Bolsonaro e o Centrão preparam uma armadilha para o povo brasileiro: a redução dos preços dos combustíveis à custa da diminuição do ICMS, o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, que é a principal fonte de recursos dos estados e municípios.
Tudo para tentar melhorar a situação eleitoral do atual presidente da República, já que todas as pesquisas indicam que ele será derrotado pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, talvez já no primeiro turno das eleições, em 2 de outubro.
A artimanha custará caro à população, principalmente a mais pobre: a súbita perda do dinheiro do ICMS provocará um rombo bilionário nos orçamentos dos estados e municípios, já a partir deste ano.
Com isso, haverá menos dinheiro para a Saúde, a Educação e a Segurança, por exemplo, que irão piorar ainda mais.
Só o Fundeb, que é o fundo que financia a educação básica das escolas públicas, poderá perder mais de R$ 19 bilhões.
Mas, com a artimanha, Bolsonaro e o Centrão esperam conseguir uma diminuição dos combustíveis até as eleições, para convencer os eleitores de que a culpa da alta de preços é dos governadores e do ICMS.
Depois das eleições, seja o que o diabo quiser.
O problema é que essa manobra eleitoreira tem tudo para não funcionar, além de criar uma bomba que explodirá no colo do próximo presidente.
Economistas fizeram as contas e descobriram que a redução do ICMS dos combustíveis para 17%, como querem Bolsonaro e o Centrão, diminuirá o preço da gasolina em uns poucos centavos (veja adiante).
Além disso, mesmo que se cortem todos os impostos dos combustíveis, a tendência é que eles continuem a subir.
Isso porque Bolsonaro se recusa a mexer nos verdadeiros culpados pelo problema: o Preço de Paridade Internacional (PPI) e a política de desvalorização do real.
O PPI foi adotado pela Petrobras em outubro de 2016, pelo então presidente da República, Michel Temer, pouco depois do golpe que afastou a presidenta Dilma Rousseff.
Com o PPI, a Petrobras passou a reajustar os preços dos combustíveis, nas suas refinarias aqui no Brasil, de acordo com o preço do petróleo no mercado internacional, onde o comércio é feito em dólares.
Assim, sempre que os preços sobem lá fora, sobem também aqui.
A coisa toda piorou com a política econômica de Bolsonaro, que levou à forte desvalorização do real em relação ao dólar.
Um fato que beneficia, por exemplo, os milionários do agronegócio, que estão entre os principais apoiadores do presidente, e passaram a exportar mais, já que os seus produtos ficaram mais baratos para outros países.
O resultado é que se vê: alta dos combustíveis, aumento da inflação, empobrecimento da população.
E tudo isso apesar de o Brasil ser um grande produtor mundial de petróleo; de os custos de produção da Petrobras terem até caído; e de ela ser uma empresa estatal, que deveria ter uma finalidade social, como sempre ocorreu desde a sua criação, em 1953.
O PPI e a desvalorização do real trazem lucros impressionantes para os acionistas da Petrobras.
O maior desses acionistas é o próprio Governo Federal, comandado por Bolsonaro.
É ele que indica o presidente da empresa e poderia, se quisesse, até acabar com o PPI (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/05/12/bolsonaro-poder-petrobras.htm).
No entanto, ele não fez e nem fará isso, já que entre os acionistas da Petrobras também estão milionários e bilionários, do Brasil e do exterior.
Acionistas da Petrobras lucraram R$ 101 bilhões, em 2021
No ano passado, enquanto a população brasileira sofria com a alta dos combustíveis, a Petrobras anunciava um lucro de R$ 106 bilhões, o maior de sua história.
Desse total, R$ 101 bilhões foram entregues aos seus acionistas Aqui: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/petrobras-eleva-pagamento-de-dividendos-a-acionistas-em-2021-total-passa-de-r-101-bilhoes/
Já no primeiro trimestre deste ano, o lucro líquido da empresa bateu novo recorde: R$ 44,5 bilhões.
Um lucro 3.718% superior ao registrado no primeiro trimestre do ano passado.
