quarta-feira, 27 de novembro de 2019

O racismo do Ouvidor Geral do Ministério Público do Pará, Ricardo Albuquerque



 

Triste um Ministério Público que tem como procurador de Justiça e “ouvidor” um cidadão como Ricardo Albuquerque, para quem os índios são preguiçosos, “não gostam de trabalhar”, já que, segundo ele, preferiram a morte à escravidão, o que teria levado à necessidade de o Brasil buscar seres humanos negros, para escravizar. 

Trata-se de um pensamento extremamente preconceituoso e desrespeitoso, que vai na contramão de todo o esforço da sociedade brasileira para tentar compensar um conjunto de crimes, que, em verdade, não podem ser compensados: o horror da escravidão negra e o genocídio das populações indígenas. 

Ao que parece, para o “ouvidor” a escravidão é quase uma festa, para quem gosta de trabalhar. 

E a seguir-se nessa linha de raciocínio, seria o caso de se questionar o porquê das ações do próprio Ministério Público para combater o trabalho escravo, que até hoje atormenta o Brasil e o Pará, em muitas propriedades rurais.  

Afinal, para que retirar esses escravos dali, se devem estar felicíssimos com o trabalho de sol a sol, embora obrigados a dormir no chão, comer alguma espécie de babugem, pegar porrada e até a beber a mesma água que é dada aos animais? 

Pois é. Olhar a condição desses escravos de hoje dá uma ideia, embora muitíssimo pálida, do que foi a escravidão negra.  

E ontem como hoje, por que é que muitos desses seres humanos se submetem à escravidão? Por que gostam de trabalhar? Por que não têm qualquer apreço à liberdade? 

Não. Eles se submetem porque têm medo.  

Porque o instinto básico de qualquer ser humano é a preservação da própria vida. 

Um instinto tão forte que só é muitas vezes superado pela preservação da própria descendência.  

Raros, muito raros, são os animais humanos que conseguem colocar em primeiro lugar a preservação da espécie, e até de tudo o que vive. 

Não por acaso, nós os consideramos sobre-humanos, heróis e até “iluminados”.  

Então, creio que esta é a primeira coisa que o “ouvidor” do Ministério Público do Estado do Pará precisa entender: negros são seres humanos e agem como todo e qualquer ser humano, para preservar a própria vida. 

Ou seja, doutor, não são apenas os brancos que têm amor à vida e à liberdade. Por mais incrível que isso lhe pareça, um negro gosta tanto de viver quanto o senhor.  

Mas há outra coisa importante que o doutor Ricardo Albuquerque talvez consiga entender, caso volte a estudar: a escravidão negra não foi de forma alguma pacífica, e as próprias comunidades quilombolas, às quais aparentemente ele despreza, comprovam essa resistência. 

Apesar do medo da morte, muitos fugiram para quilombos; muitos tentaram alcançar o sonho da liberdade.  

Muitos morreram tentando, doutor. 

Apesar dos estupros, torturas, espancamentos que deixavam as costas em carne viva; dos membros esmagados, queimados ou até arrancados (olhos, genitálias, dentes, seios), para obter essa submissão pacífica que o senhor parece pensar que existiu, os negros continuaram a resistir, a fugir, a se rebelar, e até a se matar, como derradeira forma de resistência. 

Apesar das crueldades inimagináveis e das manipulações culturais e mentais, com a mistura de indivíduos de diferentes nações africanas, para dificultar a comunicação; a distribuição de recompensas e castigos e até as promessas de futuras alforrias, para “amansá-los”, os negros não se renderam à escravidão, como ainda hoje não se rendem a essa escravidão mal disfarçada dos morros, favelas e baixadas, de Norte a Sul do Brasil. 

E quanto aos índios?  

Novamente, doutor, temos de falar sobre seres humanos, embora talvez o senhor imagine, da mesma forma que pensava o homem medieval, que índios não têm alma, ou, se a possuem, é inferior à sua. 

A resposta do animal humano depende em muito do território em que se encontra: o próprio ou o desconhecido. 

