A empresária Genny Missora Yamada, proprietária da GM Serviços Comércio e Representação (CNPJ: 15.564.580/0001-17), registrou queixa contra mim, por calúnia, na Delegacia de Polícia da Cidade Nova, em Ananindeua, devido a uma série de reportagens, de minha autoria, publicadas pelo jornal Diário do Pará.
A GM Serviços vendeu ventiladores pulmonares à
Prefeitura de Belém, em uma transação repleta de indícios de irregularidades,
incluindo informações não verdadeiras nas Notas Fiscais, que a colocam como a
fabricante desses equipamentos, que são fabricados na China.
Em ofício do último 2 de junho, enviado à Diretoria
de Combate à Corrupção (Decor), da Polícia Civil, a Secretaria de Estado da
Fazenda (SEFA) afirma que não há registro da entrada desses equipamentos na GM
Serviços e que não há como informar se eles ao menos entraram no Pará.
A empresa nasceu como uma cafeteria e hoje
realizaria 35 atividades, incluindo psicanálise.
Três meses antes de vender esses equipamentos à
Prefeitura de Belém, ela pediu dispensa de licenciamento ambiental à Secretaria
Municipal de Meio Ambiente (SEMA) de Ananindeua, porque a sua principal
atividade era a confecção de uniformes.
Todos esses fatos estão baseados em documentos, alguns
já reproduzidos pelo Diário.
Mesmo assim, a empresária resolveu prestar queixa policial
contra mim, um tipo de procedimento, aliás, de que nunca nem ouvi falar, em se
tratando da publicação de reportagens.
E, por incrível que pareça, o delegado Hennison José
Jacob Azevedo aceitou a queixa: na tarde de ontem, recebi um “Mandado de Intimação”
para comparecer à 3 Seccional Urbana da Cidade Nova, para “prestar declaração,
depoimento, ser interrogado, etc”.
O “Mandado de Intimação” não diz do que se trata:
apenas cita o número da ocorrência (00004/2020.105125-6) e avisa que a minha ausência,
se injustificada, poderá implicar no crime de desobediência, previsto no artigo
330 do Código Penal (pena de 15 dias a 6 meses de detenção).
No entanto, as excelentes fontes que possuo (obrigada,
valeu!), deram-me acesso ao Boletim de Ocorrência, registrado no último 10 de
julho.
Nele, Genny alega que “vem sendo vítimas
de ataques e perseguição midiática por parte de uma mulher que se diz
jornalista de nome Ana Célia Pinheiro da Costa (...)”.
Diz, ainda, que “a jornalista atribuiu à empresa
imputação criminosa e veiculou fatos inverídicos passíveis de sanção civil e
penal de forma leviana e irresponsável”; que “as notícias divulgadas pela
jornalista são falaciosas e constrangedoras”; que “as notícias assinadas pela jornalista
têm cunho eminentemente político, extrapolam os limites da informação, com
abuso da liberdade de expressão, com ofensa a personalidade, reputação, imagem
e honra da empresa”.
Ainda segundo ela, “as informações veiculadas pelo
jornal Diário do Pará foram publicadas após a retificação dos dados sem constar
que se tratava de um erro de digitação, agindo com total má-fé”; que “a jornalista
ocultou a informação da retificação dos dados e correção da quantidade de
equipamentos na Nota de Empenho com clara intenção de formar uma opinião
pública desfavorável à empresa”.
Diz, ainda, que “a jornalista não ouviu a versão da
empresa e, ao ser contactada, foi ríspida e negou-se a registrar as informações
prestadas pela representante da empresa”.
Vamos por partes, caro leitor, porque esse “causo”
está cada vez mais enrolado: começou como a possibilidade de um “superfaturamento
básico”, e hoje há fortes indícios de que esses ventiladores podem nem
existir, ou estarem em situação tão irregular que nem poderiam ter sido comercializados.
De cafés e bombons à psicanálise
Comecei a investigar esse caso em 13 de junho, a
pedido do Diário.
Localizei, no portal da Transparência da Prefeitura de
Belém, um Mapa Consolidado dos gastos da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma)
com a Covid-19.
Nele, havia a informação de que a Prefeitura comprara, sem licitação e sem contrato, 2 ventiladores pulmonares por R$ 260 mil,
e 1 por pouco mais de R$ 220 mil, de uma empresa chamada GM Serviços Comércio e
Representação Eireli.