As suas receitas líquidas com a venda de óleo diesel cresceram 54,5%; com a venda de gasolina, 75,3%; com o gás de cozinha, 23%; com querosene de aviação, 122,3%, também em relação ao primeiro trimestre de 2021.
Os dividendos que ela distribuiu os acionistas foram de R$ 48,5 bilhões (https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/05/petrobras-lucra-r-445-bi-e-anuncia-r-485-bi-em-dividendos.shtml ).
Veja o Relatório de Desempenho da empresa: https://drive.google.com/file/d/1qFOOAQdAUrMxi3KsfNFyF1OFl5CUEbLL/view?usp=sharing
“O foco da Petrobrás hoje é gerar e distribuir valor, principalmente para acionistas privados. Mais de 45% são investidores estrangeiros, com ações da Petrobrás nas bolsas de São Paulo e de Nova Iorque”, diz Deyvid Bacelar, coordenador geral da FUP, a Federação Única dos Petroleiros.
“Os gestores da empresa socializam os investimentos e privatizam os lucros. Quem paga os dividendos para os grandes fundos de investimentos nacionais e internacionais é o povo brasileiro” (https://www.cut.org.br/noticias/petrobras-registra-novo-superlucro-e-acionistas-vao-embolsar-mais-r-48-bilhoes-0291).
Segundo Nota Técnica do DIEESE, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, a gasolina subiu 73,3%, nas refinarias da Petrobras; o diesel subiu 54,8%, e o gás de cozinha, 192%, entre outubro de 2016, quando ela adotou o PPI, e 2 de março do ano passado.
No mesmo período, a inflação foi de apenas 17,7%.
Mais: em 2019, o Brasil se tornou o 10º produtor mundial de petróleo e o seu parque de refino era o 9º do mundo.
Para completar, o custo de produção, nas refinarias da Petrobrás, caiu 31%, entre 2016 e 2020.
Leia a íntegra da Nota: https://drive.google.com/file/d/1BVXZW-tshB5UzdlymIcsnST9hXk2pYA0/view?usp=sharing
Bolsonaro recorre ao Centrão e ataca cofres estaduais
Mas para não mexer nos lucros bilionários da Petrobras, Bolsonaro resolveu atacar os cofres estaduais e municipais.
No último 25 de maio, com o apoio do Centrão, ele conseguiu que a Câmara dos Deputados aprovasse um projeto de lei limitando em 17% o ICMS dos combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transportes coletivos.
Agora, o projeto se encontra no Senado Federal, onde deverá ser votado na próxima segunda-feira (13/06), e a tendência é que seja aprovado também.
O problema é que a redução do ICMS vai provocar uma queda de preços muito pequena e temporária.
Segundo o Instituto Combustível Legal e analistas ouvidos pela rede de TV CNN, a maior queda do litro da gasolina será de R$ 1,15, no estado do Rio do Janeiro.
As outras maiores reduções ocorrerão nos estados de Minas Gerais (R$ 0,94), Piauí (R$ 0,91), Rio Grande do Sul (R$ 0,86) e Goiás (R$ 0,85). Em São Paulo, ela será de apenas 48 centavos (https://www.cnnbrasil.com.br/business/teto-do-icms-reducao-na-gasolina-pode-chegar-a-r-115-por-litro-dizem-economistas/).
O próprio autor do projeto, o deputado federal Danilo Forte, do partido União Brasil, disse à imprensa que estima uma queda de 9% a 12%, no preço da gasolina, e de 11% no preço da energia.
Mas isso, é claro, se as empresas baixarem seus preços nos mesmos percentuais, coisa em que ninguém acredita.
Até porque os governadores congelaram o ICMS, em novembro do ano passado, e mesmo assim os preços dos combustíveis continuaram subindo.
Assim, os bilhões de reais de arrecadação que os estados e municípios já perderam com esse congelamento, e que deveriam ter beneficiado toda a população, acabaram, aparentemente, nas mãos de uns poucos.
