É incrível, mas verdadeiro: os estados e municípios brasileiros
e até a Defensoria Pública da União (DPU) estão tendo de brigar na Justiça
contra o Conselho Federal de Medicina (CFM) e seus conselhos regionais (CRMs),
para que os médicos cubanos possam atender a população durante a pandemia de
Covid-19.
Até ontem, 14/05, o Brasil já possuía 203 mil casos
confirmados da doença, e quase 14 mil mortos. No Pará, eram 11,5 mil casos e
1.095 mortos.
A velocidade com que a Covid-19 se alastra agravou, de
maneira inimaginável, a crônica falta de leitos hospitalares, UTIs e profissionais
de Saúde: em vários estados, há pacientes morrendo em casa ou até na porta de UPAs
e hospitais, devido à impossibilidade de atendimento gerada pela hiperlotação.
E tantos são os mortos, nas unidades de saúde ou fora
delas, que caminhões frigoríficos estão sendo usados como extensão de institutos
médicos legais, para a recolha de corpos.
O quadro é de guerra, de emergência sanitária.
Mesmo assim, o CFM insiste em barrar a contratação de
médicos formados no exterior que não tenham realizado o Revalida, o exame para
a revalidação de seus diplomas em território nacional.
E isso apesar de o Revalida não ser realizado desde
2017 e de o próximo exame estar previsto apenas para outubro, quando, certamente,
muita gente já terá morrido por falta de atendimento.
Além disso, muitos desses médicos cubanos já atenderam
a população brasileira durante o programa Mais Médicos. E, até onde se sabe,
trabalharam muitíssimo bem.
Como disse o ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha,
em uma entrevista ao jornalista Juca Kfouri, em 2018, a competência desses
profissionais é mundialmente reconhecida.
Agora mesmo, durante a pandemia, dezenas de países
(inclusive da Europa) estão a receber a ajuda de médicos cubanos, que muitas
vezes desembarcam nos aeroportos sob aplausos da população.
Então, o que é que alega o CFM para se opor à contratação
desses médicos?
Segundo o CFM, o Revalida diminui o risco de expor os pacientes
a profissionais sem a devida qualificação.
Estaria certíssimo, não fosse por um “detalhe”: neste
momento, impedir o trabalho de médicos formados no exterior, que possuem
autorização para exercer a Medicina em seu país de origem, significa expor
milhares de pacientes a um risco infinitamente maior, já que ficarão sem médico
algum.
Bem mais provável, porém, é que a preocupação do CFM seja
outra: o corporativismo, a reserva de mercado, o que revela um nauseante descompromisso
com a população.
E não “apenas” com a população em geral: é um descompromisso
com os próprios médicos brasileiros, que estão a ser contaminados, e até a
morrer, em meio a jornadas desumanas de trabalho, já que em número claramente
insuficiente para tantos pacientes de Covid-19.
No entanto, há uma prova dos nove fácil, fácil que
esses senhores e senhoras do CFM e dos CRMs podem nos dar, de que estão
realmente preocupados com a saúde do nosso povo, e não com a simples reserva de
mercado.
Basta que peguem seus jalecos tão bem engomados e vão
trabalhar lá em Curralinho, lá em Bagre, lá em Anajás, lá em Melgaço, onde o
nosso povo, há décadas, sofre e morre por falta de atendimento.
Ontem, um juiz federal de São Paulo negou a liminar
pedida pela Defensoria Pública da União (DPU), para que o CFM e o Governo
Federal (os dois parceiros dessa empreitada insalubre) parassem de inviabilizar
a contratação de médicos formados no exterior, que ainda não fizeram o
Revalida, por órgãos públicos de todo o país.
Também ontem, o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde
do Estado do Pará (COSEMS) ajuizou Ação Civil Pública (ACP), na Justiça
Federal, pedindo uma liminar para que as nossas prefeituras possam contratar
médicos formados no exterior, durante essa pandemia.
Médicos que embora não tenham feito o Revalida, possuam
autorização para o exercício profissional em seus países de origem, ou tenham
atuado no Mais Médicos.
O COSEMS quer que o Conselho Regional de Medicina do
Pará expeça licenças provisórias para que esses profissionais possam trabalhar nos
nossos municípios, enquanto durar a situação de calamidade pública que eles enfrentam.
Mas o CRM/PA já criticou publicamente a contratação de
médicos cubanos pelo Governo do Estado, o que indica que poderá assumir a mesmíssima
posição vergonhosa do CFM.
A Ação Civil Pública do COSEMS é assinada pelo
advogado Napoleão Nicolau da Costa Neto.
Ela está nas mãos do juiz federal Jorge Ferraz de
Oliveira Junior, que mandou intimar o CRM e o Governo Federal, para só então
decidir sobre a liminar.
O COSEMS observa que apesar das medidas adotadas pelo Governo
do Estado e prefeituras, crescem os casos confirmados e as mortes provocadas
por essa doença, situação que deverá se agravar nas próximas semanas.
Também observa que a ampliação do atendimento à
população esbarra na carência de médicos, problema que atinge até mesmo a rede
particular: a Unimed, o maior plano de saúde do estado, “luta para atender seus
clientes, tendo que suspender seu atendimento em diversas ocasiões pela falta
de médicos”.
O próprio Governo do Estado tem dificuldades para contratar
esses profissionais: “Há mais vagas do que interessados. Em recente parecer,
cuja cópia segue em anexo, foi admitida a contratação de médicos cubanos, ainda
que não disponham de diploma revalidado ou registro no Conselho Regional de
Medicina, em tudo observada a necessidade da população”, diz a ACP.
“Neste caso, o Estado do Pará entendeu por revalidar,
provisoriamente, os diplomas dos médicos cubanos que se propuserem a trabalhar
para o Estado, através da Universidade do Estado do Pará, face a não ocorrência
do REVALIDA desde 2017”, acrescenta.
Além disso, quase metade dos profissionais de saúde da
rede pública estadual está afastada do trabalho, ou por pertencer a algum grupo
de risco, ou por ter sido contaminada por esse vírus (um problema que também
atinge em cheio as prefeituras).
“Disso tudo resulta que o quadro epidemiológico é
gravíssimo no Estado, principalmente na Capital, há carência notória de médicos
para atuar na atenção básica e como intensivistas nas UTIs, as vagas existentes
e disponibilizadas pelo Estado não estão sendo preenchidas pelos mais diversos
motivos, incluindo a falta de profissionais interessados”, assinala.
De acordo com o COSEMS, o Pará é o segundo estado do
Brasil com a menor quantidade de médicos por 1.000 habitantes, perdendo apenas para
o Maranhão.
Para completar, diz o Sindicato dos Médicos do Estado
do Pará (SINDMEPA), 42% dos casos confirmados de Covid-19 no Pará são de
profissionais de saúde, devido à falta de Equipamentos de Proteção Individual
(EPIs) e até mesmo de água e sabão.
Apenas os municípios que apresentaram suas demandas ao
COSEMS necessitam de pelo menos 304
médicos. Em várias dessas cidades, há unidades de saúde que não dispõem nem sequer
de um desses profissionais.
Leia a íntegra da ação: https://drive.google.com/file/d/1dNPQImtUQIEucnoeGWylF1vEp-EDQWo4/view?usp=sharing
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