Conta um manuscrito do Rio Amazonas que, no ano de 2.518
de Nosso Senhor, o Brasil resolveu mudar de nome e passou a se chamar República
do Bundão.
A decisão foi precedida de acalorados debates entre os
bundões, o novo gentílico daquela pitoresca nação.
Mas não pense o leitor que tal se deveu a alguma
comparação maledicente.
Em verdade, o gentílico que antecedeu a República apenas
traduziu uma condição literal: um belo dia, todos os habitantes daquele país
acordaram transformados em um bando de bundões.
Por algum fenômeno genético ou vingança divina,
perderam todo o resto do corpo, que foi sintetizado em enormes bundas.
O fato atraiu cientistas do mundo inteiro, que se
dispuseram a estudar, “de grátis”, o intrigante fenômeno: é que também havia a preocupação
de que fosse contagioso e acabasse provocando uma “bundástica” planetária.
O que mais impressionava os cientistas era que os
bundões continuavam a viver normalmente, embora com as necessárias adaptações:
se locomoviam aos pulos; pensavam, falavam e excretavam pelo mesmíssimo tubo
intestinal.
Tais adaptações, é claro, trouxeram alguns inconvenientes.
Lideranças políticas e religiosas passaram a “agraciar”
a plateia com frequentes banhos de merda, esguichos tão aguados e fedorentos
que mais pareciam saídos das profundezas infernais.
No entanto – e isso também intrigava os cientistas – quanto
mais pútrida e caudalosa a merda, mais os bundões admiravam o orador.
Extasiados, saltavam de um lado a outro, em
coreografias tribais e peidorreiras, a clamar por mais e mais fezes.
E depois de certo tempo, já habituados à coprofagia,
até elegeram presidente o mais “prolífico” de todos eles.
O bundão-presidente não perdeu tempo em presenteá-los
com merdas da melhor qualidade: todos perderam seus direitos trabalhistas;
agora, feito escravos, teriam de trabalhar de sol a sol, nos 400 dias do ano, e
com salários que não pagavam nem mesmo um pum. E quando envelhecessem, teriam
de mendigar pelas ruas.
O país retrocedeu 500 anos em 5, tornando-se um imenso
laboratório para todas as forças intestinais do universo.
E no entanto, os bundões pareciam felicíssimos com
tudo aquilo, tanto que os cientistas começaram a especular se a nova condição glútea
não lhes havia prejudicado o funcionamento cerebral.
A única coisa que realmente incomodava os bundões era
a diversidade das bundas que tinham de encarar.
A maioria, é verdade, eram bundas-moles convictas: raquíticas,
tristonhas, sem umidade ou frescor.
Outras, eram típicas bundas-sujas, cuja ignorância e
presunção chegava a assustar.
Porém, também as havia rosadas e rechonchudas, vivazes,
selvagens, indomáveis, a convidar à vida e ao prazer.
Diante delas, os bundões religiosos se remexiam incomodados,
como a contemplar o fruto proibido.
E os “bundões de bem” afirmavam que aquelas bundas eram
um perigo às suas abundantes famílias, principais e secundárias, que mantinham debaixo
de chineladas.
Formaram-se, então, grandes pelotões de patrulhamento
pela Tradicional Família do Bundão (TFB).
Os pelotões passaram a perseguir pelas ruas as bundas
vivazes, selvagens, indomáveis, para espancá-las, interná-las em hospícios,
convertê-las à religião dos bundões, e até mesmo matá-las.
Fossem seres humanos, talvez alguém reagisse,
gritasse: parem! Não façam isso!
Mas eram apenas bundas. E só.
E enquanto se ocupavam dessa perseguição, mais e mais a
República do Bundão foi se assemelhando a um ânus escancarado: nações mais
desenvolvidas enfiavam-lhe, a seco, toda sorte de retrocessos.
Os bundões perderam suas florestas, rios, bichos, petróleo,
minérios.
O que as grandes multinacionais não puderam levar, foi
destruído pela exploração predatória e pelos venenos que comercializavam para
serem pulverizados sobre as plantações.
A paisagem, dantes verdejante, repleta de vida e de águas
cristalinas, foi substituída por grandes desertos e rios de lama. E entre as
árvores mortas e retorcidas já não se ouvia um único cantar.
O próprio coração dos bundões tornou-se árido.
A hipocrisia, a ignorância, pastores endemoniados e a
violenta repressão ao prazer os haviam transformado em seres amargurados, cruéis,
possessos de ódio, para os quais nem Deus já suportava olhar.
Mas tudo o que importava era que haviam se livrado
daquelas bundas vivazes, selvagens, indomáveis.
Agora, todos se vestiam de rosa ou azul e se calavam
diante das humilhações e chineladas.
E na República do Bundão reinava, enfim, a paz.
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