segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

A lei das sacolas plásticas: aumento disfarçado dos preços e dos lucros dos supermercados? E por que é que o consumidor tem de arcar sozinho com esse custo, em plena pandemia?




É excelente que as sacolas plásticas dos supermercados sejam substituídas por outras, confeccionadas em materiais bem menos agressivos ao meio ambiente.

Creio que ninguém, em sã consciência, discorda disso.

No entanto, há uma pergunta que não quer calar: por que é que nós, consumidores, é que temos de bancar, sozinhos, toda essa despesa?

Desde o último final de semana, os supermercados paraenses já não “distribuem grátis” sacolas plásticas aos seus clientes.

Se você quiser as novas sacolas, tem de pagar.

Diz que são vendidas a “preço de custo”. Será?

Não tenho acesso à contabilidade dessas empresas.

Mas não acredito que o custo dessas sacolas (que eles diziam que eram “grátis”) já não estivesse embutido nos preços das suas mercadorias.

Então, pergunta-se: já que eliminaram essa despesa, os supermercados vão baixar os seus preços?

Na verdade, caro leitor, é bem possível que os supermercados acabem é lucrando, em várias frentes, com essa lei.

Em primeiro lugar, ao manterem intactos os seus preços, apesar de não terem mais essa despesa.

Em segundo, com a provável demissão de boa parte dos embaladores e a maior exploração dos trabalhadores dos caixas.

Em terceiro, pela venda de sacolas retornáveis e carrinhos de compras.

Em quarto, pelo provável aumento das vendas de sacos específicos para o lixo.

Não é à toa, aliás, que os donos de supermercados defendem essa lei com unhas e dentes, como se acometidos de um súbito ataque de “consciência ambiental”...

Enquanto isso, nós, os consumidores, acabaremos arcando com um aumento dissimulado dos preços dos supermercados, já que pagaremos pelas sacolas.

Ou teremos de arcar com os custos de sacolas retornáveis e de carrinhos de compras, que não, não são baratos.

E tudo em meio a uma pandemia, desemprego e inflação assustadora, que nos obriga a rebolar, para esticar o dinheiro até o final do mês.

E isso no caso de quem ainda tem dinheiro para bancar as despesas.

Porque há milhões de brasileiros, aí incluídos milhares de paraenses, que já não têm dinheiro nem mesmo para comer todos os dias.

Na semana passada, em um supermercado de Ananindeua, uma sacola retornável estava custando 10 reais.

Dez reais podem não ser nada, para mim e para você. Mas dão para comprar um pacote de macarrão, 6 ovos e algumas salsichas, o que já dá para matar a fome de uma família.

E aí você ainda vai exigir que essas pessoas paguem pelas sacolas, para transportar as suas compras?

E tudo para que essas empresas, que já ganham horrores, possam aumentar ainda mais os seus lucros?

O problema é que os nossos deputados e as classes A e B do Pará habitam um universo paralelo, sem a mínima noção do dia a dia de quem vive no andar de baixo e, principalmente, no subsolo.

Essas pessoas acreditam que damos às sacolas plásticas e aos plásticos em geral, o mesmo destino que elas dão: a lata de lixo, sem qualquer preocupação de reaproveitamento.

Mas a verdade é que nós, do andar de baixo e do subsolo, somos campeões de reciclagem.

As garrafas pets, por exemplo, são verdadeiros coringas: servem para guardar água na geladeira, ajudar a lavar um carro, misturar um cimento, dar banho no cachorro e até para ajudar a cultivar hortas e jardins.

Aliás, garrafões e garrafas pets já são usados para a confecção de móveis (sofás, poltronas, camas de casal), e até para a construção de casas, ecológicas e mais baratas.

As sacolas plásticas de supermercado são outro coringa.

Elas podem ser reutilizadas para artesanato; servem para proteger uma Bíblia da poeira; guardar e transportar roupas e objetos; guardar alimentos; forrar prateleiras; proteger os cabelos, durante uma hidratação ou tintura; proteger as mãos, durante uma limpeza pesada.

E antes que alguém diga que tudo isso é “brega” ou “coisa de pobre”, respondo: brega e pobre é o espírito de quem não reutiliza nada, nas condições em que já se encontra o mundo.

No entanto, a principal reutilização dessas sacolas é mesmo para acondicionar o lixo, poupando dinheiro com a compra de sacos específicos.

E é esse último tipo de reutilização que faz com que essas sacolas não possam ser abandonadas tão cedo, principalmente em regiões submetidas a chuvas torrenciais, como é o caso da Amazonia.

Afinal, o que é que vamos usar para substitui-las? Caixas e sacos de papelão? Já imaginaram o desastre que isso geraria durante um temporal?

Outro problema é que a maioria de nós não tem carro, para colocar as compras em uma caixa de papelão jogada no bagageiro.

A maioria de nós anda a pé, de bicicleta ou em busões lotados, muitas vezes com as compras em uma mão, e uma criança na outra.

E isso também torna muito difícil a substituição das sacolas plásticas, a não ser que fossem distribuídas sacolas retornáveis à população mais pobre.

Mas isso também não resolveria o problema, porque, como já visto, essas sacolas são usadas para acondicionar o lixo, já que as pessoas não têm dinheiro para comprar sacos específicos. E ainda que tivessem, significaria apenas trocar seis por meia dúzia.

Na verdade, esse é um problema tão complexo que tem pelo menos três xis da questão.

O primeiro é que nós, seres humanos, nos tornamos plástico-dependentes, devido à durabilidade e baixo custo desse material.

