quarta-feira, 20 de maio de 2020

Usada sem controle, hidroxicloroquina pode até matar. Mesmo assim, redes de notícias falsas do bolsonarismo fazem campanha para uso em massa desse medicamento. Pesquisadores afirmam que não há prova de que hidroxicloroquina funcione contra a Covid-19, mas Bolsonaro libera o uso até nas fases iniciais da doença. Propaganda do remédio por Donald Trump seria motivada por interesses bilionários de financiadores das campanhas eleitorais dele.







O presidente Jair Bolsonaro mandou e o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, liberou, hoje (20/05), o uso da hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19 nas fases iniciais da doença.

Até então, o medicamento só podia ser usado, na rede pública de saúde, em pacientes internados, em estado grave.

Nem Bolsonaro nem Pazuello são médicos e nenhum médico assinou o novo protocolo do Ministério da Saúde, diz o jornal O Globo.

Para usar o remédio, o paciente terá de assinar um documento dizendo que sabe que não há garantia de que ele funcione e que há o risco de graves efeitos colaterais, como incapacidade temporária ou permanente, e até morte.

Esse termo de consentimento terá de ser assinado também pelo médico que receitou.

Mas, na prática, transfere para a possível vítima (o doente) a responsabilidade por tudo o que de ruim vier a lhe acontecer.

Um fato ainda mais assustador quando se leva em conta que os pacientes do sistema público de saúde são, na maioria, pessoas pobres, de baixo nível educacional e pouquíssimo acesso à informação.

E que, ainda por cima, estão desesperadas, com medo dessa doença.



Rede de fake news induz população a usar em massa o medicamento


A liberação da hidroxicloroquina pelo governo de Bolsonaro foi antecedida por dias de intensa atividade da rede de notícias falsas (fake news), controlada pelos bolsonaristas.

Na foto que abre esta postagem, você vê essa rede espalhando um boato de “cura” da Covid-19, através de um coquetel de remédios à base de azitromicina (AZT), hidroxicloroquina (HCQ) e zinco.

Durante a pandemia de Covid-19, já foram várias as mentiras espalhadas no Facebook, Twitter, Youtube e WhatsApp por essa rede, para fazer com que a população não acreditasse no perigo da Covid-19 e voltasse a trabalhar.

Agora, a rede tenta fazer com que a população use em massa a hidroxicloroquina, um remédio que pode causar problemas de audição, visão, danos no fígado e nos rins, e alterações no ritmo das batidas do coração (as chamadas arritmias cardíacas), que podem até levar à morte.

Tão ou mais grave é que NÃO há comprovação de que a hidroxicloroquina funcione contra a Covid-19.

Pelo contrário: a maior e mais recente pesquisa, realizada com mais de 1.400 pacientes dos hospitais do estado de Nova York, nos Estados Unidos, concluiu que esse remédio NÃO evita que as pessoas morram por causa da Covid-19, e ainda pode causar problemas no coração.

Na Suécia, hospitais pararam de usar esse remédio, devido às arritmias cardíacas e problemas de visão que teria causado nos pacientes.

A Agência de Saúde Pública do Canadá e a FDA, a agência reguladora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos, chegaram a emitir alertas sobre os riscos da hidroxicloroquina na prevenção ou tratamento da Covid-19.

Em Manaus, um estudo sobre esse remédio teve de ser interrompido depois da morte de 11 pacientes.
Leia no site da Deutsche Welle, emissora internacional da Alemanha. A notícia é de 14 de abril: https://www.dw.com/pt-br/estudo-sobre-cloroquina-no-brasil-%C3%A9-cancelado-ap%C3%B3s-morte-de-pacientes/a-53122089

Ontem, 19/05, Marcos Espinal, que é diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço regional da Organização Mundial de Saúde (OMS), disse que a Opas NÃO recomenda o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 e que NÃO há evidência científica de que ela funcione contra essa doença. Ele também ressaltou os seus efeitos colaterais, principalmente os problemas cardíacos.



Objetivo é acabar com o isolamento social


Então, por que a insistência de Bolsonaro em liberar a hidroxicloroquina?

Na minha opinião, o que ele quer é que a população acredite que pode voltar a trabalhar porque “já existe” um remédio para a Covid-19.

O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também acredita que seja essa a motivação do presidente.

Ou seja, trata-se de mais uma tentativa de Bolsonaro de sabotar o isolamento e o distanciamento sociais, as únicas medidas eficazes para conter o avanço do novo coronavírus, mas que ele se recusa a aceitar.

