Sempre tive com o jornalismo uma relação de amor e ódio.
Amor pela notícia e pela possibilidade de intervenção social que ela proporciona.
Ódio, raiva, pelas limitações com que nos deparamos, todo santo dia.
Seja pelos desvãos econômicos que a informação e a notícia percorrem. Seja pela forma como é encarado o jornalista, por si mesmo e pelos mais proeminentes atores sociais.
O jornalista, em geral, é visto, apenas, como o operário, melhor dizendo, o contínuo da cadeia da informação.
É o sujeito que é mandado à esquina para apanhar um documento, ou, simplesmente, para pagar uma conta.
O cidadão mal pago e que em nada interfere.
Até porque não tem a mínima idéia da importância daquilo que faz.
Até porque é facilmente manipulável e substituível.
Até porque não possui instrumental teórico que lhe permita essa intervenção.
Ao jornalista não competiria pensar o impacto social da informação que recolhe.
Muito menos, a maneira como recorta, compõe e arremata a notícia, à luz da própria ideologia e da ideologia do patronato.
O jornalista seria, assim, um mero reprodutor, contador de histórias. Mas, um contador desqualificado.
Sem a capacidade de conectar tais histórias às histórias que à rodeiam - e àquelas que a antecederam e, principalmente, às outras que dela advirão.
Os poetas gregos também contavam histórias. Acerca da criação do mundo e de cada coisa que existe no mundo. Nos diziam como nascia uma flor, uma árvore, ou até o destino, os azares, de uma determinada família.
Eram, por assim dizer, os “guardiões da cosmogonia” (acho que é esse o termo, já nem recordo).
Mas, esses “fatos” primordiais nunca eram inocentes: vinham carregados de lições, de significados, de força exemplar. Cuja importância pedagógica os gregos foram os primeiros a intuir.
É engraçado voltar os olhos ao passado, há quase três décadas, e perceber que essa concepção acerca do papel do jornalista permanece exatamente a mesma.
Permanecemos apoliticamente incorretos. Permanecemos encantados com os círculos do Poder.
Sem perceber, claramente, a conexão genética entre informação e Poder. Mas, contraditoriamente, a fazer do Poder que a informação proporciona a própria razão de ser de estarmos nessa profissão.
Jornalistas deveriam ser obrigados a ler. E não somente Machado de Assis – até porque, por trás da literatura produzida por Machado, existe todo um arsenal teórico.
Um conceber-se e um conceber que vão muito além daquilo que as fórmulas romanescas nos permitem compreender.
Mas, sobretudo, jornalistas deveriam ser obrigados a pensar.
Os cursos de comunicação – no nível que acontecessem – deveriam ser verdadeiras arenas de permanente e impiedosa instigação.
O aluno deveria entrar razoavelmente são. Mas deveria sair irrecuperavelmente neurótico, a descobrir, por toda parte, os muros e os grilhões socialmente existentes.
E, mais que isso, os significados, a gênese, os propósitos desses muros e grilhões.
Cursos de Comunicação deveriam ensinar, ao menos, o que é o Estado.
Não, não como o cabide de empregos em que alguns, eventualmente, se penduram, por conta de necessidades de sobrevivência e porque imaginam que o Estado serve, justamente, para isso.
Mas, como o mais poderoso instrumento de intermediação social que já conseguimos conceber.
Que não se confunde, absolutamente, com a sociedade, porque muito posterior a ela. Mas, que é um dos elementos definidores daquilo a que chamamos Civilização, a qual, muito além dos meros agrupamentos sociais, tem permitido avançar na conquista de direitos individuais e coletivos.
Cursos de Comunicação deveriam ser capazes até de reciclar o Marxismo: de apresentar o mundo como ele é, ou seja, como essa luta – aparentemente perpétua - entre explorados e explorados. Mas com um Estado que, para além dos usos que dele se fez, vale por aquilo que representa em potência.
Quer dizer: como alguma coisa da qual todos podemos nos apropriar, para que não permaneça nas mãos de uns poucos, a servir, tão somente, os propósitos de uns poucos, porque é da própria condição da “coisa” o uso coletivo e não, meramente, individual.
