segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O carro e os bois


Luís Inácio Lula da Silva – ou, o“Nosso Guia”, como gosta de chamar-lhe o jornalista Élio Gaspari - tem o dom de produzir frases antológicas.


Foi assim, por exemplo, com aquela definição do Congresso – os 300 picaretas com anel de doutor.



E é claro que a frase – atemporal, diga-se de passagem - provocou indignação no Congresso.



Mas, também é verdade que os nossos congressistas, com raras exceções, fazem-na por merecer.



A história dos “300 picaretas” lavou-nos a alma.



Por nos dissociar, aparentemente, da responsabilidade sobre o Congresso.



Como se os mandatos dos congressistas, das “vossas excelências”, tivessem, simplesmente, caído do céu.



O problema é que, na Democracia, não se pode falar em “direito divino”.




Na Democracia, o parlamento é a cara da sociedade que o elege e mantém.



E, por mais que se esperneie, o fato, a realidade, é que o Congresso Nacional é a cara da sociedade brasileira.



Assim como as nossas câmaras municipais, as nossas assembléias legislativas.




E até poderíamos extrapolar isso – por que não? – aos nossos governos e prefeituras, eis que os nossos governadores e prefeitos também são portadores de mandatos da sociedade, do eleitorado, da população.




E isso nos leva a uma coisa muito interessante, para meditar: esse paradoxo entre a polarização nacional e até em governos e prefeituras entre tucanos e petistas, as duas propostas políticas mais avançadas que já conseguimos produzir, ao longo de toda a nossa história; e entre o que pode haver de mais atrasado em termos políticos.



Clarificando: o paradoxo que divide o eleitorado entre tucanos/petistas e boa parte dos grandes partidos brasileiros: PMDB, DEM, PP.



É como se nós, sociedade brasileira, estivéssemos a travar, na verdade, uma enorme guerra cultural.




Não se trata, apenas da política, onde desembocam e se tornam mais aparentes os conflitos, em qualquer grau, mesmo que nascentes.



Mas, de uma guerra na própria raiz da sociedade que somos e que queremos ser e que, por isso mesmo, desemboca na política não de forma “menor”, quase inexpressiva, mas, de forma gigantesca – para os dois lados da balança.



Talvez que estejamos a experimentar um período de renascença, de reinvenção cultural.



Talvez que, em 500 anos, nunca tenhamos experimentado um ponto de equilíbrio como este, entre as forças do futuro e do passado.



É claro que isso faz de todos nós, de cada um de nós, cidadãos privilegiados de um tempo ímpar.




Mas, é claro, também, que pelo próprio equilíbrio das forças em disputa, a guerra parece tender ora para um lado, ora para outro.



Estamos a rever não apenas o político que compra ou o eleitor que vende votos.



Mas, a própria possibilidade de compra e venda do voto.




Estamos a rever não apenas o sujeito que triunfa, que “se dá bem” pela esperteza, mas, o próprio significado de “esperteza” e o que ela representa para o conjunto da sociedade.




Estamos a rever não apenas o corrupto e o corrompido, mas, a corrupção em si: o que ela traz de nocivo, para a nossa casa, a nossa rua, o nosso país, a nossa Nação.




Ou seja, talvez pela primeira vez em nossa história estejamos conseguindo enxergar – e não simplesmente a partir de vozes isoladas – não apenas o sujeito, o “praticante”, mas, o próprio conceito daquilo que pratica.



E os males decorrentes – não para um, mas, para todos, para a coletividade.




É nesse contexto que enxergo outra frase antológica de Lula, esta mais recente: a de que, na política brasileira, Jesus Cristo, hoje, faria acordo até com Judas.



E é bem possível que boa parte dos coleguinhas da imprensa tenham compreendido isso, mas, façam de conta que não compreendem.



O equilíbrio de forças da sociedade brasileira é de tal monta que os “companheiros” do avanço têm de fazer acordo com os “companheiros do atraso”. E os “companheiros” do atraso têm de fazer acordo com os “companheiros” do avanço.




Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, com o PSDB; é assim com o PT.
E ficar falando que Jesus nunca fez acordos com saduceus ou fariseus é lári-lári.



Porque Jesus era um radical do PSTU. E nem o PSDB, nem o PT – e muito menos a sociedade brasileira; vide os votos que eles têm – querem saber dos radicais do PSTU.



Se quiséssemos, de fato, nos aproximar do momento que a sociedade brasileira está a viver teríamos de juntar, num só corpo, Jesus, Pôncio Pilatos e Barrabás. Deitá-la num divã freudiano-socrático e indagar, maieuticamente (égua do palavrão!...): o que é Nação e como é que você vê Nação?



Lula, com essa sua imagética (e eu já nem sei o que estou a dizer; começo, depois de tomar muitas, a parecer o Fábico Castro....) consegue traduzir, de forma extradordinária, o que somos, o que sentimos.



É um sociólogo nato, das ruas.



Um líder do povo.



Nunca votei nele; nunca votei em Lula – e nem voto. E nem mesmo voto na companheira Dilma, apesar de lhe reconhecer muitas qualidades.



Voto em Serra, meu voto, nacionalmente, é fechado com o PSDB.




Seja Aécio, seja Serra.




Mas, reconheço as qualidades de Lula e o respeito muitíssimo.



Especialmente, por essa capacidade de manter o diálogo com as massas, de se fazer compreender pelas massas, apesar da quantidade de intelectuais que devem ter andado a azucriná-lo nesses anos todos.



Admiro Lula por ser um líder genuíno de uma enorme massa de cidadãos que sempre foram excluídos do processo decisório deste país.



A maioria dos cidadãos, ou daqueles que queremos tornar cidadãos, ressalte-se.



É um quadro que ombreia com um Zé Dirceu – e, por favor, não se exaltem, porque eu já elogiei aqui, várias vezes, o Zé Dirceu. É um quadro magnífico – não digam que não, pera lá!...Qualquer partido, mais ainda o PSDB, adoraria, sim, ter um quadro como o Zé Dirceu. E não me venham com lári-lári, não: ele é poderoso!...



Mas, espero, sinceramente, que seja Serra a vencer as próximas eleições.



Sabem, companheiros, tucanos e petistas, a gente precisa discutir essa questão do aparelhamento do Estado.



E discutir fora de períodos eleitorais.



Essa visão leninista do aparelhamento do Estado é democrática?



Qual a diferença entre leninismo e patrimonialismo – na prática, não em tese?



E o Estado deve ser aparelhado por um partido ou pela sociedade? E pode ser aparelhado? E de qual sociedade estamos a falar?



Estou como o companheiro Lula: vou defender um candidato (no caso dele, a Dilma; no meu caso, o Serra) mas penso que quem quer que vença tá bacana: ambos, são candidatos das esquerdas.



Uma eleição para comemorar, como nunca se viu neste país, né mermo?



A sociedade nos quer a avançar e, ao mesmo tempo, nos põe as forças do passado a ponderar...



Como se nos dissesse: calma! O carro não pode ir à frente dos bois. Calma! Sobre isso e isso a gente já discutiu, mas, falta debater, formar um consenso sobre aquilo e aquilo outro”.



Cansei de gastar cuspe; vou-me embora.



E olhem, leitores: não parei de investigar o governo.




E vou produzir um post sobre isso.




FUUUUUUIIIIIIIII!!!!!!


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