sábado, 14 de abril de 2007

Leiam até o fim!

A Lógica do PT




I

A disputa interna do PT faz parte do mais genuíno jogo democrático. E só causa tanto alvoroço porque, no Brasil – e especialmente no Norte e Nordeste – os partidos políticos, em geral, se assemelham mais a “currais” do que, propriamente, a partidos políticos.


De um modo geral, as nossas agremiações partidárias são meras extensões do quintal de um “coronel”. O “iluminado” quer, pode e manda. E os demais, prontamente, obedecem.

Quem, no meio político, já não ouviu aquela frase odiosa: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”? Dita como se fosse espécie de oráculo, mas, que é, na verdade, pieguice autoritária, que já não encontra guarida nem na esfera privada.

Mas, nas nossas estruturas partidárias, altamente hierarquizadas, uns são mais cidadãos que outros. O que significa dizer que não são democráticas, mas, sim, oligárquicas.

Essa lógica, porém, não cabe na cabeça de um petista – e nem poderia, até pela própria história partidária.

O PT nasceu dos movimentos sociais. Foi “construído” – para usar um jargão muito apreciado pelos “companheiros” – a partir de um punhado de lideranças. E para tais lideranças, bem como para seus liderados - igualmente politizados, diga-se de passagem - não apenas as lutas são coletivas. Mas, principalmente, as decisões.

Por isso, para que um petista se comprometa, de fato, com uma batalha, é preciso que se compreenda partícipe dela. E isso significa manifestar, livremente, no âmbito interno, aquilo que pensa. E lutar por aquilo que considera justo, com todas as armas que o jogo democrático disponibiliza aos cidadãos – aí incluído o rabo de arraia e o aliciamento de quem vive doido para ser aliciado...

O PT não é um ajuntamento de santos – nenhum partido é. E, à semelhança de todas as agremiações, quer, sim, o poder. Até porque, se não quisesse, nem partido seria, uma vez que a disputa pelo poder faz parte da essência dessas agremiações.

É, como já se disse tantas vezes, o que mais se aproxima, de fato, de um partido político, no Brasil. É tão partido, que consegue permanecer impermeável ao domínio de um coronel, mesmo nas regiões mais pobres e menos politizadas do País.

E isso, diga-se de passagem, é o oposto do que acontece no partido-irmão, o PSDB, que, apesar de construir vários pólos de poder, internamente, no resto do país, parece haver se rendido, nas regiões mais atrasadas, ao coronelismo que deveria combater.


II


E aqui gostaria de deixar bem claro uma coisa, que já repisei em vários posts: não sou petista e nem cultivo pelo PT grandes simpatias. Em bom tucanês, considero até, como direi, “pitorescas”, algumas de suas práticas.

Não estou, portanto, a elogiar os petistas. Mas a constatar a forma como se organizam.


Convivo muito bem com os petistas, porque compreendo - e respeito - a forma como pensam. Mas já critiquei – até impiedosamente, diga-se de passagem – a mundivisão estreita que cultivam e as práticas decorrentes.

Não concordo, por exemplo, com o messianismo petista, essa mania de dividir o mundo em claro e escuro – e eles, é claro, como espécie de latifundiários da claridade do universo - sem que consigam enxergar o cinza imenso por trás dessas duas grandes regiões.

De há muito superei esse tatibitati que separa seres humanos em anjos e demônios: para mim são, simplesmente, pessoas, gente de carne e osso, com as suas circunstâncias e motivações.

Partido não é religião. Quem procura isso, em política, deveria é fundar uma igreja neopentecostal.

Também divirjo do PT na utilização de práticas arcaicas da política e no que isso significa, em termos de contradição, com a democracia interna que cultivam e que dizem querer massificar. Querem esgotar o debate, a partir da livre manifestação de todas as correntes e politizar as massas, para que sejam, de fato, senhoras do próprio destino.

Mas não têm qualquer pudor em estimular, externamente, o culto à personalidade, ao “paizinho dos pobres”, por exemplo, ou em utilizar estratégias de propaganda que nada mais são do que pura e simples manipulação mental. Ou seja, o oposto da pedagogia dos oprimidos.