Penso também que a hidroxicloroquina continua a ser receitada contra a Covid-19, por médicos do Brasil e de outros países, devido à pressão da população, que, apesar de todas as pesquisas científicas, prefere acreditar nas declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.


Interesses bilionários e financiamento eleitoral


Foi Trump o primeiro a anunciar o tal “milagre” da hidroxicloroquina, em março último.

No entanto, o seu entusiasmo não teria motivações humanitárias, mas sim financeiras, pessoais e partidárias.

Segundo o jornal New York Times e a revista Forbes, dois dos maiores veículos de comunicação dos Estados Unidos, o bilionário Ken Fisher, que é um dos principais doadores das campanhas eleitorais de Trump e do partido dele, é também um dos maiores acionistas da Sanofi, empresa que produz o Plaquenil, um dos medicamentos à base de hidroxicloroquina.

O próprio Trump é um pequeno acionista da Sanofi. E o secretário de Comércio do governo dele foi administrador de um fundo que investiu na empresa.
E no site da Opera Mundi, o link para a reportagem (em inglês) do New York Times: https://operamundi.uol.com.br/permalink/64012

Outros gigantes da indústria farmacêutica, como a Novartis, Teva e Bayer também devem lucrar com a hidroxicloroquina.

As três, aliás, seriam membros da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA), uma das financiadoras do Job Creators Network, que é um grupo de apoio ao presidente Donald Trump, fundado pelo bilionário Bernard Marcus, que, além de doador das campanhas eleitorais do partido de Trump, já teria prometido que gastará parte de sua fortuna para reeleger o presidente norte-americano. 
Leia no site do jornal português Diário de Notícias, a matéria publicada em 7 de abril: https://www.dn.pt/mundo/por-que-insiste-trump-no-tratamento-com-hidroxicloroquina-12042840.html

No jornal O Estado de São Paulo, também em matéria de 7 de abril, há informações de que outras indústrias farmacêuticas, que fabricam medicamentos genéricos, se preparam para produzir pílulas de hidroxicloroquina.

Uma delas é a Amneal Pharmaceuticals, que tem como co-fundador Chirag Patel, membro do Trump National Golf Course Bedminster, um clube de golfe criado por Trump.

No entanto, até mesmo a Sanofi, que produz o Plaquinol (aparentemente, o nome brasileiro do Plaquenil) admitiu em uma nota publicada em seu site, em 26 de março, que não há evidência científica de que a hidroxicloroquina seja eficaz contra a Covid-19.

“Até o momento, não existem evidências clínicas suficientes para tirar conclusões sobre a eficácia ou segurança clínica da hidroxicloroquina (ou cloroquina) no tratamento da COVID-19. Os resultados preliminares de diferentes estudos independentes requerem análises adicionais e estudos clínicos mais robustos e amplos para avaliar o perfil de riscos e benefícios do Plaquinol para o paciente com COVID-19”, diz a nota.

E você aí pensando que esses “causos” só acontecem no Brasil...


Um coquetel de Trump, Bolsonaro e Nicolás Maduro. É mole ou quer mais?



Com o avanço das pesquisas mostrando a ineficácia e os riscos da hidroxicloroquina, Trump deu uma pausa na defesa do medicamento.

Aparentemente, só Bolsonaro e, ironicamente, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, continuavam a defender o tal “milagre”. 

No entanto, no último dia 18, Trump voltou a defender a hidroxicloroquina e disse até que está a usá-la para prevenir a Covid-19, apesar das recomendações em contrário dos órgãos de saúde de seu próprio governo.
Leia na reportagem da BBC do Brasil: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52717323



A pressão popular, as fake news e os fatos


A propaganda da hidroxicloroquina por Trump levou, ainda em março, a uma corrida às farmácias em busca desse medicamento, em vários países do mundo, inclusive no Brasil.

Além disso, criou uma pressão popular sobre os médicos e autoridades de saúde, um problema agravado, no Brasil, pela rede de fake news do bolsonarismo e pelos pronunciamentos de Bolsonaro.  

Mas o FATO, sem fake news, pressão popular ou disputas políticas, é que a hidroxicloroquina só tem eficácia comprovada contra outras doenças (como é caso da artrite reumatoide), todas muito diferentes da Covid-19.

E mesmo nas doenças em que tem efeito comprovado, esse remédio tem de ser usado com acompanhamento médico e exames periódicos.

