É uma medida elitista, perversa, antidemocrática, e talvez
até inconstitucional.
Porque pode impedir o acesso de milhares de cidadãos
em situação de vulnerabilidade a um diploma de nível superior: idosos,
deficientes físicos, mães solteiras, trabalhadores pobres com extensas jornadas
de trabalho.
É, também, uma "bomba-relógio", com potencial
de prejudicar até mesmo estudantes da classe média, que iniciaram seus estudos
desconhecendo essa medida.
Estou a falar da Resolução CNE/CES Nº 7, aprovada em 18
de Dezembro de 2018, no apagar das luzes do Governo de Michel Temer, pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE).
Ela obriga à realização de centenas de horas de
extensão PRESENCIAL, pelos estudantes de todos os cursos de graduação, mesmo do
ensino à distância (EAD), como é o meu caso.
E como sempre acontece, diz-se cercada de boníssimas
intenções.
Como, por exemplo, aproximar as universidades da
sociedade, devolvendo-lhe parcela do Conhecimento que produzem.
Ou até que os projetos de extensão incentivarão o
contato dos estudantes com a realidade do País.
No entanto, essa medida mais parece concebida para
manter o ensino superior como privilégio de uma casta.
Hoje, apenas 11% do eleitorado brasileiro (cidadãos
com 16 anos ou mais) possui uma graduação; mais de 60% dos eleitores possuem,
no máximo, o Fundamental completo; os demais, no máximo, o Ensino Médio.
São desses 11% os melhores cargos, salários e
aposentadorias, cabendo aos restantes apenas a condição de serviçais.
Uma desigualdade tão impressionante que afasta de
pronto essa história de “meritocracia” e “mindset”, discursos cínicos do
neoliberalismo.
E que obriga a olhar para o nascedouro dessa
concentração, ainda nos primeiros séculos da colonização do Brasil.
Obriga a olhar para as fatias da sociedade desde
sempre postas à margem do desenvolvimento econômico e social: negros, pardos,
pobres, idosos, deficientes, mães solteiras.
Que poderiam, quem sabe, “macular” esses “Templos do Saber”
e escapar (que ousadia!) das condições de sobrevivência a que estão “destinadas”...
Somadas às atividades complementares já exigidas nas
graduações, essas atividades de extensão resultarão em cargas adicionais de 400
a 500 horas.
Que, de tão excessivas, seriam suficientes para uma
Especialização.
Ainda pior é a exigência paleolítica de que essas
atividades extensionistas sejam realizadas PRESENCIALMENTE, mesmo no EAD, como
consta no artigo 9º dessa Resolução.
Assim, um projeto de extensão que totalize 40 horas,
por exemplo, com carga máxima diária de 8 horas, consumirá 5 dias, ou
praticamente uma semana, PRESENCIALMENTE.
O que, no entanto, representará apenas uns 10% do
necessário, a depender da graduação.
E a pergunta que não quer calar é: como é que nós,
idosos e portadores de deficiências locomotoras, conseguiremos enfrentar todos
esses deslocamentos e trabalhos presenciais, que podem incluir visitas a
comunidades, reuniões, entrevistas, organização de palestras e seminários?
E quem pagará os nossos custos de transporte e
alimentação, e dos eventos propriamente ditos?
Idem para as mães solteiras.
Muitas realizam graduações à distância porque
trabalham durante o dia e, à noite, não têm com quem deixar seus filhos.
Então, como é que poderão simplesmente abandoná-los
sozinhos em casa, para a execução desses projetos?
Ou, em arranjando alguém para tomar conta deles, quem
pagará tal despesa?
E quanto aos trabalhadores pobres, que precisam se
virar entre dois empregos ou “bicos”?
Eles praticamente perderão o direito ao convívio
familiar e ainda terão de suportar os custos de toda essa carga adicional das suas
graduações?
Sim, porque a propagandeada “devolução de saberes” à
sociedade ocorrerá, em muitos casos, só através dos estudantes, vez que muitas
instituições privadas “lavam as mãos” diante da execução desses projetos.
Ao fim e ao cabo, nós, os estudantes, é que teremos de
levar a extensão à comunidade, gastando tempo e dinheiro.
Por vezes, com o auxílio de muletas e bengalas, ou até
carregando crianças de colo.
E ainda “badalando” de graça o nome dessas
instituições privadas, em uma espécie de trabalho compulsório não-remunerado.
Outro problema é a maneira como a integração curricular
da extensão vem sendo implantada: sem qualquer discussão com os estudantes; sem
uma ampla campanha de esclarecimento; e, aparentemente, sem nem mesmo uma
pesquisa acerca do perfil do alunado de EAD.
A Resolução CNE/CES 7/2018 foi editada “na calada da
noite”, bem ao gosto do presidente da República de então...