O problema é que os petistas se imaginam detentores de uma “sabedoria”, uma compreensão da realidade que o público externo não é capaz de alcançar. E têm, também, profunda incapacidade de estabelecer, claramente, até onde se pode ir pela conquista e manutenção do poder. Dessas duas nuances, advêm duas crises existenciais recorrentes do petismo.

A primeira é a dificuldade em estabelecer alianças e, em as estabelecendo, dividir o bolo com as demais agremiações, após a conquista do poder. É bem verdade que o poder tem ensinado muito ao PT, nestes dez anos. Muitos petistas já compreendem a importância do respeito ao outro e do cumprimento dos acordos partidários, para a convivência democrática. Mas a maioria continua sem conseguir demonstrar, ao menos, um mínimo de pragmatismo. E segue enclausurada no “Santo dos Santos” que insiste em cultivar.

A segunda é a hipocrisia diante das práticas necessárias à acumulação de recursos, para a conquista e manutenção do poder. É claro que há limites. Mas nem o PT, nem o PSDB, os gêmeos de esquerda que conseguiram chegar ao poder, fizeram a lição de casa como deveriam. Aliás, já escrevi anteriormente sobre isso: o PSDB, pelo menos no Pará, foi vergonhosamente reprovado. E ao PT, infelizmente, parece faltar coragem para encarar uma questão ética tão importante para o conjunto da esquerda.

E no entanto, o oposto disso, a simples recusa diante de qualquer prática menos mal cheirosa, digamos assim, no sentido dessa acumulação de recursos, é não apenas ingenuidade, mas condenação antecipada à derrota – e não apenas desses partidos e das esquerdas, mas de todo o projeto de sociedade que defendemos.

Destino de santo é martírio. E se é assim em qualquer lugar do mundo, mais ainda, num país historicamente escravista como o Brasil. Daí que não dá para encarnar tamanha “pureza”. Nem para atirar simplesmente às feras quem se dispôs a fazer o que era necessário...

O território da política é o profano. Apesar das semelhanças com a religião, a política é atividade laica. O PSDB conseguiu compreender isso. Mas a maioria do PT, infelizmente, ainda permanece, em termos dessa compreensão, na anterioridade das revoluções burguesas.


III

Para a compreensão da lógica do PT é preciso não perder de vista dois outros dados importantíssimos. O partido teve origem não apenas nos movimentos sociais. Sua outra raiz importante é a intelectualidade. E esses quadros, postos a serviço das massas, ajudaram na multiplicação do conhecimento, na politização das bases.

O outro fator é que, nesses movimentos sociais da base do petismo, os que assumiram maior preponderância foram o sindicalismo urbano e o campesinato. E, só posteriormente, o sindicalismo burocrático. Esse último, teve imensa importância na conquista do poder.

Mas os dois primeiros é que foram determinantes, de fato, juntamente com a intelectualidade, para moldar o encanto radical da democracia interna petista.

Dessa junção entre quem possuía o conhecimento teórico necessário à compreensão da realidade, com aqueles que possuíam a vivência cotidiana da opressão, nasceu a pulverização do poder no âmago do partido.

O respeito e a admiração recíproca de quem descobre no outro a parte que lhe faz falta. A compreensão de que é possível e preciso transformar a realidade. A certeza, por vezes dogmática, de que o caminho que se imagina é o melhor a seguir. A compreensão de que Cidadania ou é por inteiro ou não é Cidadania. O amor, por vezes até ingênuo, à democracia proletária, como espécie de paraíso terrestre.


Com tal história, portanto, não deveria espantar que as correntes petistas vivam entre tapas e beijos: o PT, em verdade, é movido à paixão. Paixão pelo outro, que se sabe indispensável à completude. Paixão por um ideal societário, que, infelizmente, será apenas e tão somente, sempre, um ideal... Paixão pelo que se acredita poder significar, individualmente, na “construção” desse “alvorecer” coletivo.

Nada assim tão diferente do que vemos nas religiões: a relação entre a criatura e o criador; entre o devoto e o redentor; entre o “salvador” e a missão para a qual imagina ter nascido. Interessante, por permitir, ao contrário da religião, que as divergências possam fruir. Complexo, em termos da práxis política.


Queridinhos: de novo, vou tomar uma. “Adepois” retorno. Bjs.

