No
site da Revista Época (por FILIPE COUTINHO) - Cada
vez mais candidato a ministro do Supremo Tribunal Federal, o presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coelho, atuou para que
um grupo de advogados do Piauí descolasse honorários superlativos - e, segundo
a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, irregulares - num processo de
R$ 400 milhões. Os R$ 400 milhões constituem uma dívida reconhecida pelo
governo do Piauí a professores e merendeiras da rede pública do ensino, como
forma de compensação por algo básico que eles não tiveram durante um período da
década de 1990: ganhar um salário mínimo.
São 11.401 beneficiários que, ao contrário dos
advogados, não ficarão milionários com o pagamento da dívida. A média de
pagamento, para os sindicalizados, é de pouco mais de R$ 30 mil - alguns
beneficiários vão levar anos até receber o dinheiro. ÉPOCA teve acesso à
decisão de um processo sigiloso do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, que
considerou irregular a manobra para o pagamento dos honorários advocatícios.
Marcus Vinícius nem sequer foi advogado no processo pelo qual ele ganhou os
honorários. Foi, na verdade, advogado dos advogados.
A disputa
envolve o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica Pública do Piauí e
sucessivas decisões judiciais, contra e a favor dos advogados. Tudo começou em
2006, quando os advogados Luciano Paes e Robertônio Pessoa entraram na Justiça
para receber seus honorários pelo caso. Acontece que, na hora de entrar com o
pedido no Tribunal de Justiça, os advogados não advogaram em causa própria.
Preferiram contratar Marcus Vinícius Furtado Coelho. E foi assim que o atual
presidente da OAB entrou no processo, mesmo sem ser advogado do sindicato.
Inconformada, uma das sindicalizadas, uma professora
aposentada, recorreu ao CNJ em março de 2013. Os honorários já estavam sendo
pagos. Em parecer de novembro de 2013 apresentado à Justiça do Piauí, o
Ministério Público foi contrário aos pagamentos milionários. O MP falou em
“prejuízos irreparáveis”. “O quantum de 27% sobre o valor da condenação
apresenta-se fora dos preceitos da lei e da ética, por cobrar valores abusivos
e ilegais. A cobrança de honorários advocatícios deve atender aos princípios
norteadores da atividade advocatícia e ao respeito aos clientes. A lei protege
expressamente o direito do advogado, mas também protege o patrocinado”,
afirmaram os promotores.
Em agosto do ano passado, o ministro Francisco
Falcão, então corregedor do Conselho Nacional de Justiça, viu problemas
semelhantes aos apontados pelo MP do Piauí. E elencou quatro irregularidades
nos pagamentos dos honorários dos advogados, determinando a suspensão dos
repasses.
Até aquele momento, segundo Falcão, os advogados já
tinham recebido R$ 6 milhões. ÉPOCA descobriu que, entre março e julho de 2013,
o governo do Piauí pagou R$ 3.698.377,98 aos advogados. Desse montante, a conta
no Banco do Brasil do escritório Furtado Coelho, pertencente a Marcus Vinícius,
recebeu R$ 407.802,60. Os advogados receberam seis parcelar dos precatórios até
a decisão da corregedoria do CNJ. No total, os valores seriam pagos em 144 meses.
Na decisão, o corregedor do CNJ afirmou que os
honorários não poderiam ter sido calculados e bancados com os R$ 400 milhões.
“A cobrança de honorários contratuais, independente do percentual aplicado,
afronta à própria natureza dos sindicatos”, disse Falcão. Se o dinheiro fosse
pago pelo sindicato, e não pelos sindicalizados, os honorários advocatícios
sofreriam uma enorme redução. Isso porque o sindicato recebe apenas 1% do total
- ou R$ 4 milhões. Com os sindicalizados pagando, os advogados recebem 27% dos
precatórios (R$ 108 milhões) ao longo dos anos.
Francisco Falcão também pôs em dúvida a legitimidade
da assembleia do sindicato que decidiu sobre os honorários. “O desconto de 27% a título de honorários foi
autorizado em assembleia convocada para tratar de assuntos de forma genérica, e
pouco ou quase nada representativa, do qual participaram apenas 283
sindicalizados, do total de 25 mil profissionais de educação”, disse.
