segunda-feira, 19 de abril de 2021

Conselho Superior do MP-PA sepulta investigação contra Gilberto Martins e a mulher dele. Teria sido Alberto um mero boi de piranha dos “rigores da Lei”?

 

 

Em dezembro de 2007, este blog publicou uma reportagem sensacional: a história do primeiro paraense condenado, em definitivo, por improbidade administrativa, talvez em toda a história recente do Pará, até então. 

Alberto (e o nome é fictício, porque ele me pediu que não o identificasse) era um dentista de 38 anos, casado, pai de dois filhos.

Segundo o processo, ele foi condenado a devolver R$ 11.428,00 aos cofres públicos, o que daria R$ 23.869,33 atualizados, pelo IPCA-E do mês passado.

Mas como o oficial de Justiça não encontrou, na casa dele, nada que valesse tanto dinheiro, a dívida teve de ser parcelada.

(Pausa para gargalhar)

O juiz ficou indignado com o comportamento de Alberto, que teria causado prejuízos à sociedade e à moralidade administrativa, e até mesmo à imagem do serviço público.

Daí que a sentença foi duríssima.

Ele teve de devolver o dinheiro aos cofres públicos e pagar multa de igual valor, além de honorários.

Perdeu a função pública, de agente administrativo.

Teve suspensos os direitos políticos por 5 anos, mesmo período em que ficou impedido de firmar contratos com o Poder Público e de receber benefícios fiscais.

Tudo porque recebeu vencimentos sem trabalhar, e sem justificar a ausência ao batente, nos meses de novembro e dezembro do ano 2000.

Mas agora, passados 14 anos daquela reportagem, uma história parecida, embora muito mais grave, teve um desfecho completamente diferente.

Na última sexta-feira, 16 de abril, o Conselho Superior do Ministério Público do Pará (MP-PA) homologou o arquivamento de uma acusação de improbidade administrativa contra o ex-Procurador Geral de Justiça (PGJ), Gilberto Valente Martins, e a esposa dele, Ana Rosa Figueiredo Martins.

Durante pelo menos 6 meses, entre os anos de 2009 e 2010, Ana Rosa recebeu salários sem trabalhar.

Além disso, não se sabe exatamente onde esteve e o que fez, ao longo de um ano, entre 2010 e 2011.

Ela é concursada da Secretaria de Urbanismo de Belém (SEURB), desde 2003.

Mas como atesta a Polícia Federal, saiu do Brasil em 28 de outubro de 2008, e só retornou em 03 de fevereiro de 2010.

Na época, ela residia em Portugal, junto com o marido, que realizava um curso naquele país.

Ocorre que, em 1 de abril de 2009, quando já se encontrava há meses no exterior, Ana Rosa foi colocada à disposição da Câmara Municipal de Belém, pelo então prefeito, Duciomar Costa.

Na Câmara, ela foi lotada no gabinete do então vereador Pio Netto, que atestou a frequência dela ao batente, de segunda à sexta-feira, das 8 às 13 horas, num total de 25 horas semanais, mesmo com ela se encontrando do outro lado do Oceano Atlântico.

E ao devolvê-la à SEURB, em 23 de março de 2011, o então presidente da Câmara, vereador Raimundo Castro, ainda afirmou que, durante o tempo em que esteve cedida àquela Casa, Ana Rosa teve um comportamento “exemplar e proveitoso”, como você lê na imagem que abre esta postagem.

Mas, ao contrário do que ocorreu com Alberto, que experimentou os “rigores da Lei”, apenas porque recebeu dois meses de salários sem trabalhar, integrantes do Ministério Público e do Judiciário afirmam que, no caso de Ana Rosa, não houve dolo, improbidade, rigorosamente nada. E, se houve, já prescreveu.

Aliás, Ana Rosa não poderia nem mesmo ser considerada funcionária fantasma, naquele período, afirmam também.

Porque, para isso, teria de ter sido contratada já com uma finalidade fantasmagórica...

E quanto ao crime de peculato? Bem, os salários lhe pertenciam, era servidora pública e tinha direito a eles. Daí que não teria havido peculato também...

O caso só foi descoberto e denunciado em 2018, ou seja, 10 anos depois, pelo procurador de Justiça Marco Antônio Ferreira das Neves, adversário de Gilberto Martins, no MP-PA.

