colônia, no CPR I e II. Então, virou um bunker, realmente, de criminoso. E a gente precisa dar cobro disso, e certamente que a gente vai dar, a partir da autorização do governador pra gente investir lá.  


Perereca: Pois. Esse é um lado: o domínio das prisões pelas facções e a relação com a violência. O outro, é a desumanidade. Porque você tem, nas prisões paraenses, uma situação dramática...
Jarbas: Tudo o que você olhou há 3, 4, 5 anos atrás, tudo isso piorou – isso eu posso lhe garantir. Se um dia você quiser ir lá, eu vou com você, com todo o prazer e toda a tristeza, pra lhe mostrar. Piorou muito. E eu digo isso porque eu também acompanhava nessas visitas da OAB. Então, todas as situações pioraram, a situação é degradante. Por isso que a gente tem agido assim: agora, por exemplo, nós atendemos 3.500 presos com atendimento de saúde e odontológico; atendemos 600 presos com questões jurídicas, fizemos biometria. Então, estamos dando assistência. Na Operação Opus dissemos assim: “nós reconhecemos direitos, direito à saúde, a sua dignidade, ao tratamento de assistência jurídica para a sua pena”... Nós queremos fazer um projeto de expansão das vagas... Não é possível falarmos em controle da violência, enquanto não tiver um apenado, uma cela. 


Perereca: Quanto é que você precisaria hoje...
Jarbas: Precisaríamos de 10 mil vagas, 10 mil celas. 


Perereca: Em dinheiro, quanto é que você precisaria, hoje, para colocar o sistema penal do Pará em condições aceitáveis?
Jarbas: Olha, nós estamos trabalhando alguns projetos, não é só cela. Veja: nós estamos trabalhando com o Judiciário, para dizer ao Judiciário que, desses 9 mil presos, eu posso colocar em liberdade qualificada, ou seja, monitoramento eletrônico, um terço deles, ou seja, 3 mil. A outra questão é criar mecanismos que parem com essa situação. Por exemplo, nós estamos dialogando com o doutor Flexa, com o doutor Leonardo, pra que nós possamos criar uma central de flagrantes e de audiência de custódia. O que é isso? O delegado faz o inquérito e passa pro juiz. O juiz pode fazer uma audiência de custódia e pode fazer uma audiência de instrução, tratando-se de crimes de pequeno ou médio potencial ofensivo, com a presença da Defensoria Pública, de advogados, do IML...Ele já sai dali condenado: ele não é mais preso provisório; ele não vai ter de voltar “n” vezes, aquela coisa toda. E a gente vai sempre estar pugnando para que o preso que comete o delito de furto não vá pra uma prisão fechada, ele fique na tornozeleira. Mas a tornozeleira da forma como estou lhe falando: controlada. Não tem forma mais eficiente de controlar alguém do que a tornozeleira, desde que haja controle efetivo, e não o que existe hoje, que se coloca a tornozeleira, o cara vai comete um crime e não há um monitoramento inteligente. 


Perereca: Sim, mas essas são medidas gerenciais, que podem ajudar. Mas eu volto a lhe perguntar: quanto você precisaria, hoje, para deixar as casas penais do Pará em condições humanas, aceitáveis?
Jarbas: Uma casa penal, hoje, com aproximadamente 600 vagas, moderna, como a casa penal de jovens e adultos, está girando em torno de R$ 15, 20 milhões. Então, faça as contas: hoje precisaríamos de 10 mil vagas. Então, eu precisaria de algo como R$ 220 milhões. 


Perereca: E tem esse dinheiro?
Jarbas: Pois é. Evidentemente que nós vivemos em um período de muita escassez, né? Agora, veja: no dia 31, vou estar em Brasília, com o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, e também com o diretor nacional de Política Penitenciária, pra que possamos já levar projetos, não só de construção de novas unidades prisionais, que nós precisamos dramaticamente, como também de projetos que visam assistência ao preso, para que haja essa mobilidade do regime prisional, do fechado para o semiaberto, até o aberto. E nós precisamos muito, também, da colaboração da sociedade. Precisamos dar trabalho ao preso, e a sociedade precisa colaborar com isso. Isso também ajuda na mobilidade, porque, para o apenado, cada três dias trabalhados significa um dia a menos na pena dele. A cada 12 horas que ele estuda, diminui um dia também. Sabia que o preso não gera vínculo de emprego? E o salário dele é três quartos de um salário mínimo? 


Perereca: Mas as pessoas têm muito preconceito, né?
Jarbas: Têm muito preconceito e a gente precisa quebrar isso, fazer um trabalho mais amplo de ressocialização, de reinserção social, no sentido do acolhimento do preso, seja pelas empresas, pelos órgãos públicos, entidades associativas. A relação estatística do cárcere é que quanto mais o preso estuda e trabalha, menos ele se volta às organizações criminosas e menos volta à reincidência. 