No portal da Transparência, obtive as Notas de Empenho
da compra desses equipamentos. Elas confirmavam a informação do Mapa da Sesma.
Procurei no Google e não encontrei nenhum ventilador
pulmonar a esse preço: todos custavam até menos da metade.
Busquei informações sobre a empresa.
Descobri que ela foi aberta, em 2012, como uma
cafeteria, em um ponto comercial na Cidade Nova IV.
Seu nome empresarial era MF Martin-ME e, o revelador
nome de fantasia, “Coffe Cake Doceria”. Veja no quadrinho abaixo:
Certidões da Junta Comercial do Pará (Jucepa), mostram
que ela passou por várias alterações societárias, até chegar às mãos de Genny, em dezembro de 2017.
O seu capital é de R$ 400 mil. A principal atividade,
declarada à Jucepa e à Receita Federal, é o comércio atacadista de instrumentos
e materiais médicos, cirúrgicos, hospitalares e laboratoriais.
No entanto, a GM Serviços declara realizar um total de
35 atividades: confecciona roupas profissionais, imprime materiais
publicitários, faz reparação e manutenção de aparelhos e instrumentos de
medida, teste e controle; instalação e manutenção elétrica, hidráulica,
sanitária, de gás, de centrais de ar condicionado.
Atua como representante de produtos
odonto-médico-hospitalares; e no comércio atacadista de alimentos, roupas, acessórios
profissionais, calçados, móveis e artigos de colchoaria, produtos de higiene e
limpeza, informática, ferragens e ferramentas.
Faz, ainda, serviços de engenharia, limpeza de prédios
e casas, atividades paisagísticas; de atendimento em pronto-socorro e urgências
hospitalares; de nutrição; de psicologia e psicanálise; de fisioterapia; de
terapia ocupacional; de fonoaudiologia e de apoio à gestão de saúde; além de
assistência social e lavanderia hospitalar.
São tantos e diferentes ramos, muitos que requerem
autorização, que a Receita Federal até escreveu, ao lado de alguns deles, que a
empresa estava “dispensada” de alvará, mas que ela, Receita, não tem “qualquer
responsabilidade” por isso.
Além disso, três meses antes de vender esses
ventiladores à Prefeitura de Belém, a empresa obteve dispensa de
licenciamento ambiental “por tratar-se de uma sala administrativa”, cuja
atividade fim “é apenas de serviços de fornecimento de uniformes(...)”, diz um
documento do Departamento de Gestão Ambiental da SEMA, de Ananindeua.
Veja as certidões da Receita e da SEMA:
Segundo o Diário Oficial da União, de 17 de junho do
ano passado, a empresa obteve licença do Ministério da Saúde para armazenar,
distribuir e expedir “correlatos” (equipamentos e materiais
médico-odontológicos, de estética e de higiene).
Mas não há sinal dela e nem de sua proprietária no
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) ou no Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde (CNES), para que possa realizar, por exemplo,
serviços de engenharia ou atendimento em pronto-socorro e urgências
hospitalares.
O Diário previa publicar duas reportagens sobre o
possível superfaturamento desses ventiladores, nos dias 21 e 22 de junho.
No entanto, na sexta-feira, 19, um blog vazou a informação.
A Prefeitura começou, então, uma operação de guerra, para abafar o caso.
Ainda na sexta, o portal da Transparência deu sumiço
no Mapa Consolidado da Sesma e tirou do ar todos os gastos relativos à Covid-19.
Veja aqui: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2020/06/prefeitura-de-belem-tira-do-ar.html
Já na tarde de sábado, 20, a Prefeitura fez ainda
pior: alterou as Notas de Empenho que estavam naquele portal, inserindo mais equipamentos.
Com isso, o preço dos ventiladores caiu para R$ 65 mil.
Veja aqui: https://pererecadavizinha.blogspot.com/2020/06/virou-zona-em-apenas-4-dias-pmb-altera.html
Ora, quando essa alteração ocorreu, o Diário de
domingo já estava fechado.
E aí, ainda no domingo, o Zenaldo pegou as Notas de
Empenho alteradas e fez um vídeo, para as redes sociais, acusando o jornal de “fake
news”.
Para azar dele, porém, já havíamos copiado toda a documentação.