No caso dos negros, eles eram arrancados de seu território, misturados a integrantes de outras nações, espremidos nos porões de navios imundos, nos quais passavam meses a sofrer com a fome, o calor, a sede, e a ver pessoas morrendo ao lado, todo santo dia. 

Quando eram desembarcados aqui, um território totalmente desconhecido, esses seres humanos, acorrentados, eram levados para leilões e senzalas, marcados a ferro e mantidos aprisionados, com fome, sede, frio e toda sorte de violências, muitas delas “mães” das torturas que ainda hoje vemos em nossas penitenciárias e delegacias policiais, e que são combatidas pela instituição que o senhor representa. 

Obviamente, como todo e qualquer ser humano, esses africanos devem ter experimentado um torpor inicial, além de muito, muito terror. 

Mesmo assim, como já visto, com o passar do tempo conseguiram resistir de forma impressionante, e através dos séculos. 

Já a resposta dos índios, doutor, tinha de ser necessariamente mais imediata e até mais agressiva, afinal, eles estavam em seu território. 

Ou o senhor desconhece que este imenso território, a que chamamos Brasil, pertencia, em verdade, a inúmeras nações indígenas, que foram espoliadas e quase exterminadas pelos colonizadores? 

Então, a resposta indígena variou desde a resistência armada e à recusa de qualquer forma de colaboração com o invasor (aquilo a que o senhor chama de “preguiça”), até a acordos, para tentar se sobrepor a nações ou a grupos rivais. 

Rigorosamente nada diferente do que vimos e vemos em qualquer território invadido, e em qualquer época, eis que é da natureza humana que nos une que estamos a falar. 

Assim, doutor, penso que o seu problema é que o senhor não consegue enxergar negros e índios como seres humanos. 

E talvez até por esses tempos sombrios que vivemos no Brasil e no mundo, ache “normal” expressar esse tipo de pensamento odioso, que nega humanidade às pessoas e busca exterminar até a história de resistência delas.  

É por isso, doutor, que o senhor também acredita que não temos qualquer dívida em relação aos negros: ora, se eles não são humanos, por que deveríamos sentir um mínimo de dor de consciência, de empatia, de misericórdia até por todas as atrocidades que eles sofreram e ainda sofrem, não é? 

Que vergonha, doutor Ricardo Albuquerque, que o senhor representa para o Ministério Público do Estado do Pará e de todo o Brasil. 

Que vergonha que o senhor e aqueles que pensam como o senhor representam para toda a espécie humana. 

O Ministério Público, definitivamente, não é o seu lugar.  

E muito menos em um cargo tão importante para a sociedade, como é o de ouvidor. 

E o que eu espero é que venham medidas rigorosas, e não apenas palavras, do nosso Ministério Público, a provar que essa instituição de fato não compactua com o seu claríssimo e criminoso racismo. 


FUUUIIIII!!!! 

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Abaixo, a nota divulgada pelo Ministério Público do Pará sobre as declarações do procurador:


NOTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ À IMPRENSA

 
O Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) repudia o teor do áudio que circula nas redes sociais onde constam manifestações do Procurador de Justiça Ricardo Albuquerque da Silva referentes à questão racial de negros e índios, cujo teor reflete tão somente a opinião pessoal do referido membro da instituição. 

Em relação a questão racial, o MPPA tem trabalhado para assegurar a implementação de políticas públicas para garantir às populações negras e indígenas a efetivação da igualdade de oportunidades. 

No último dia 20 a instituição promoveu evento em alusão ao Dia da Consciência Negra, que reuniu ONGs e a sociedade civil num debate sobre discriminação racial e religiosa no Brasil. O órgão também vem implementado políticas afirmativas no âmbito da própria instituição como, por exemplo, a decisão do Colégio de Procuradores de Justiça (CPJ), em abril deste ano, de incluir cotas para estudantes quilombolas e indígenas nas seleções de estagiários de nível superior realizadas pela instituição.  

Nesse sentido a instituição também tem fiscalizado e cobrado ações afirmativas, fiscalizando os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades. 

Finalmente, este órgão reafirma não compactuar com qualquer ato de preconceito ou discriminação a grupos vulneráveis da sociedade.

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