Perereca: Qual o grau de reincidência, hoje, no sistema penal do Pará?
Jarbas: É alto, muito alto. Eu tenho os percentuais aqui na secretaria. Mas eu só lhe digo assim: eu não chequei esses percentuais da secretaria, para lhe dar a consistência deles. Por isso é que eu não quero falar, porque não são dados meus. Por exemplo, eu tenho aqui na secretaria dados que me mostram que 30% do nosso universo de presos masculinos trabalham. Isso daria uns 5 mil presos. Mas eu não sei se essa é a realidade, ainda não tenho consistência pra lhe dar esse dado. Mas o que quero lhe dizer é que a curva é a seguinte: quanto mais o preso trabalha e estuda, menos ele reincide. O preso que não trabalha e não estuda, a reincidência dele é quase que 100%. 


Perereca: O senhor está restabelecendo a ordem nas casas penais. O senhor não teme pela sua vida? Já recebeu alguma ameaça? Já tomou algum tipo de medida para se proteger?
Jarbas: Eu espero que os presos entendam que o que a gente está fazendo é, antes de tudo, bom pra eles e pra sociedade. É bom ter disciplina no cárcere, porque um cárcere sem disciplina significa a lei dos mais forte. Então, a disciplina protege os mais fracos, que são a maioria, que não é ligada a nenhuma organização criminosa. Então, eu penso que são situações que eles haverão de compreender. Eu estou reconhecendo direitos. Por exemplo, o direito à saúde. Temos que ter unidades básicas de saúde nas prisões. Hoje, só temos uma, em Americano; não temos em Marituba, nas nossas unidades. E isso tem um custo elevado, porque tenho que ter escolta para levar o preso, para se tratar de uma micose. Então, uma micose custa um valor absurdo no cárcere. Mas se eu vou e dou assistência à saúde e evito a micose... Além do custo, tenho outro problema, porque a situação do cárcere está tão degradada que uma micose é capaz de causar uma rebelião, se ela não for tratada. 


Perereca: É um barril de pólvora, né?
Jarbas: É um barril de pólvora. Se hoje, no jantar, estiver um pouco mais salgada a comida, eu posso ter uma casa penal incendiada. Então, as coisas hoje adquiriram uma dimensão...Não existem mais pequenas coisas, porque todas elas adquiriram uma dramaticidade, uma radicalidade, que não existe mais um pequeno problema dentro do cárcere. Todos são grandes. 


Perereca: Mas aí eu volto: como é que se chegou a essa condição? O senhor acha que houve omissão do Governo do Estado, do Judiciário e até mesmo do Ministério Público e OAB? O senhor acha que faltou uma ação para evitar que se chegasse nesse barril de pólvora?
Jarbas: Eu preciso da colaboração, hoje, de todos. Da OAB, do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Poder Judiciário, dos ex-gestores do sistema. Então, eu quero evitar falar de qualquer um. O que quero lhe dizer apenas é: desde quando deixei a OAB, em 2015, e fui pra federal e retornei hoje, não mais como pedra, mas como vidraça (risos)... a situação piorou demais. E hoje não há espaço para erro. Qualquer manobra errada no sistema, ela é capaz de ocasionar o que aconteceu no Ceará. Veja: o secretário de administração do sistema penal do Ceará não falou nenhuma coisa errada. Ele apenas disse: “olha, eu não reconheço que exista PCC e Comando Vermelho. Eu reconheço que existem presos e eu vou misturar todo mundo e não interessa isso e tal”. Você viu o que aconteceu a partir daí. Então, temos que ter muito cuidado, muita cautela e, sobretudo, realizar as coisas.  Eu preciso fazer algumas coisas muito rapidamente. Por exemplo: a colônia agrícola Santa Izabel. Eu preciso acabar com aquela favela. Eu preciso ter um muro que seja um muro, e não uma coisa que não funciona. Eu preciso ter uma muralha, é essa é que é a verdade. Eu preciso fazer com que o preso da colônia entre e saia para trabalhar – que ele vá trabalhar, e não assaltar. E que ele volte com os instrumentos de trabalho ou de estudo dele, com o caderno e com o livro, e não cheio de drogas, bebidas, armas, coletes balísticos. Então, são desafios. Eu tenho que ter controle. Não adianta eu colocar, por exemplo... O estado comprou, nos últimos tempos, 9 body scanners. Cada body scanner desses custa algo como R$ 150 mil a R$ 200 mil, é muito caro. Mas se o agente permitir que entre droga, celular, contornando o body scanner, de que adiantou esse investimento? Então, nós precisamos de políticas firmes e continuadas. O problema do cárcere é o seguinte: o que estamos mantendo, hoje, como política, isso tem que ser um dia a dia, uma regularidade. No momento em que a gente para isso daqui, rapidamente a coisa se deteriora. 