Além disso, até medicamentos aparentemente “banais” como AAS, Melhoral e Aspirina, usados rotineiramente pela população para dor e febre, podem ter resultados desastrosos em pessoas que tenham doenças como a dengue, por exemplo, já que aumentam o risco de hemorragia.

Vou deixar abaixo outros links, caso você queira mais informações.

E aí, caro leitor, você decide se acredita nas pesquisas científicas realizadas em vários países, ou se prefere acreditar em uma rede de notícias falsas e no Bolsonaro, um ex-capitão do Exército que não entende patavina nem de governo nem de Medicina.

FUUUIIIIII!!!!!   

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Aqui, uma reportagem, de 29 de abril, sobre o “estudo” da empresa Prevent Senior, que bolsonaristas espalham, nas redes sociais, como “prova” de eficácia da hidroxicloroquina contra a Covid-19, no começo da doença:

Aqui, uma reportagem da revista Carta Capital, de 17 de maio, mostrando que os hospitais da Prevent Senior, em São Paulo, também estão lotados, apesar dos resultados do tal “estudo”:  https://www.cartacapital.com.br/saude/exemplo-de-sucesso-da-cloroquina-prevent-senior-tem-utis-no-limite/?fbclid=IwAR2JAR8bjhDf2yj1LBQPJMZxagzwYYw0fEFHEK1BB61QGbmeZzz7cRbq9IY

Aqui, reportagem da RFI (Rádio França Internacional), de 22 de abril, sobre uma pesquisa, em hospitais para ex-combatentes de guerra norte-americanos, que não encontrou evidência da eficácia da hidroxicloroquina contra a Covid-19 e ainda detectou maior taxa de mortalidade entre os que tomaram o remédio: http://www.rfi.fr/br/am%C3%A9ricas/20200422-veteranos-americanos-que-tomaram-hidroxicloroquina-contra-covid-19-tiveram-alta-taxa-de-mortalidade-diz-estudo

Aqui, o Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), que permitiu, em abril, que os médicos prescrevessem esse medicamento contra a Covid-19, mas tendo de alertar sobre os seus possíveis efeitos colaterais e sobre o fato de que não há comprovação de eficácia desse remédio contra essa doença, além de obterem uma declaração de consentimento do paciente. https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=28672:2020-04-23-13-08-36&catid=3

Aqui, Nota da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) também dizendo que, até aquela data, 9 de abril, não havia evidência científica suficiente sobre a eficácia desse remédio contra a Covid-19 e até citando a publicação do British Medical Journal sobre os riscos da hidroxicloroquina, devido aos seus efeitos colaterais: https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2020/04/09/unicamp-divulga-nota-sobre-uso-de-cloroquina-e-hidroxicloroquina

Aqui, uma boa reportagem do site The Intercept, de Jornalismo Investigativo, datada de 8 de maio, que desmente, inclusive, a fake news divulgada até por Donald Trump de que portadores de lúpus não estariam contraindo a Covid-19 porque tomam hidroxicloroquina: https://theintercept.com/2020/04/08/tratamento-hidroxicloroquina-covid-19-coronavirus-trump-bolsonaro/

Aqui, uma boa reportagem da Pública, Agência de Jornalismo Investigativo, datada de 13 de abril, sobre o uso desse medicamento contra a Covid-19: https://apublica.org/2020/04/a-cloroquina-nao-e-a-bala-de-prata-que-o-bolsonaro-diz/

Aqui, a ministra Damares Alves tentando convencer a população sobre a “cura milagrosa” da Covid-19 através da hidroxicloroquina, também tendo por base uma fake news: a de que um hospital do Piauí teria “zerado” a UTI usando esse remédio. A notícia, do site Viomundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, é de 15 de maio : https://www.viomundo.com.br/politica/agencias-da-uniao-europeia-e-dos-eua-advertem-sobre-mortes-causadas-por-cloroquina-mas-deputada-evangelica-receita-e-damares-diz-que-viu-milagre-video.html?fbclid=IwAR1e8eT0fFEwisLyuZT489Tr4SsTY8-GawxBhUF0HmjxlfS6k-lSIzbspcE

Aqui, o desmentido de outra fake news do bolsonarismo: a de que médicos de 30 países confirmam a eficácia da hidroxicloroquina. A informação da Agência Lupa é de 16 de abril. Mesmo assim, a fake news continua a circular com força nas redes sociais e nos sites que produzem as notícias falsas dessa rede. Leia aqui: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/04/16/verificamos-medicos-30-paises-eficacia-cloroquina/

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