Nem Ana Rosa nem a Câmara negam o pagamento desses salários.

Ela e Gilberto até devolveram ao erário aquilo que seria o dinheiro correspondente ao que ela recebeu sem trabalhar.

A devolução ocorreu na mesma época em que Marco Antônio Ferreira das Neves protocolou uma denúncia sobre o caso, no MP-PA, além de ajuizar uma ação penal contra Duciomar, Pio Netto e o casal.

Ana Rosa alega que possuía férias e licenças-prêmio a usufruir, além de ter solicitado licença sem vencimentos.

Já a Câmara diz que tudo não passou de um erro, só descoberto em 2018, quando ela pediu a contagem do tempo de serviço, para a sua aposentadoria.

Mas o procurador de Justiça Nelson Medrado, o único que votou contra o sepultamento da denúncia, na última sexta-feira, garante que não existe, nos autos da investigação, qualquer documento comprovando que Ana Rosa realmente pediu licença sem vencimentos.

E um ofício da SEURB, datado de 16 de abril de 2019, afirma justamente isto: não há registro, nos arquivos da Secretaria, de qualquer ato reconhecendo o afastamento dela sem remuneração, ou de que ela usufruiu de licença sem vencimentos, entre 01 de agosto de 2009 e 03 de fevereiro de 2010, o período que ficou a descoberto, após as férias e licenças-prêmio a que teria direito.

Quanto ao ex-vereador Pio Netto, ele também alega que tudo não passou de um equívoco da sua chefia de gabinete, que controlava a frequência dos servidores.

Afinal, ele nem sempre aparecia na Câmara, porque também realizava trabalhos externos.

Além disso, o seu gabinete só tinha espaço para 5 funcionários, mas a Câmara permitia contratar 20, e requisitar, sabe-se lá quantos, a outros órgãos públicos.

Assim, era preciso alguma “flexibilização” no comparecimento desse batalhão àquele espaço tão diminuto...

(Nova pausa para gargalhar)

Ao fim e ao cabo, ficou assim: nem Ana Rosa, nem a Câmara perceberam, durante meses, o pagamento desses salários, e nem Pio Netto percebeu a prolongada ausência de sua funcionária...

E no entanto, fica ainda mais grave.

Como já visto, Ana Rosa retornou ao Brasil em 03 de fevereiro de 2010. Mas só foi devolvida à SEURB em 23 de março de 2011, ou seja, um ano depois.

Porém, afirma Nelson Medrado, não existe, nos autos da investigação, nada que esclareça onde ela esteve e o que fez, ao longo daquele ano, em que já estava no Brasil, mas permaneceu cedida à Câmara.

Segundo Medrado, a SEURB não possui a frequência de Ana Rosa, naquele período, “que deveria ser atestada por memorando mensalmente”.

E ela mesma “não explica onde trabalhou ou o que fez nesse período, mesmo recebendo vencimentos integrais”.

Medrado também sustenta que não houve o ressarcimento integral do prejuízo aos cofres públicos.

Entre outros motivos, porque os meses que ela passou sem trabalhar não foram excluídos da contagem para a obtenção de férias, licenças, tempo de serviço. Além disso, funcionários da Câmara não recebem apenas os salários, mas, também, vales e cestas básicas.

No entanto, ainda que tivesse ocorrido ressarcimento integral ao erário, afirma Medrado, ela deveria sofrer algum tipo de punição.

“(...)Há de se ter como certo que o ressarcimento ao erário constitui a mais elementar consequência jurídica do ato de improbidade que causa prejuízo. O ressarcimento não se equipara a uma sanção e, portanto, não é suficiente para atender ao espírito da LIA (Lei de Improbidade Administrativa), devendo ser cumulada com, ao menos, alguma outra das medidas previstas em seu artigo 12, pois é assim que o Ministério Público atua regularmente contra outros servidores na mesma situação”, escreveu ele, no Voto-Vista em que se opôs ao parecer do relator, o procurador de Justiça Francisco Barbosa, que defendeu a homologação do arquivamento.

Infinitamente mais explosivo, porém, é outro fato citado por Medrado: segundo ele, o MP-PA não investigou, como deveria, a possibilidade de que as cessões de Ana Rosa a vários órgãos públicos tenham decorrido de uma troca de favores entre Duciomar e o marido dela. 

