domingo, 3 de setembro de 2006

Um pombo no asfalto



Noção de História



Há milhões de anos, seus deuses eram animais como ele, que vagava pela Terra nu e sem teto.

Mas ele subjugou os semelhantes, parindo deuses à imagem de si mesmo.

Não gostou do que viu.

Fez-se, então, à semelhança de criaturas desprovidas de instintos e paixões. Ele, também, inatingível, forte, eterno.

Mas os prazeres continuaram a persegui-lo.

Cresceu dividido entre o bem e o mal, frutos do mesmo ventre: a deformação da racionalidade.

Não conseguiu livrar-se da fome, do orgasmo, da agressividade.

A Razão não era suficiente. Criou o Estado.


Capítulo I


Eles estão em toda parte e convocam à flor da pele a minha impotência. Há um bem ali, no teto, e parece me observar. Outro se escondeu num canto do quarto. Às centenas, batem as asas atrás da porta do banheiro.

Tento um movimento leve. Mas o do teto faz menção de me atacar. Silêncio...Respiro devagarinho...

Há dias, vigio os segundos. O próprio pensar tornou-se um suplício – de que me serve pensar se não me posso mover? Sinto-me qual Prometeu à espera do abutre...

Mas por que eles me perseguem? O que lhes fiz que provocasse tanta fúria?

..........................................................


Flash-back

O primeiro verbo que aprendi a conjugar foi obedecer. Disseram-me: eu obedeço, tu obedeces. Não me lembro quando. Só sei que era desse tamanhinho...

.........................................................

Eles pediram reforços. Agora, tomam as paredes. Vendaram-me os olhos. O tempo fugiu.

.........................................................

Fragmentos biográficos

Número: 056789/87 – série A
Filiação: revolucionários e revoluções
Data de Nascimento: 1960

1968: Thor, o primeiro amor.
1969: antes e depois das aulas, o Hino Nacional, a mão direita sobre o coração.
1970: porrada, praticamente todos os dias.
1971: a primeira menstruação. Nunca ouvira falar no assunto.
1972: masturba-se às escondidas.
1973: fuma e toma Melhoral com coca-cola.
1974: o primeiro beijo.
1975: briga com o namorado e chora, ao som de “Pomp and Circunstance”.
1976: a primeira trepada. Casa, obrigada, no ano seguinte.
1977: lava, passa, borda e apanha do marido.
1978: o primeiro filho. Engorda uns vinte quilos e experimenta todas as dietas e torturas conhecidas.
1979: a infidelidade do marido é pública. O casamento desaba. Sobra-lhe a filha, ao colo.
1980: crê, piamente, que os comunistas ameaçam o país.

....................................................


O inseto, com grandes e brilhantes asas castanhas e que parecia ser o chefe, andava de um lado para outro. Vez por outra, esfregava duas patinhas, como que esperando que eu dissesse alguma coisa. Eu, porém, preferia observar aquela sala imaculada; só conhecia o lugar por disse-me-disse.

Ele colocou minha ficha sobre uma mesa branca. Tudo, ali, era terrivelmente branco.

...................................................

Sermão

E subindo Ele ao monte, falou:

Não pensareis
Não gritareis
Não perguntareis
Não vomitareis
Engolireis
Sussurrareis
Acatareis
E realizareis tudo o que vos mandarem porque é essa vontade do Pai.

...............................................


Capítulo II

_Hum, hum. Pelo que vejo aqui a senhora é contumaz...
_Hem?
_Ora, não se faça de ingênua...
_Mas eu...
_Nós sabemos tudo a seu respeito. TU-DO!
_Mas eu...
_Cale a boca! Pensa que pode nos enganar, é?
_...
_A senhora tem alguma coisa a dizer em sua defesa?
_...
_Escreva aí: a acusada nada disse.

................................................


Tiraram-me as roupas; aqui, todos andam nus. Cercas de arame farpado delineiam nossos limites; há lama sob nossos pés.

Pela manhã, andamos em círculos; à tarde, também.

Vez por outra, ouvimos gritos, vindos da direção do Paraíso.

Lá, dizem, eles nos fazem tornar à normalidade. O Paraíso é branco.

Quantos somos? Não sei... Há homens, mulheres, velhos, crianças. Milhares, talvez, milhões.

Todos temos um número de ordem gravado na testa e é pelo número que eles nos tratam.

Não sei quando eles tomaram o poder. Só sei que, quando nasci, já estavam ali.

