Um estudo de caso
Na cozinha, na hora do café:
_Égua, Juvenal, acho que eu vou fazer vestibular pra Psiquiatria...
_Ué, por que, queridinha? Você tá querendo deixar o Jornalismo, é?
_Não, Juvenal: eu tô é querendo te transformar num estudo de caso!...
_Estudo de caso, “queridinha”, é o hospício da casa da tua mãe!...
__Ô Juvenal, sem brincadeira, você já arreparou que é um tratado ambulante de tudo que é neurose?
_Como é que é?
_É verdade!... Todas as manhãs você cumpre o “mermo” ritual!... Pera lá que eu vou mostrar!... (levantando-se, para imitar o maridão...) Primeiro, você retorce a cara e se espreguiça assim, ó: uáááááááá!... Depois, coça o saco, ó, três vezes de um lado... três vezes do outro... Aí, você vai pro banheiro que nem peru em véspera de Natal... Assim, ó!... No banheiro, você passa, contadinho de relógio, uma hora e 23 minutos!... Primeiro, mija que nem um condenado...Chóóóóóó...Chóóóóóó... Chóóóóó... Depois, ajeita essa barba imaginária, que você jura que tá crescendo desde os tempos do Matusalém... Aí, você senta na privada e gargalha assim, ó: ah,ah,ah,ah...ah,ah,ah, ah... ah, ah, ah, ah... eheheheh... eheheheh... eheheheh... eheheheheheh... bem uns dez minutos, com o almanaque do Cascão... Depois, se esgoela no chuveiro, que nem o Duardo Dusek... E aí começa a parte mais horripilante do dia: a experimentação estética!... Tipo personal styling da Madame Min... Você pega uma camisa de cafetão da Riachuelo e mistura com uma calça que não cabe nem no Brad Pitt!... E ainda complementa o “look” com uma sandália tão velha, mas tão velha, que até o pessoal do Hair já mandou incinerar!... Depois, vem tomar café e enfia os zolhões esbugalhados nesse jornal, que, por sinal, você já leu umas três vezes na internet...
_Ah, agora eu entendi: você tá chateada porque eu tô lendo o jornal, né? Juliana... Você quer é conversar, né, queridinha?... Tipo assim, “discutir a relação”!...
_Mas por que será que pra vocês tudo se resume em “discutir a relação”?...
_Ah, o negócio é imitar, né, queridinha?... Então, vamos lá!... (levantando-se para imitar a mulher) Vamos supor que eu sou você de manhã...
_Pera lá, Juvenal!... Pera lá, que agora, “rrrealmente”, você conseguiu me ofender!...
_Sabe qual é a sua sorte, Juliana? É que eu sou um gentleman, um cavalheiro. Ou, melhor ainda, um espírito de luz!...
_...Só se for um espírito de luz debaixo de um trrremendo dum blecaute, né mermo, Juvenal?
_Ah, é? Pois se eu não fosse um gentleman...
_Tipo assim, o rei das menininhas do Beiradão do Jari...
_...Eu ia sair apontando todos os seus defeitos!...
_Tipo?
_ Você já reparou, Juliana, que você mais parece uma abduzida com histórico mediúnico?
_Como é que é?
_Uma abduzida com histórico mediúnico, queridinha!...Você é uma pessoa geneticamente perturbada: cresceu imaginando coisas, ouvindo vozes que lhe juravam que você é um clone da Gisele Bündchen... E aí, pra piorar a situação, ainda apareceram uns extraterrestres de um manicômio intergaláctico, que resolveram examinar você. Resultado: hoje você padece – visivelmente - de angústia desvairada, fantasia exacerbada, psicose pós-traumática, alternância de humor, introversão da libido e confusão mental!...
_Quer dizer: faltou um milímetro pra ser doida, né mermo, Juvenal?...
_Mas quem falou em milímetro, queridinha?
_(...)
_ E tem mais, Juliana: se duvidar, você é até uma Star People!
_Como é que é?
_Uma Star People, queridinha: esses seres esquisitos de outros planetas que vivem entre nós!...
_Ô Juvenal, é sério: por que é que você não faz uma parceria básica com a finada Mãe Delamare?... Égua, que vai ser o maior sucesso de lá do Ver o Peso, desde a dupla Arara e Ararinha!...
_Não brinca, queridinha, quer dizer que você conheceu a Arara e a Ararinha, é?
_A bem da verdade, Juvenal, isso são histórias que a minha irmã, ó, ó, muito, mas muito mais velha do que eu contava, quando eu era assim, ó, ó, desse tamanhinho...
_Sério, queridinha? E eu que nunca imaginei que aquela sua irmã, com aquela saúde toda, já tivesse bem uns trocentos anos, “né mermo?”...
_É porque ela aplica Botox na merma clínica da tua mãe, queridinho!...
_Ah, agora eu entendi!... Foi por isso que você perguntou pra minha mãe quem é o esteticista dela, né, Juliana?... Você também tá querendo ajeitar esses seus “pezinhos galináceos”...
_Quem tem “pezinho galináceo”, Juvenal, é a tua mãe, o teu pai e a tua avó!...E no teu caso, Juvenal, já nem é “pezinho galináceo”: é um galinheiro inteiro de galinhas pré-históricas!... Isso daqui, queridinho, ó, ó, são ruguinhas de expressão!... Ruguinhas de expressão, Juvenal!... Coisa que até menininha de 20 aninhos já tem...
_Você deve estar falando daquelas “menininhas” do Antigo Egito, né, MEU AMOR?... Aqueles “brotinhos” que os arqueólogos desencavam, de vez em quando, de alguma TUMBA...
_... Que é a mesma TUMBA onde você permaneceu enterrado por uns 100 mil anos, né mermo, Juvenal? Até ser ressuscitado num revertério dum ritual Vodu!... Aliás, é pena que o ritual só tenha funcionado da cintura pra cima, né mermo, queridinho?... Porque, como você bem sabe, há certas cositas suas que permaneceram, a bem dizer, “perdidas no espaço”...
_Engraçado: ontem à noite, você não pareceu achar isso, “né mermo”, queridinha?...
_Sabe qual é o problema de vocês, Juvenal? É que vocês são todos uns iludidos!...A gente não pode nem dar um espetáculo básico, que vocês já ficam pensando que são os rrrreis da cocada-preta! Tipo assim: “ai... ai... ai... ai... AAAAAAI!... AAAAAI!... Não pára, não pára!... ai, ai,ai, ai, aiiii!...Isso!... Isso!... Isso!... me pega com força, me pega com força!... Vem com tudo, vem com tudo, meu garanhão!... GARANHÃO!... Isso, isso, isso, isso!... Me chama de Pimpinela!... Me chama de Pimpinela!...AAAAAAaaaaaaaa!...”
_(...)
_Que é que foi, queridinho, o gato comeu tua língua, é?
_Sabe de uma coisa, Juliana, eu até hoje não sei, sinceramente, por que é que me casei com você!...
_Deixa disso!... Tu adoras o meu cheiro, a minha pele, o meu suor...
_Vaca!...
_Garanhão!...
_Pimpinela!...
_Chama de novo, chama!...
(Pano. Rrrrrrápido!)
Belém, 08 de maio de 2010
2 comentários:
égua....agora é tempo de ficção?
Delicioso texto! Parabéns!
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