“Com efeito, a notícia de fato (denúncia) narra que os atos praticados pelo ex prefeito (Duciomar) nas sucessivas cessões são creditados a uma indevida omissão do marido da servidora Ana Rosa, o então Coordenador do GAECO, Promotor Gilberto Martins, na investigação das várias notícias de ilicitudes praticadas na gestão do ex-prefeito. Não se pode adotar essa ilação como verdadeira, mas ela deve ser devidamente sindicada. O que não se pode fazer é desqualificar o denunciante e ignorar uma ‘notícia de fato’ rica de elementos e de conclusões factíveis”, escreveu.

Em abril de 2011, pouco depois de Ana Rosa ter sido devolvida à SEURB, Duciomar colocou-a à disposição do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), onde ela permanece até hoje.

No portal da Transparência, consta que exerce função gratificada e recebe R$ 8.642,44 mensais.

Na internet, a Perereca só conseguiu localizar, até agora, 5 publicações do TCM e da Prefeitura de Belém que citam Ana Rosa.

Uma, de 2015, cessa os efeitos de quatro portarias de 2011, para designá-la assessora de gabinete, a contar de fevereiro daquele ano.

Outras duas são de 2017, dos meses de fevereiro e março. Na primeira, ela é lotada na Diretoria de Administração, a contar de 31 de janeiro. Na segunda, é autorizada a se afastar do trabalho, entre 13 e 27 de fevereiro, devido à doença de um familiar.

A quarta é de dezembro de 2019, quando a SEURB lhe concede férias, de 03 de fevereiro a 3 de março de 2020.

A última é de 28 de outubro do ano passado, quando foi designada como fiscal de dois contratos do TCM.

No julgamento da última sexta-feira, o novo Procurador Geral de Justiça, César Mattar, se absteve de votar, porque não acompanhou a sessão anterior, em 31 de março, quando teve início o processo decisório.

Todos os demais procuradores, à exceção de Medrado, seguiram o voto do relator, Francisco Barbosa, que defendeu, basicamente, que o caso já prescreveu.

 

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Leia a matéria que fiz sobre o caso de Alberto, em 2007: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2007/12/extra-extra.html?m=1

Leia a decisão de arquivamento do caso de Gilberto Martins e Ana Rosa, datada de 18 de dezembro do ano passado, e assinada pelo promotor de Justiça Domingos Sávio Alves de Campos, da 3° Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa. É a decisão homologada na última sexta-feira: https://drive.google.com/file/d/1V9K9f4F9AtupmnuxFWXn5ZLqLOENC6Ys/view?usp=sharing

Leia o Voto-Vista do procurador de Justiça Nelson Medrado, que obtive junto a uma fonte do MP-PA: https://drive.google.com/file/d/1M05Me_kc5hnrDkTkOqSOYYTozZ8HFX4E/view?usp=sharing

Infelizmente, não consegui o voto do procurador Francisco Barbosa, porque o MP-PA, que cobra tanta transparência dos outros, não atualizou, até a noite de hoje, a movimentação processual desse caso (a última que está lá é de 14 de janeiro). Mas você mesmo poderá baixar o voto de Barbosa (aliás, um documento público) quando já estiver lá. Entre no site do MP-PA (http://www.mppa.mp.br/) e, na aba “Consultas”, clique em “Consulta Processual”. Aí, aparecerá a página do SIMP e você vai clicar em “Procedimentos MP”. Aparecerá, então, uma página que vai lhe pedir o número SIMP, que, neste caso, é o 000404-151/2018

Veja a sessão extraordinária do Conselho Superior do MP-PA, do último 31 de março, quando iniciou o julgamento e foi decretado o sigilo da sessão, o que levou, após alguns minutos, à interrupção da transmissão online: https://www.youtube.com/watch?v=l86YvNCX3wc&list=PLup7oYimKnOsva4THgJhC4Zf7My7tVK6_&index=5

E aqui a sessão do último 16 de abril, quando foi concluído o julgamento, já agora sem o tal sigilo: https://www.youtube.com/watch?v=ewIYuh4Mxww&list=PLup7oYimKnOsva4THgJhC4Zf7My7tVK6_&index=6

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