Em 24/12/2020, durante o desgoverno Bolsonaro, o MEC prorrogou até dezembro de 2022 o
prazo para a implantação dela.
Diz-se que em função da pandemia.
Mas, talvez, em razão do seu potencial de PREJUÍZOS POLÍTICOS.
Como tudo foi realizado sem a ampla e necessária publicidade,
só no segundo semestre de 2023 é que muitos estudantes COMEÇARAM a tomar conhecimento
dessa Resolução.
E ainda assim, em meio a informações desencontradas.
Isso significa que poderemos ter, nos próximos anos, milhares
de estudantes surpreendidos com a impossibilidade de obtenção do diploma, por
inexecução dessas atividades.
Além de milhares que terão de abandonar os seus
cursos, por falta de tempo e dinheiro para essa carga excessiva de horas
complementares e de extensão.
É uma típica manobra do Estado-Bandido, que é o Estado
brasileiro, Robin Wood às avessas, que rouba dos pobres para dar aos ricos.
Ora, basta uma busca no Google para se deparar com uma
verdadeira “indústria” de cursos complementares.
Muitos anunciados como “gratuitos”, mas que cobram
pelo certificado a ser apresentado à universidade.
Instituições privadas de ensino superior também
oferecem um leque desses cursos, muitos igualmente pagos.
Então, o que impedirá o surgimento de “indústria”
semelhante em torno da extensão?
E quem serão os beneficiados?
Certamente, não os estudantes pobres, que, muitas
vezes, só conseguem cursar uma universidade graças ao FIES.
Mas sim, além dos empresários da Educação, aqueles
estudantes mais “abonados”, que não precisam trabalhar e podem pagar por cursos
e projetos.
O que os burocratas do MEC precisam entender é que NÃO
podem tratar da mesma maneira os desiguais; é esse o ponto central dessa
discussão.
Bem vistas as coisas, é como colocar um homem branco,
jovem, em boa situação financeira e sem nem sequer uma unha encravada, para
competir com um idoso de bengala, ou com uma mulher negra, pobre e mãe
solteira.
Onde a Justiça?
Onde a equanimidade?
Onde a Democracia?
Onde o combate às desigualdades sociais?
Penso que também é preciso acabar com todo esse
preconceito em relação ao EAD, para o qual muitos desses burocratas, carentes
de reciclagem, ainda torcem o nariz.
Aparentemente, desconhecem as grandes universidades do
mundo que oferecem cursos complementares, e até de graduação, totalmente à
distância.
Além das grandes empresas, inclusive de Tecnologia,
que estão formando seus futuros quadros através de EAD.
E basta dar uma olhada na plataforma Coursera e em
outras semelhantes, para constatar o que estou a dizer.
O EAD é, sim, um extraordinário meio de aprendizagem e
de democratização do ensino superior.
E, assim como o ensino superior presencial, não pode virar
boi de piranha das mazelas da Educação brasileira, cujas raízes estão, em
verdade, no Ensino Fundamental.
Isso significa que o EAD brasileiro é divino e
maravilhoso? Não.
Ele carece, sim, de melhorias, investimentos, nos polos,
materiais didáticos, professores e tutores, por exemplo.
Mas as cobranças nesse sentido têm de ser direcionadas
às universidades, em vez de transformar os estudantes em uma espécie de Judas
em Sábado de Aleluia.
Quero deixar claro que não discuto a importância da
extensão para a aprendizagem, pesquisa e interação com a comunidade.
O que questiono é a maneira como isso está sendo feito
(sem maiores discussões, sem levar em conta as limitações de grandes fatias
sociais e com preconceitos da Pedra Lascada), além da dimensão dessa carga
extra que vem sendo agregada aos cursos de graduação.
Ao que li, o MEC estaria modificando essa Resolução, para
permitir que uma pequena parcela da extensão seja realizada online.
Mas isso não resolve o problema.
O que resolve é esse ministério observar a equanimidade
que tem de nortear tal exigência.
Além de perceber o quão excessiva é toda essa carga.
Bem como, o potencial das novas tecnologias, para
tornar o extensionismo até mais criativo e abrangente.
Mas isso só ocorrerá se os estudantes se mobilizarem
contra tamanho abuso.
É preciso recorrer à Defensoria Pública,
Procuradoria Geral da República (PGR), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e a
todas as instituições que possam auxiliar no ajuizamento da competente ação
contra essa norma, por inconstitucionalidade e prejuízos, talvez irreparáveis,
a milhares de cidadãos.
E eu só lamento é que lei não retroaja para prejudicar.
Porque eu gostaria de ver a reação desses burocratas
diante das exigências que hoje colocam a milhares de estudantes, para a
obtenção de um diploma de nível superior.
FUUUIIIII!!!!