E aí, na segunda-feira, 22, o Diário publicou reportagem
sobre a alteração das Notas de Empenho, colocando lado a lado as originais e as
alteradas.
Mentiras e mais mentiras da empresária
Então, é MENTIRA a afirmação da empresária Genny
Missora Yamada de que eu e o jornal ocultamos a alteração das Notas de Empenho.
Pelo contrário: o Diário até deu isso em manchete.
Agora, o que o jornal não fez foi publicar essa
história como a empresária e o prefeito gostariam.
Ela vem agora dizer, no Boletim de Ocorrência, que
tudo não passou de um “erro de digitação” e que houve “retificação” das Notas
de Empenho.
Até onde sei, há pelo menos dois promotores de Justiça
debruçados sobre esse caso, um deles especificamente sobre as alterações no
portal.
Afinal, não estamos a falar de simples pedaços de
papel ou de algum “favor” da Prefeitura: essas Notas de Empenho são documentos
oficiais sobre gastos públicos, e a Transparência é Lei.
Outra MENTIRA de Genny é de que fui contactada por “representante”
da empresa e que me neguei a registrar informações.
O que ocorreu foi o seguinte: às 17h10 da
segunda-feira, 22 de junho, escrevia uma matéria, para a terça, sobre a GM
Serviços, quando atendi um telefonema de um número desconhecido.
Uma mulher, que disse se chamar apenas “Giza” e que
seria “vizinha, amiga” de Genny, queria porque queria marcar um encontro entre
mim e a empresária àquela hora.
Expliquei-lhe que não tinha como sair de casa (moro
quase em Marituba) e que estava escrevendo uma reportagem sobre o caso, para o
dia seguinte.
A tal de “Giza”, então, MENTIU afirmando que essa matéria
estava “cancelada” pelo Diário.
Então, eu disse a ela: entregue a documentação, que você
diz ter, lá no Diário, que o pessoal me repassa. Vou ler e marco uma entrevista.
Até hoje estou à espera desses documentos.
E sinceramente, caro leitor, tenho inimigos demais para
ir me encontrar à noite, sozinha, com uma pessoa que não sei quem é, em algum
lugar que não sei onde fica.
Se a tal de “Giza” tivesse enviado os documentos que
dizia ter, eu teria marcado uma entrevista com essa empresária lá no Diário, provavelmente,
no dia seguinte.
Mas de forma alguma me encontraria com ela em outro local,
ou permitiria que viesse à minha casa, expondo a minha filha.
Notas Fiscais com informações inverídicas
No Boletim de Ocorrência, Genny menciona as Notas
Fiscais desses equipamentos, todas datadas de 31 de março.
Elas dizem que os ventiladores custaram R$ 65 mil. No
entanto, contêm informações inverídicas.
Uma delas é o Código Fiscal em Operações e Prestações
(CFOP) que a GM Serviços usou: o 5101.
Esse número significa que a empresa vendeu uma
mercadoria que ela mesma produziu ou industrializou.
Só que esses ventiladores são da marca Mindray e são fabricados
na China.
E a GM Serviços, aliás, nem sequer é a Representante
da Mindray no Pará.
Outro problema é o Código da Situação Tributária (CST),
usado nessas Notas Fiscais.
O CST indica a origem do produto e a alíquota devida
de ICMS.
Ele tem três dígitos: o primeiro, se for zero,
significa que a mercadoria é nacional; se for 1, que é estrangeira.
Os outros dois dígitos indicam os tributos.
Só que a GM Serviços usou como CST o número 0102.
Isso levanta a hipótese de que tenha usado o primeiro
zero para indicar que os ventiladores são nacionais.
Já o 102 teria saído do CSOSN, o código usado pelas
empresas optantes do Simples, e significa as transações que não permitem indicar
o ICMS.
Compra antes do empenho
As Notas Fiscais também dizem que esses ventiladores
foram vendidos na tarde de 31 de março, e que já no dia seguinte foram
entregues à Sesma, segundo o Atesto de uma funcionária do Departamento de
Urgência e Emergência (DEUE), daquela secretaria.
E aí fica a pergunta: como é possível que eles tenham
chegado tão rápido, da China ao Pará? Ou eles já estavam no Pará?
Mas se a SEFA afirma que não há registro da entrada
desses equipamentos na GM Serviços, onde é que eles estavam e como a empresa os
obteve?