Perereca: A coisa degringolou tanto lá que não estavam funcionando nem os bloqueadores de celular, não é? Gastou-se quanto nisso e o que é que se vai fazer?
Jarbas: Uma das coisas que cheguei aqui e bati imediatamente foi: e os bloqueadores? Então, me disseram: é porque as telefonias fogem da frequência; eles operam em frequência além de 800 e, com isso, fogem da nossa frequência, que intercepta uma frequência até de 800. Aí, eu disse: vamos chamar os dois – as empresas e as operadoras. E as operadoras disseram: não, nós não fugimos do bloqueio. Aí, a empresa operadora disse: não, o nosso bloqueio funciona. Então, se não funciona alguém está mentindo. E é uma questão que, pra nós, implica até uma responsabilidade criminal. Não só do ponto de vista da probidade: ou seja, o estado pagou para não funcionar, o que é um crime do ponto de vista da improbidade administrativa. Mas eu estou falando, também, de outro crime, que é o fato de que, com esses celulares que entraram, alguém foi morto aqui fora. Isso é mais grave. Então, eu disse assim: vamos chamar a Anatel. E ela foi lá, no dia 14, no dia da Operação Opus, e constatou que os nossos bloqueadores não estão funcionando. Aí, assinei uma portaria para abrir uma investigação, para saber desde quando esses bloqueadores não estão funcionando. Daqui a 30 dias, vai terminar o contrato com essa empresa. E nós vamos fazer uma licitação, para termos bloqueadores eficientes. E as operadoras também, espero que elas colaborem. Porque nós dissemos muito claro: se eu estabeleço um bloqueio de frequência de sinal de celular e a operadora funciona, pra mim, isso é um ato criminoso. E nós vamos tomar posição contra as operadoras. Se eu pago uma tecnologia sensível, cara como essa, e a empresa não realiza isso, significa também que ela agiu com dolo, um crime. Olha só: nós estamos levantando as coisas aqui. E nós sabemos mais do que estou lhe dizendo. E nós vamos tomar as providências, você vai ver.  


Perereca: Só uma última pergunta: li, hoje, no Diário do Pará, que foi aberta uma sindicância porque, só mês passado, morreram 9 detentos, nas casas penais do Pará, na maioria por enforcamento...
Jarbas: Olha só o que está acontecendo: toda vez que ocorre a morte de um preso... Por exemplo, na terça-feira, dois presos foram mortos, atrás da colônia agrícola, lá nas matas. E qual é o nosso procedimento? Eu estava inclusive lá ao lado, em Americano, e os presos queriam pegar os corpos, e não sei o quê, levar, entregar para as famílias...Não, o procedimento não é esse. O procedimento é pegar os corpos, levar para o IML periciar e abrir um inquérito policial, para apurar a morte. Hoje, teve um preso morto, em Altamira, enforcado. Tem que fazer o mesmo procedimento. Então, nós temos que cumprir procedimentos. Me interessa saber se o preso se suicidou ou se ele foi “suicidado”. Se ele se suicidou é uma situação, se ele foi morto com aparência de suicídio, alguém tem de ser responsabilizado. Então, essas pequenas medidas de adequação de conduta dentro do cárcere, que me parece que são importantes. Você lembra de mim na OAB, que eu defendo a tolerância zero. Mas a tolerância zero não é sair matando ou espancando alguém. A tolerância zero é coibindo desde os pequenos delitos. Você quer saber o que é tolerância zero, faz o seguinte: vai em Nova York, chega na Time Square, arria as calças e faz pipi lá. Ou pega teu carro e coloca sobre o meio fio da calçada. Você vai para a cadeia, pagar uma multa, vai ficar preso, vai pagar um advogado, as custas de um processo. Isso é tolerância zero. De modo que tu vais pensar muito em dizer assim: “bem, agora eu vou bater numa pessoa”. Isso vai custar mais caro. “Ah, agora eu vou ferir uma pessoa”. Vai custar mais caro. “Agora, eu vou matar uma pessoa”. Vai custar muito mais caro. Você é persuadido a não fazer, pela postura do Estado de não falhar na coerção de um pequeno ato, até um grande ato. Você sabe que terá consequências. Tolerância zero não é tomar porrada do guarda no meio da rua, matar. Isso não é tolerância zero: é selvageria, pura e simplesmente, que não leva a nada. Pelo contrário: aumenta a violência. Você diminui a violência combatendo desde os pequenos delitos. E, no cárcere, precisa ser tomada essa postura. É incrível que o cumprimento da lei deixou de ser exigido dentro do cárcere do Pará. E isso, estou retomando, por uma percepção de quem conhece. Então, se quero reconquistar esse estado, eu preciso que a lei entre dentro desse local, nessa minudência que você acabou de falar. Teve um suicídio? Apura! Essa visão bárbara de dizer: “ah, é de um preso, não tem que apurar nada”. Não, nós temos que apurar. “Ah, foram encontradas 100 gramas de maconha”. É ocorrência policial, ele cometeu um crime, um delito, tem que fazer dessa forma. Eu sei que isso é chato. Pode ser que o policial, o escrivão, o delegado, pensem: “pô, o cara já tá preso!”. Sim, e ele precisa responder a outro processo. Porque ele não pode pensar assim: “ah, aqui eu fumo maconha e o máximo que vão fazer é tomar o meu cigarro”. Tem que cumprir a lei. Se ele estivesse aqui fora não ia ser feito dessa forma? Então, aqui dentro, também. Eu sei que é chato, dá trabalho. Mas é dessa forma que a gente vai restabelecer o domínio do cárcere.