O procurador Nelson Medrado e as investigações nas prefeituras paraenses: caixa dois, agiotagem, empresas fantasmas e até 'portfólio' para fraudes licitatórias |
Quase 40 procedimentos investigatórios criminais (PICs) já foram abertos pelo Ministério Público Estadual contra prefeituras paraenses, devido a fortes indícios de irregularidades, principalmente fraudes licitatórias.
Segundo o procurador de Justiça Nelson Medrado, que comanda as investigações, já foram detectadas mais de 100 empresas fantasmas que participam dessas fraudes, em várias prefeituras. O MP constatou, inclusive, a existência de escritórios privados que “ensinam” prefeitos a fraudar licitações e a contabilidade.
Ele não quis estimar o rombo provocado por essas irregularidades. Disse, porém, quando perguntado se alcançaria mais de R$ 10 milhões, que “é muito, muito mais”. E citou como exemplo o caso da Prefeitura de Parauapebas que possui um orçamento anual de R$ 200 milhões e na qual todos os procedimentos administrativos já examinados estão irregulares.
Caixa
2 e agiotagem
Na raiz do problema, diz Medrado, está a mesmíssima
“desculpa” dos escândalos do Mensalão e do Petrolão: a montagem de caixa dois
para campanhas eleitorais, não apenas nos municípios, mas, também, para o
Governo do Estado.
Ele já tem indícios de que vários prefeitos do
Nordeste do Pará se utilizam, inclusive, de agiotas, para o financiamento de suas
campanhas.
“Os débitos do prefeito começam antes mesmo de ele
assumir o cargo; são débitos com o agiota que financiou a campanha dele. Aí,
ele vai ter de pagar ao agiota, por exemplo, uns R$ 400 mil por mês. E, às
vezes, o agiota exige até que o prefeito coloque funcionários dele na
Prefeitura, para acompanhar a movimentação financeira. Isso aconteceu, por
exemplo, em São João de Pirabas”, relata o procurador.
Entre as prefeituras investigadas, falta até o
repasse das contribuições previdenciárias e de empréstimos consignados, apesar
de descontados dos contracheques dos servidores.
Outro problema é a utilização da folha de pagamento
“para fazer política”, o que leva à contratação de um grande número de pessoas
“que não prestam qualquer serviço às prefeituras, ou seja, são funcionários
fantasmas”, diz o procurador.
Irregularidades
para todos os gostos
Medrado também já constatou que nenhuma das
prefeituras investigadas cumpre a legislação que determina o fim dos lixões e
nenhuma possui portal da Transparência, ao contrário do que determina a Lei.
“A falta do portal da Transparência é o primeiro
sintoma de irregularidades”, observa o procurador. “Porque, se não há
transparência, não há como a população fiscalizar”.
Ele explica que muitas das licitações são montadas
pelas prefeituras ou porque pretendem realizar compras diretas de uma
determinada empresa, ou, simplesmente, porque desejam embolsar o dinheiro.
“Geralmente, quando vão fazer uma obra”, relata
Medrado, “as prefeituras contratam um mestre de obras para realizar os
serviços. Depois, montam uma licitação”.
Outro exemplo envolve a locação de veículos,
incluindo aqueles usados no transporte escolar.
“A maioria das empresas de transporte escolar não
possui um veículo que seja. Elas alugam veículos da população, para realizar o
serviço. E há contratos de locação de veículos às prefeituras também por
empresas que não possuem nem sequer um carro. Aí, elas alugam os carros de
funcionários da Prefeitura e até de secretários municipais e pagam para que
eles conduzam os próprios carros. Funciona assim: um secretário municipal
arranja um ‘laranja’ e monta uma empresa, para a locação de veículos sem
motorista. Aí, fazem um pregão presencial no qual só aparece essa empresa. E a
adjudicação fica em 1,2, 5 milhões”, explica.
“Não vai ter dinheiro que chegue nunca”, comenta,
indignado, o procurador. Segundo ele, entre as irregularidades, “há de tudo,
pra tudo que é gosto. Tem prefeitos que roubam tudo, que não sobra nada. E tem
aqueles que fazem algumas obras”.
Pirabas
e Parauapebas, os mais impressionantes
No entanto, o caso mais impressionante já investigado
é a Prefeitura de São João de Pirabas, no Nordeste do Pará. “Lá, todas as
licitações foram montadas, não há nenhuma que tenha sido real”, contou. “São
mais de 100 licitações montadas, em cinco anos de fraudes”.
Outro exemplo lembrado por ele é o da Prefeitura de
Parauapebas, no Sudeste paraense. “Lá, nós constatamos um imóvel que teve 40
mil metros quadrados comprados por R$ 100 mil, e 15 mil metros quadrados foram
desapropriados pela Prefeitura por R$ 15 milhões. Lá, também, a Prefeitura
comprou R$ 10 milhões em anticoncepcionais subcutâneos, que não têm aceitação
entre a população. Além disso, há um número excessivo de temporários – e a
informação que estamos investigando é que seriam 7 mil, no ano passado”,
destacou.