Como ferramenta de controle social que é - e precisará sempre ser, até que encontremos melhor fórmula, não é mesmo?
Mas que pode ser democratizado, para servir à coletividade, impondo limites que obedeçam ao pensamento prevalente de uma época, mas que respeitem – e até incentivem – o pensamento minoritário.
Porque é da essência do Estado que seja assim. Não os rudimentos a serviço do chefe de bando ou do senhor feudal. Mas, como o aparato, feito de leis, de tribunais e de polícias, socialmente acreditado, porque reprime a todos, a serviço de todos.
Cursos de Comunicação deveriam ser capazes, enfim, de forjar uma visão crítica do mundo e do papel que nós, jornalistas, nele desempenhamos. A lembrar o papel que desempenharam os grandes jornalistas – desde os autores da arte rupestre, passando por Maquiavel, Galileu, Giordano Bruno, Danton, Marx, Lênin, Gramsci – que souberam, digamos assim, até mimetizar o fato, a informação, para transformar o mundo em que viveram.
Não vi isso no curso de Comunicação da UFPa, quando ingressei nele, em 1985, e do qual fui jubilada. Não tenho visto isso, ao longo da minha vida, nos egressos de todos os cursos de Comunicação.
Até porque essa visão crítica – se existe – não pode morrer no bloco do “Eu sozinho”: tem de estar presente em cada texto que se produz.
Sujeito que foi linchado, não foi linchado porque essa “demanda” caiu do céu.
Há, aí, um mundo de fatores a explorar. O mais visível é a ausência do Estado, a garantir o direito inalienável à segurança e a todos os direitos dele decorrentes. Como, por exemplo, o direito de ir e vir. Ou de passear pelas ruas sem uma arma no bolso pronto a matar ou morrer – quer dizer, o direito à paz de espírito e – por que não – à Cidadania.
Mas, há dois fatores de fundo. O primeiro é a miséria. O segundo, o uso que é feito do dinheiro público, que deveria servir, justamente, para reduzir, ou até erradicar, essa miséria.
Então, a ausência do Estado, em verdade, acaba sendo, apenas, a conseqüência, o sintoma de males bem maiores.
Quer dizer, a desigualdade e o uso do dinheiro público – quer se considere a corrupção, o desvio, quer se considere a opção política dos investimentos públicos.
O que é preciso entender é que o que mata e o que morre são vítimas da mesma problemática. Não há anjos, nem demônios. Mas, seres humanos e as suas circunstâncias.
Cansei de divagar. Volto depois de encher mais a cara. FUUUUIIIIII!
3 comentários:
Ana Célia,
Esqueça de uma vez o Barata.
Dê indiferença.
Quanto às acusações, contrate um advogado e processe o seu algoz.
Mude o seu blog, para que continue interessante !!! Se não ...
1 E-leitor
Obrigada pelo toque, anônimo, mas já esqueci...
Quanto a tornar o blog mais interessante...Bom, ele sempre foi, assim,ao sabor das "vagas" da autora. E continua merecendo a atenção de pessoas como você...Que hei de fazer?
Mas, é verdade que gostaria de retomá-lo, embora não saiba bem como.
O projeto original não era sério, depois ficou sério, depois tornou-se pra lá de introspectivo. E por aí vai...
Que é que posso fazer? Acho que vou procurar um psiquiatra e cuidar dessa minha TPM-auto-analítica. Cruzes! Nem Freud explica. Aliás, para mim, ele é que não explica mesmo, já que o meu mundo não é falocêntrico. E como você já deve ter percebido, já comecei a tomar todas. Vou!FUUUUUIIIII!
Ana Célia!
Que bacana teu blog! Fico feliz de tê-la como colega! Sobre a sua opinião sobre os cursos de comunicação, dou todo o meu apoio. Eu prezo muito pela academia. Os jornalistas precisam estudar, se aprofundar, descobrir o motivo das coisas... Beijos!
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