.............................................


(Competir, competir e competir. Sobressair-se sempre e a qualquer preço... Mas, um dia, ele não matará por comida, não brigará por sexo, não guerreará por territórios. Exorcizará, enfim, o animal – e todos os prazeres e todas as paixões... Será, enfim, senhor de si mesmo e de todo o universo! Será a paz!...)

..............................................


_Você aí!
_Quem, eu?
_0566789/87, série A?
_Sou eu. O que foi?
_Diga: sim, senhor!
_Sim, senhor!
_Venha comigo! Vamos, mexa-se!

.............................................


(Vi o mundo dos observatórios privilegiados: os balcões dos bares, os puteiros, as sarjetas, os monturos de todo o lixo humano. Fiz-me igual a eles: a decadência é a última trincheira...)

.............................................


Capítulo III


Acordei de um sono profundo, a cabeça pesada, músculos recusando obediência.

Lembro de quase nada.

Vi-me amarrada a uma cama, cercada pelas paredes inexpugnáveis do Paraíso.

Vi um gafanhoto com uma enorme seringa.

Gritei, tentei soltar-me, distribui palavrões.

Mas, tão logo aquela droga penetrou em minhas veias, minha resistência se esvaiu.

Depois, o tempo moveu-se célere. Dia após dia, uma voz me dizia para tornar ao caminho do bem.

Em um trono de ouro e pedras preciosas, a aranha me exortava ao arrependimento...

Fui enrolada em uma teia e quanto mais lutava, mais me convencia de que pecara.

Pensei: por que não me tornar um deles? Mas meu raciocínio, novamente, se fragmentava. Obedecer tinha de se tornar uma compulsão...

Eles dançavam em minha volta e tomavam o meu corpo. Sugavam o meu sangue e se deliciavam em minha carne.

Não recordo quanto tempo fiquei ali. Vi-me cambaleando de volta a minha cela e dormindo dias e dias e dias...

.............................................


(Eu amo os cemitérios, com suas cruzes e lápides brancas, as suaves hipocrisias...

Amo passear pelos seus caminhos, sentindo na pele o odor dos corpos que se decompõem num átimo de história...

Ali está o que restou de um cadáver.

Brancos ossinhos, aos quais os vermes devoraram as carnes.

Terá sido homem ou mulher? A quantos terá beijado a boca e trespassado a alma de dor e prazer?

Não, não importa...

Agora, é, apenas, vala-comum...

Dele, nem o vento sussurra o nome...)

............................................


Era dia e minhas mãos tentavam capturar o raiozinho de sol que invadira a minha cela, quando uma barata veio avisar-me da liberdade.

Era, então, pele, ossos e feridas.

Apanhei o que me restara e, com um olhar, despedi-me de meus companheiros.

Quase não acreditei quando toquei a terra. Eu era livre como a aurora, leve, como as nuvens...

Nas ruas, as pessoas passavam por mim e nem me notavam.

Parei em um sinal; ao lado, um pombinho.

Fiquei a admirar-lhe as asas. Mas ele, inquieto, parecia não poder voar.

Titubeou, deu uns passinhos em círculos e, de súbito, atirou-se à frente.

O sinal fechou. Todos seguimos nossos caminhos.

Virei-me e avistei, ao longe, aquela massa de sangue e penas a manchar o asfalto...

6 comentários:

Anônimo disse...

Pererequinha do jader, vai ser chata assim no raio que te parta.
Por isso ninguém te lê.

Carlos Barretto  disse...

Esta sequencia é verdadeiramente incrível!
"Que te passa?"

Anônimo disse...

Já vi que blog não é a sua praia. Com todo o respeito, é claro.

Anônimo disse...

Por favor, tire de vez o seu blog do ar. Blog é diário e com notícias quentes. Blog é atualizado 3,4,5 ou mais vezes por dia.
Se vc só quer escrever essas baboseiras, escreva um livro e distribua para seus amigos mais chegados.
Com esse seu blog(?) vc só atrapalha a rede.
Com todo o respeito é claro.
PS. Bem que vc poderia publicar esses seus sei lá o que como encarte no jornal do seu patrão jader.

Anônimo disse...

Continue escrevendo suas ideias e fatos que muitos não tem coragem de escrever. Não dê bolas para eles que são puxa-sacos; talvez remunerados.

Anônimo disse...

Por que está escrevendo tão pouco?
Não dê bolas para esses tontos.