Além disso, as Notas Fiscais (e também as Notas de
Empenho) dizem apenas que esses ventiladores são da marca Mindray.
Não há qualquer informação sobre as características
deles, ou sobre o número de série.
Segundo um advogado, a falta do número de série faz
com que a Prefeitura não tenha nem mesmo como comprovar quais ventiladores adquiriu.
Tão ou mais problemático é que as Notas Fiscais foram emitidas
um dia antes das Notas de Empenho, datadas de 1 de abril.
Só que a Lei 4.320/64 proíbe que o Poder Público
realize qualquer gasto sem antes empenhá-lo, ou seja, sem antes reservar
dinheiro, no seu orçamento, para o pagamento.
A Nota de Empenho, que nasce dessa reserva
orçamentária, é até uma garantia, para o fornecedor, de que ele receberá o
dinheiro que lhe é devido.
Mais de R$ 1,7 milhão no ano eleitoral
Neste ano eleitoral, além dos ventiladores pulmonares,
Zenaldo também comprou da GM Serviços, sem licitação e por R$ 170 mil, dois
aparelhos de ultrassom.
Comprou, ainda, um esterilizador de peróxido de
hidrogênio, por R$ 298.900,00, através do Pregão 07/2020 (da Sesma).
Ela também foi contemplada com uma inexigibilidade
licitatória de R$ 255 mil, para a confecção de 150 mil máscaras descartáveis,
para os profissionais de saúde da rede municipal.
No portal da Transparência, não há empenhos em favor
dela, entre 2013 e 2018. No ano passado, há apenas um, de R$ 60 mil.
Neste ano, porém, os empenhos em favor da empresa
somam mais de R$ 1,745 milhão, 66% sem licitação.
Onde houve “abuso” da liberdade de
expressão?
Por fim, fico me perguntado quem é a empresária Genny
Missora Yamada para estabelecer os “limites da informação”, que ela afirma que
essas reportagens “extrapolaram”.
De onde vem a autoridade, que julga ter, para afirmar “abuso
da liberdade de expressão”, em reportagens que se limitam a expor os fatos.
Pergunto à empresária: a GM Serviços nasceu ou não como uma cafeteria?
Ela declara ou não que realiza 35 atividades, que
incluem até psicanálise?
Ela pediu ou não dispensa de licenciamento ambiental,
porque a sua principal atividade é a confecção de uniformes?
Os códigos usados nas Notas Fiscais dizem ou não que esses
ventiladores são nacionais e produzidos por ela?
As Notas de Empenho originais que estavam no portal da
Transparência diziam ou não que esses equipamentos chegaram a custar R$ 260
mil?
É ou não é verdade que não há registro da entrada
desses ventiladores na contabilidade dela, como afirma a SEFA?
É ou não é verdade que as Notas Fiscais não trazem nem
sequer os números de série desses equipamentos?
É ou não é verdade que as Notas Fiscais foram emitidas
antes das Notas de Empenho?
Desde quando é crime jornalistas realizarem
reportagens sobre casos que envolvem dinheiro público?
Desde quando as pessoas podem sair por aí fazendo boletins de ocorrência contra jornalistas, por reportagens publicadas em veículos de comunicação?
E desde quando a polícia, delegados de polícia, podem
aceitar uma ilegalidade dessas?
Na verdade, o que essa empresária quer é me intimidar,
o que nada mais é do que pura perda de tempo.
Vou continuar, sim, investigando esse caso.
Até porque há sinais de que ele é apenas a pontinha de
um enorme iceberg.
FUUUIIIII!!!!!!
-----
Leia as reportagens publicadas pelo Diário do Pará:
21/06 – Zenaldo compra respirador pulmonar mais caro do Brasil: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1403
22/06 – Zenaldo manipula documentos e altera preço de respiradores: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1404#book/3
23/06 – Fornecedora de respiradores começou como cafeteria: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1405
05/07 – Zenaldo compra 3 vezes mais luvas que a população de Belém: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1417
07/07 – MP investiga compra de respiradores por Zenaldo: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1419
19/07 – Respiradores comprados por Zenaldo podem ser fantasmas: https://www.diarioonline.com.br/Digital/Page?editionId=1433
Nenhum comentário:
Postar um comentário