“O ICMS sobre o óleo diesel está congelado desde novembro do ano passado, quando o combustível estava custando R$ 4,90, e hoje já está R$ 7,00. Essa diferença foi para o bolso de quem? O consumidor se beneficiou? Claro que não”, disse o governador da Bahia, Rui Costa, no último dia 8, durante reunião entre os governadores e senadores (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/06/08/combustiveis-governadores-resistem-ao-plp-18-e-negociacoes-sobre-icms-continuam).
Além disso, basta um novo aumento de preços, nas refinarias da Petrobras, em decorrência do PPI e da desvalorização do real, para que os combustíveis voltem a subir.
Perda do Fundeb pode chegar a R$ 19 bilhões
Mas o pior é que a súbita redução do ICMS para 17% será devastadora para os estados e municípios, e para a população em geral.
A perda de recursos, para os estados e municípios, poderá ser de até R$ 83,5 bilhões por ano, diz o Comsefaz, o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (https://comsefaz.org.br/novo/index.php/2022/05/26/camara-aprova-projeto-devastador-para-as-financas-de-estados-e-municipios/).
Se isso ocorrer, alerta a ONG “Todos Pela Educação”, o Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, perderá até R$ 19,2 bilhões, ainda neste ano.
Com isso, os municípios que mais dependem do Fundeb poderão enfrentar dificuldades para tocar obras em andamento, operacionalizar o transporte escolar, e até mesmo para “honrar” os salários dos trabalhadores da Educação.
“Comparativamente, R$ 19 bilhões é mais do que a União destinou para a complementação da União ao Fundeb em 2021 e é praticamente cinco vezes o valor do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) para 2022”, diz a nota da ONG (https://drive.google.com/file/d/10yW5quDRKVFJlvb5Txv7OJvdlNGiEXSm/view?usp=sharing).
No Pará, a previsão é que os 144 municípios amarguem uma redução de quase R$ 1,2 bilhão de ICMS, até 2024, segundo um levantamento da CNM, a Confederação Nacional dos Municípios (https://drive.google.com/file/d/1ianzEYzHCPp_brcN-z4Q4nRsPK5KBEBL/view?usp=sharing).
No Governo do Estado, o cálculo é de uma perda de até R$ 1,760 bilhão, em seis meses, e de R$ 2,759 bilhões, em um ano, o que levará à redução de recursos da Saúde e da Educação, e também dos repasses a outros poderes, como o Judiciário e a Defensoria Pública, com impactos nos serviços à população mais vulnerável.
Segundo um documento publicado há poucos dias pela Fecombustíveis, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes, hoje a menor alíquota de ICMS da gasolina tipo C é de 23%, no estado do Mato Grosso.
Acre, Amapá, Amazonas, Rio Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina e São Paulo cobram 25%.
Rondônia cobra 26%; Espírito Santo e Distrito Federal, 27%.
Bahia e Pará, 28%
Alagoas, Ceará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins, 29%
Goiás e Mato Grosso do Sul, 30%; e o Maranhão, 30,5%.
Minas Gerais e Piauí, 31%
A maior alíquota, de 34%, é cobrada pelo estado do Rio de Janeiro, onde é esperada a única queda de preços acima de 1 real por litro, apenas em se tratando de ICMS (https://drive.google.com/file/d/1F1NvI99gRjPSJ4fbwkfvKM4_LoQWfWcz/view?usp=sharing).
Governo Federal tem R$ 4,8 trilhões. Todos os estados, somados, R$ 1,120 trilhão
São os municípios que cuidam de praças, iluminação pública, limpeza das ruas, ensino básico, UPAs, prontos socorros.
Já os governos estaduais tratam do saneamento, fornecimento de água, segurança pública, atendimento hospitalar, ensino médio e até universitário, construção e manutenção de estradas estaduais, por exemplo.
Mesmo assim, é o Governo Federal quem abocanha a maioria dos impostos recolhidos da população.
Só para este ano, o orçamento do Governo Federal supera R$ 4,8 trilhões.
Já os orçamentos de todos os 27 estados e Distrito Federal somam cerca de R$ 1,120 trilhão.
A disparidade de recursos obriga a que os estados recorram ao Governo Federal, sempre que enfrentam graves dificuldades financeiras.