PS. Há uma coisa importante que pensei e que não pode ficar para depois. Cês sabem como é que se resolve a gestão das verbas de publicidade? É assim: a tentação – e aí se inclui da porrada ao aliciamento – se resolve com a despersonalização. Tem que acabar com esse negócio de um único gestor das contas de publicidade. Os valores e objetivos envolvidos não admitem isso.

As verbas de publicidade e de propaganda do Governo do Estado têm de ser geridas por um conselho.

Então, teremos, um representante do Governo ( ou representantes), mas, também, representantes da sociedade (SPDDH, CPT, Cimi, sei lá) e do Ministério Público, o xerife, o delegado.

E vai funcionar assim: O Governo publica os objetivos da comunicação: campanhas da Sespa, para a prevenção de doenças; campanhas de sei lá quem, para isso e para aquilo. E – e isso é muito importante – campanhas educativas de massa, não previstas nos objetos específicos dessas instituições.

Como, por exemplo, campanhas educativas do ponto de vista político – por que não? O MPE tem uma cartilha belíssima sobre o que é e que como funciona – e isso é Cidadania, é política. Mas que deveria chegar – e não chega, por falta de recursos - a cada residência dos milhões de paraenses.

Então, que as empresas e instituições trabalhem projetos de comunicação importantes, de fato, do ponto de vista da sociedade.

E como dividir o bolo? Rigorosa aplicação da mídia técnica. O jornal que circula mais, recebe mais; assim como a TV, a rádio, o site, o blog. São empresas ou empreendimentos privados. Que se lancem ao mar, portanto. Mas, o Estado-Cidadão não tem por que custear isso. Tem é que se aproveitar disso. Em benefício da coletividade.

Esse tipo de tratamento das verbas de publicidade e propaganda – que têm de ser perfeitamente definidas e divididas; ou seja, que é publicidade? Que é propaganda? – acabaria com a obrigatoriedade política dos governos, incentivaria a independência dos veículos de comunicação, geraria a produção pedagógica em favor das massas, permitiria aos cidadãos um poder de interferência extraordinário sobre um dinheiro que é de todos, afinal.

Façamos com que essa dinheirama não sirva, apenas, a uma proposta política; que seja de todos. Mas, “companheiros”, não esqueçam, é preciso amarrar isso em Lei, no imutável.

E, agora, definitivamente, vou ouvir o Skank, meu mais recente encantamento...

3 comentários:

Anônimo disse...

8 x 23 disse ...

Perfeito, Perereca. Nunca vi nada igual e com tantos detalhes. O que falta, então, para os governos democráticos do PT-PMDM (Ana Júlia e Jáder) implantarem? A cobertura do Diário do Pará já está garantida, não é mesmo?

Anônimo disse...

8 x 23 disse ....

Outra coisa, Perereca: como o PSDB foi reprovado vergonhosamente? E os 12 anos governando, com vitórias em três eleições para o governo, você acha pouco?

Anônimo disse...

Querida perereca, você poderia explicar melhor o que quis dizer com o trecho abaixo? Acho que entendi mal. OU será que você está achando justificável práticas como caixa dois, mensalinho, mensalão, etc, etc? Não, tenho certeza de que não. Devo ter entendido mal.
Ah! se não entendi mal, digo que justamente esses "defeitos" são o que fazem do PT mais partido que os demais. Deus conserve os intrangentes do PT e PSOl. São eles que ainda redimem a política.



A segunda é a hipocrisia diante das práticas necessárias à acumulação de recursos, para a conquista e manutenção do poder. É claro que há limites. Mas nem o PT, nem o PSDB, os gêmeos de esquerda que conseguiram chegar ao poder, fizeram a lição de casa como deveriam. Aliás, já escrevi anteriormente sobre isso: o PSDB, pelo menos no Pará, foi vergonhosamente reprovado. E ao PT, infelizmente, parece faltar coragem para encarar uma questão ética tão importante para o conjunto da esquerda.

E no entanto, o oposto disso, a simples recusa diante de qualquer prática menos mal cheirosa, digamos assim, no sentido dessa acumulação de recursos, é não apenas ingenuidade, mas condenação antecipada à derrota – e não apenas desses partidos e das esquerdas, mas de todo o projeto de sociedade que defendemos.