E para resolver isso temos de ser realistas.

O ideal é uma sociedade sem plástico? É claro que é!

Mas isso não acontecerá de uma hora para outra, já que temos uma enormidade de produtos que não há como acondicionar em outro tipo de material, sem tornar os preços ainda mais proibitivos, devido às perdas de transporte das empresas, por exemplo.

Então, o que podemos fazer, e para ontem, é acabar com a produção de objetos plásticos facilmente substituíveis por outros materiais: canudinhos, copos, pratos, talheres.

Mas para outros produtos, como garrafas pets e sacolas plásticas, devemos, é claro, investir em uma composição bem menos agressiva ao meio ambiente. No entanto, o principal é mesmo reciclar.

É tudo uma questão de decisão política e de investimento em ciência e tecnologia. E, é claro, em educação ambiental, o que nos leva ao segundo xis dessa questão.

Enquanto realizam uma verdadeira “guerra santa” contra o plástico, muitos ambientalistas parecem esquecer que ele não pensa e não tem alma.

Sacos e sacolas plásticas usados para embalar roupas, eletrodomésticos, móveis, alimentos, encomendas, lixo e tantas e tantas outras coisas, não se atiram, sozinhos, no meio da rua, ou se “suicidam” nos lixões e canais.

Eles são lançados ali por seres humanos. Pessoas que não têm a mínima consciência da diferença entre o público e o privado, independentemente do nível educacional ou dos rendimentos que possuem.

Já fiz reportagens sobre várias imundícies, incluindo até modess sujo, atiradas do alto de edifícios de bacanas, em Belém.

Ou seja, as ruas da cidade são tratadas como extensões de quintais imundos e particulares, tanto pelos pobres, quanto pelos ricos.

Falta a consciência do que é o espaço público, como um bem que pertence a todos, que é custeado por todos e pelo qual todos temos de zelar.

Falta a sensação de pertencimento à uma coletividade.

Falta educação ambiental, incluindo programas de coleta seletiva, bem como um trabalho mais efetivo, pelo Poder Público, de coleta e tratamento do lixo e de distribuição de lixeiras, por toda a cidade.

Mas de nada adiantará tratamento do lixo, materiais menos poluentes, reciclagem de toneladas de plásticos, se as pessoas não pararem de comprar tudo que é porcaria que encontram pela frente, em vez de reaproveitarem as quinquilharias que já têm em casa.

E isso nos leva ao terceiro xis da questão.

É essa mentalidade consumista que é a maior inimiga do meio ambiente.

E enquanto não conseguirmos freá-la, continuaremos a produzir montanhas e montanhas de lixo, em quantidade muito acima do que qualquer Poder Público é capaz de tratar.

Muitos sacos plásticos atirados no lixo são de roupas e mais roupas, de quem já possui roupas e mais roupas, mas que mesmo assim continua a comprá-las, porque “necessita” de andar na moda.

Muitos vêm dos computadores, smartphones, eletrodomésticos, automóveis, que, mesmo estando em perfeitas condições e satisfazendo as necessidades do indivíduo, são trocados porque o sujeito “necessita” de um produto de “última geração”.

São coisas e mais coisas, que nos tornam verdadeiros acumuladores de quinquilharias, numa espiral infinita de consumo.

É a “necessidade” de mostrar-se rico, poderoso, jovem, “garanhão”, como se tais quinquilharias possuíssem poderes mágicos, capazes de modificar a aparência e a real condição do indivíduo, o seu caráter e até mesmo a própria alma.

Essa discussão não é nova e nem específica da chamada “modernidade”: já na Grécia antiga, debatia-se sobre o “ter” e o “ser”.

Mas, é claro, o “ter” se agudizou com o advento dos meios de comunicação de massa, e a mais fácil disseminação das simbologias de dinheiro e poder.

No entanto, com o avanço das redes sociais, como contraponto aos grandes veículos de comunicação e à propaganda da qual dependem, seria de se esperar uma visão mais crítica acerca desse consumo desenfreado.

Mas isso não está a ocorrer: na verdade, as redes sociais parecem contribuir cada vez mais para esse consumo, como se estivéssemos diante de algo absolutamente inocente, em termos ambientais.

Falta enfatizar o quanto de energia, água, florestas, animais e até seres humanos, temos de mobilizar, e principalmente destruir ou degradar às condições mais miseráveis, para sustentar os nossos níveis atuais de consumo.

Falta que os nossos cientistas saiam cada vez mais de suas bolhas e "desçam" para essa arena de debates, no YouTube, Facebook e outras redes sociais.

Falta que o Poder Público e as empresas também entrem nessa discussão, se é que de fato preocupados com o meio ambiente.

A lei das sacolas plásticas só não merece a lata do lixo, por prever a utilização de materiais bem menos poluentes, na fabricação desses produtos, o que de fato é um grande avanço, em termos ambientais.

Mas nem isso é um ganho automaticamente garantido: é preciso fiscalizar com rigor o cumprimento dessa substituição.

Sem isso, além de levarmos gato por lebre, teremos apenas penalizado os consumidores e ajudado a aumentar os lucros dos supermercados.

Além, é claro, de termos caído no conto do paco de comerciantes, que, se não respeitam nem mesmo a lei das prioridades, que protege velhinhos, deficientes e grávidas; que se não respeitam nem mesmo as leis trabalhistas, já que superexploram cada vez mais os seus trabalhadores, quanto mais agora iriam se transformar em verdadeiros paladinos das causas ambientais.

FUUUIIIII!!!!!!

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