No CNJ, a
questão não se resume aos pagamentos. Cabe ao Conselho também apurar a conduta
de magistrados. O ministro Francisco Falcão levantou suspeitas sobre o
desembargador Luiz Gonzaga Brandão, do Tribunal de Justiça do Piauí, autor das
ordens de pagamento aos advogados. Falcão determinou que uma correição fosse
feita na área de precatórios do tribunal, em que a dívida de R$ 400 milhões foi
tratada. Na prática, Brandão descumpriu uma ordem anterior da Justiça, que
havia determinado que, até que fosse resolvido o impasse com os honorários, os
valores deveriam ser reservados numa conta judicial.
Brandão, contudo,
determinou, numa decisão administrativa, que os depósitos fossem feitos nas
contas dos advogados - incluindo Marcus Vinícius. "Descumprindo ordem
judicial, determinou a liberação dos honorários reservados em favor dos advogados
beneficiários", escreveu o ministro na decisão.
Além dessa irregularidade, a decisão do CNJ apontou
ainda que Brandão nem sequer poderia ter atuado na liberação dos precatórios. O
motivo é simples. O desembargador se declarou suspeito para julgar o processo,
mas não se viu impedido de determinar administrativamente os pagamentos aos
honorários. Brandão admitiu ao CNJ ser amigo do pai de um dos advogados, embora
tenha dito que isso não fez diferença na hora de determinar os pagamentos
milionários. “Afora a atuação atípica do desembargador Brandão, pesa ainda
sobre o magistrado a suspeição declarada na fase judicial, afastada na fase
administrativa”, disse Falcão.
Em nota, o presidente da OAB afirmou que foi
contratado para defender os advogados que atuaram em nome do sindicato, mas que
não haviam recebido honorários. "O escritório Furtado Coêlho Advogados
Associados foi contratado pelos advogados em 2005 para entrar com uma ação na
Justiça para receber os honorários a que tinham direito. Em 2007, o Tribunal de
Justiça do Piauí determinou este pagamento. Em acordo firmado em 2010 com o
sindicato, os advogados abriram mão de receber os honorários sobre os
pagamentos futuros dos professores, restringindo o pagamento aos
atrasados."
Perguntado sobre quanto recebeu, Furtado Coelho não
falou em cifras. "Os honorários do escritório Furtado Coêlho Advogados
Associados equivalem a 2,43% do total a ser recebido pelos advogados. É
importante ressaltar que este percentual não aumentou em nada o total dos
honorários pagos aos advogados”. Marcus Vinícius, portanto, ainda teria que
receber cerca de R$ 2,2 milhões em honorários.
O presidente da OAB minimizou a decisão da
corregedoria do CNJ. "O Conselho Nacional de Justiça não tomou nenhuma
decisão sobre este caso. O que houve foi uma determinação individual e isolada
do corregedor, mas que não foi levada a plenário. De acordo com o regimento do
CNJ, artigo 99, qualquer decisão individual do relator (neste caso o
corregedor), 'será submetida a referendo do Plenário na primeira sessão
ordinária seguinte', o que não ocorreu”, disse em nota.
Segundo Geovane Machado, assessor jurídico do
sindicato, a assembleia questionada pelo CNJ foi uma maneira de agilizar os
pagamentos dos precatórios. “Houve essa celeuma toda e na assembleia foi dado
aval para o sindicato negociar o pagamento dos honorários no recebimento do
precatório, em 27%”, disse. “Marcus Vinícius é advogado dos ex-advogados. Ele
teve um percentual em cima dos honorários dos advogados, é um honorário
contratual entre advogados”, completou. Geovane Machado disse ainda que os
advogados atuaram em favor dos professores, para que os valores depositados
fossem isentos de imposto de renda. O desembargador Luiz Gonzaga Brandão não
respondeu as perguntas enviadas à assessoria de imprensa do tribunal.
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Com modificações no título pelo blog
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