sexta-feira, 6 de junho de 2008

sargento

Um atentado à democracia



Não sou muito de comentar episódios que acontecem fora do Pará e que não têm, aparentemente, muito a ver com política – afinal, esse nunca foi o perfil deste blog.


Mas, essa história dos dois sargentos gays, que estão sendo vítimas de uma brutalidade indizível pela opção sexual que decidiram tornar pública, está começando a me embrulhar o estômago.


A impressão que tenho é a de que retornamos à Idade Média: você pega, prende e arrebenta quem é “diferente”. Só falta mesmo é a fogueira!...


Como é que pode uma coisa dessas? Desde quando o Exército, ou qualquer instituição que seja, está acima da Lei?


Ora, se a Constituição garante a liberdade de expressão como é possível, então, submeter a tratamento degradante dois cidadãos só porque resolveram assumir o amor que sentem um pelo outro?


Desde quando ser gay é ser bandido? Desde quando ser gay é ser doente? Desde quando ser gay é ser “pecador”? Todos esses conceitos foram varridos pela ciência e pelo avanço das liberdades democráticas. Não passam de IGNORÂNCIA pura e simples. E, mais que isso, de falta do que fazer.


Afinal, que mal me causa, o que interfere na minha vida, se duas pessoas do mesmo sexo resolvem se amar?


O que é que eu tenho a ver com isso? O que é que isso atrasa ou adianta a minha vida?


Na verdade, esse preconceito monstruoso tem a ver com essa “idolatria do pênis”.


Tudo gira em torno de pênis, do “grande macho branco”. Para o “grande macho branco” é “degradante” ser penetrado – porque isso é “próprio” da fêmea. Em relação às lésbicas, o raciocínio é semelhante: como é que a fêmea, esse “ser penetrável”, pode imaginar ter prazer sem um pênis?


É como se o pênis tivesse vida própria e fosse um “sinal” determinante de “superioridade”...


Na verdade, quem está “no armário” não são esses gays, que resolvem, de forma corajosa e legítima, assumir aquilo que sentem; o prazer que sentem no beijo, no abraço, no ato sexual com uma pessoa de mesmo sexo.


Quem nunca saiu do armário é a sociedade, com esse bando de gente frustrada, amargurada, reprimida, que só parece encontrar prazer em reprimir, frustrar e amargurar também a vida alheia.


Quem nunca saiu do armário é essa gente entranhada desse pensamento judaico-cristão, que vê demônios e pecados em tudo que é canto.


E eu fico me perguntando: cadê a OAB? Cadê as sociedades de direitos humanos? Cadê o Congresso? Cadê o Judiciário?


Que silêncio acachapante – e perigosíssimo – esse...


Quando é que vamos começar a gritar? Quando “suicidarem” o sargento?


Não... Há alguma coisa muito errada num país em que intelectuais, entidades e instituições simplesmente se calam diante de um crime desses.


Um atentado não apenas aos direitos desses dois cidadãos e de tantos outros cidadãos iguais a eles, que querem, apenas, o direito de ser felizes, do jeito que quiserem ser.


Esse é um atentado contra a própria democracia, contra a Constituição, contra a liberdade de ser e estar e pensar e expressar aquilo que se é e se pensa.


O Estado não tem o direito de interferir dessa forma na vida de um indivíduo.


E nenhuma instituição – principalmente uma instituição armada – tem o direito de se sublevar contra os direitos individuais e coletivos conquistados pela sociedade à qual pertence.


A Constituição – nós, que parimos essa Constituição... – disse não ao preconceito de qualquer espécie.


E se existe alguma norma administrativa do Exército contra os homossexuais, tal norma é claramente inconstitucional.


Quem tem de ser preso, punido, não é, portanto, esse sargento - mas os oficiais que o estão submetendo à tamanha ilegalidade.


Soberano não é o Exército: é o povo.


E as Forças Armadas têm, sim, de se submeter à vontade de todos nós.

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