Medrado também salientou as irregularidades
encontradas em Ponta de Pedras, na ilha do Marajó: “Lá, a prefeitura abriu um
orçamento e precisava de uma lei, para justificar. E como não havia, ela
apresentou uma lei falsa, falsificando, inclusive, as assinaturas de dois
vereadores”.
O procurador, que realiza “uma verdadeira auditagem”
em todos os municípios, já concluiu as investigações em cinco deles: Curuçá,
São João de Pirabas, Igarapé-Miri, Ponta
de Pedras e Marabá.
Em Marabá, no Sudeste paraense, o problema
encontrado foi a falta de informações, ou dificuldade de acesso a elas, do
portal da Transparência – uma irregularidade que atinge a maioria das
prefeituras paraenses.
R$
3,5 bilhões em informações
Segundo um estudo da Faculdade de Ciências Contábeis, Controladoria
Geral da União (CGU) e Observatório Social de Belém, 92 cidades (ou 64% dos 144
municípios paraenses) nem sequer possuem um portal da Transparência.
Aliás, por incrível que pareça, 33 municípios não
possuem nem mesmo um mísero site.
Apenas 6 municípios possuem um Serviço de Informação ao Cidadão (SIC) eletrônico,
como determina a Lei: Brasil Novo, Rio Maria, São Domingos do Araguaia,
Igarapé-Açu,São João de Pirabas e Chaves.
Apenas 10 cumprem a determinação legal de
disponibilizar os editais licitatórios no site: Tucumã, São Domingos do
Araguaia, Floresta do Araguaia, Santarém, Tailândia, Abaetetuba, Colares,
Irituia, Nova Timboteua e Santarém Novo.
Apenas 5 colocam no site o resultado das licitações:
Tailândia, Cachoeira do Piriá, Iguarapé-Açu, São Miguel do Guamá e Novo
Progresso.
O estudo, realizado entre outubro e dezembro do ano
passado, demonstra que nenhum município paraense cumpre integralmente a Lei de
Acesso à Informação, apesar de ela já estar em vigor desde maio de 2012; e de a
Lei Complementar 131 (que manda disponibilizar em tempo real informações
detalhadas da execução orçamentária), datar de 2009 e estar em vigor, para
todos os municípios brasileiros, desde maio de 2013.
Os pesquisadores salientam que apenas alguns dos
itens exigidos pela Legislação entraram nesse estudo, que também não abordou a
qualidade das informações já disponibilizadas eletronicamente.
O resultado é angustiante: são mais de R$ 3,5
bilhões de recursos administrados pelas prefeituras sobre os quais a sociedade
não possui informações da receita e despesa, já que inexistem portais da
Transparência.
Pior: esses R$ 3,5 bilhões incluem apenas o dinheiro
que elas recebem através da Secretaria do Tesouro Nacional(STN) e do Fundo
Nacional de Saúde (FNS).
Ou seja: não incluem recursos, por exemplo, do
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), do Ministério da
Educação (à exceção do Fundeb, que está incluído nesses R$ 3,5 bilhões); de
transferências voluntárias (convênios) federais e estaduais; os recursos arrecadados diretamente, como é o
caso do Imposto Sobre Serviços (ISS) e por aí vai.
Desses R$ 3,5 bilhões, quase 34% (ou mais de R$ 1,2
bilhão) correspondem aos municípios que não possuem nem mesmo um site, ou seja,
onde inexiste qualquer informação por meio eletrônico.
Veja a íntegra do estudo: https://drive.google.com/file/d/0B8xdLmqNOJ12VFZIS2tQLThFaUE/view?usp=sharing
'Portfólios'
de empresas fraudulentas
Nelson Medrado salienta que os portais da
transparência e a ajuda da população são “a primeira forma de combater a
corrupção”.
E observa: “Quando a gente fala em erário, as
pessoas pensam em dinheiro sem dono. Mas esse dinheiro, na verdade, é nosso.
Não existe dinheiro ‘público’: ele sai do nosso bolso. E eles (os prefeitos) se
apropriam desse dinheiro na cara dura. Era pra ter merenda, município bem
estruturado, vem dinheiro para o transporte escolar. E a população, às vezes,
não tem a percepção de que o prefeito está roubando e que esse dinheiro faz
falta para a cidade”.
Segundo ele, serão ajuizadas ações contra todos os
prefeitos que tiverem cometido irregularidades. Além disso, avisa Medrado,
“vamos pressionar para que eles coloquem no ar os portais da Transparência”.
Outra prioridade, comenta, tem de ser a especialização do MP: “Essa
macrocriminalidade contra a administração pública está se
especializando. Já existem até escritórios que possuem 'portfólios' de empresas
que eles 'emprestam' para licitações. É uma coisa organizada. E a gente tem de
se especializar, porque, se não, vamos é acabar perdendo pra eles”.
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