E o que se comenta, nos bastidores políticos, é que um dos objetivos dessa redução do ICMS é fazer com que os governadores tenham de recorrer a Bolsonaro, que assim poderia tentar negociar o apoio deles à sua reeleição.
Afinal, como disse à CNN o economista Alexandre Schwartsman, tudo o que os estados poderão fazer para compensar tais perdas é “basicamente, sentar na sarjeta e chorar”.
Segundo Schwartsman, as perdas de ICMS praticamente eliminarão o superávit dos estados, gerando uma situação “absolutamente devastadora”.
Além disso, não resolverão a alta dos combustíveis, “que não tem rigorosamente nada a ver com o ICMS”.
Para ele, tudo o que se vai conseguir com essa redução tributária é “ferrar” as contas dos estados e “provocar um desastre, e um desastre que não será daqui a 5 anos, mas que nos espera já no ano que vem” (https://www.youtube.com/watch?v=cgcb2hsc0hM).
Uma bomba para o próximo presidente
Um dos grandes problemas dessa perda de recursos é que ela ocorrerá no meio do ano e distante da elaboração do próximo PPA, o Plano Plurianual.
Por força de Lei, o Poder Público tem de obedecer a um planejamento de seus gastos.
Um dos principais instrumentos desse planejamento é o PPA, que define os objetivos para os próximos quatro anos, e como é que eles serão alcançados.
O PPA traz até mesmo uma estimativa, ano a ano, do crescimento da arrecadação e das despesas.
E é com base nesse plano que os estados e municípios fazem os seus orçamentos anuais: eles pegam a estimativa dos recursos que terão para aquele ano e distribuem pelos diversos setores, programas e ações em que deverão ser gastos.
A redução do ICMS, no meio de um ano e distante do próximo PPA, pega esse bonde andando e o obriga a desacelerar, ou até mesmo a parar.
Até porque grande parte dos orçamentos dos estados e municípios são feitos de recursos que não podem ser tirados daqui e colocados ali, como a gente faz em casa.
Há as chamadas “verbas carimbadas”, que têm de ser gastas em um determinado setor, como é o caso do dinheiro do Fundeb.
Outro tanto se destina a pagamentos que não dá para dar calote. E, às vezes, nem para adiar.
É o caso dos salários dos servidores públicos e do pagamento dos fornecedores de materiais para os hospitais, por exemplo.
É o caso das dívidas milionárias que os estados e municípios já possuem, e que, se não pagarem, acabarão em uma espécie de SPC/Serasa federal, ficando sem empréstimos para as obras que estão realizando, ou que pretendem realizar, já que estão previstas no PPA.
Assim, a súbita perda de recursos pode obrigar a cortes do “custeio”, que são as despesas para o funcionamento da máquina pública: luz, água, combustíveis, materiais para os postos de saúde, por exemplo.
Pode obrigar até mesmo a demissões.
Pode obrigar, ainda, ao corte dos investimentos: em geral, obras de construção civil, que aquecem a economia e geram milhares de empregos.
Ainda pior, porém, é se nem esses cortes resolverem o problema e a redução do ICMS provocar, como diz Schwartsman, a “eliminação do superávit” dos estados.
Porque isso significa que vários deles se tornarão deficitários, ou ainda mais deficitários.
Em outras palavras: os estados e municípios que já possuem menos dinheiro do que as despesas que têm, ou seja, que são deficitários, poderão acabar em situação desesperadora.
Já os estados e municípios que têm mais dinheiro do que aquilo que gastam, poderão acabar deficitários.
Os rombos nos orçamentos, de Norte a Sul do Brasil, obrigarão o Governo Federal a arranjar dinheiro público, dinheiro de impostos, para repassar aos estados e municípios, que, sem isso, não terão como pagar as suas contas.
Só que há um problema: o Governo Federal também já é deficitário. E se resolver “imprimir dinheiro”, acabará alimentando a inflação.
É uma bomba impressionante, que vai explodir no colo do próximo presidente da República.
E tudo para não mexer nos lucros bilionários dos acionistas da Petrobras, e ainda "fazer média" junto ao eleitor.
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