sábado, 24 de novembro de 2007

menina1


Um caso escabroso



A história dessa adolescente que ficou presa durante dias entre duas dezenas de homens é um caso escabroso; não há por onde se lhe pegar.


Confesso que se trata de uma situação tão brutal e tão constrangedora que deixa a gente até sem palavras.


É uma história tão selvagem, tão absurda, que parece impossível de acontecer no Ocidente, em pleno século XXI.


Não fosse adolescente, fosse anciã; não fosse uma garota, fosse uma prostituta; não fossem vinte homens, mas apenas um ou dois - ainda assim não haveria justificativa ou atenuante possível para o que aconteceu.


Eu, pelo menos, não consigo encontrar.


Ainda agora me custa crer que isso não tenha decorrido de maldade, de vingança, de alguma questão pessoal, mas, de incompetência pura e simples.


E de uma mentalidade do tempo das cavernas, que (Deus do Céu!) parece predominar em nossas polícias e em nosso Judiciário - e até, pelo visto, em muitos insuspeitos doutores.


A mentalidade que vê direitos humanos como “privilégios” de alguns.


Não há o que fazer, não há justificativa a apresentar; perdão que se peça à sociedade e a essa garotinha, que possa, de alguma forma, diminuir o horror que viveu e que, provavelmente, jamais esquecerá.


Um horror que, certamente, marcou, a ferro e fogo, o mais profundo da alma...


Mas, mesmo assim, é preciso ter a grandeza de pedir perdão, porque isso é o mínimo que espera sociedade.


Era preciso que o Governo do Estado tivesse tido essa grandeza, desde o começo. E não apenas o Executivo, mas, o Ministério Público e o Judiciário, também.


Desde o primeiro momento, era preciso que os companheiros tivessem olhado nos olhos da sociedade e expressado a dor e a revolta que sentiam, por não terem conseguido evitar que uma coisa assim acontecesse a um ser humano, e o que pior, a uma garotinha.


Era preciso que deixassem claro, desde o primeiro momento, que não compactuam com algo assim; e que jamais deixarão barato algo assim; que irão às últimas conseqüências, para apurar e punir. E, sobretudo, para evitar que algo assim possa se repetir.


Essa coalizão que hoje comanda o Governo do Pará é feita de pessoas que têm uma história de vida, em defesa dos direitos humanos e constitucionais.


Tanto no PT, quanto no PMDB, quanto no PSB são milhares os companheiros que, mesmo diante de ameaças à própria integridade física, jamais recuaram na defesa de pessoas presas, torturadas e violentadas.


Temos, todos, uma história de luta que se agiganta, diante de alguns daqueles que, oportunisticamente, hoje se aproveitam desse episódio, apenas, para acusar – mas que são os mesmos que defendem, muitas vezes, a diminuição da maioridade penal.


Os mesmos que serviram, ciosamente, a uma ditadura, que prendia, matava, arrebentava.


Os mesmos que ficaram caladinhos diante do massacre de Eldorado dos Carajás e de tantos outros massacres ocorridos em nosso estado, ao longo dos últimos doze anos.


Mesmo assim é preciso admitir os erros trágicos, desse episódio.

E o maior deles foi não termos tido a capacidade de sofrer, de nos comovermos, desde o começo, junto com a sociedade.


Porque os companheiros que estão no governo preferiram agir, em primeiro lugar, como governo, preocupando-se, em primeiro lugar, com o aproveitamento do caso pela oposição, ao invés de agirem como sempre agiram: como cidadãos.


Sinceramente, fiquei perplexa ao constatar a insensibilidade de alguns, ao tomarem conhecimento do caso.


Por um erro brutal – para dizer o de menos – tratou-se, primeiro, de tentar transformar a vítima em algoz.


Ficou-se dizendo que a menina não era menor; era maior; que não era “moça direita”. Em suma, que pertencia a uma categoria criminosa incriada, no Estado democrático de direitos, porque passível de ser, simplesmente, atirada aos leões...


Não sei o que se passou nas mentes “brilhantes” que pensaram algo tão absurdo.


Talvez que essas pessoas não tenham nem mães, nem filhas, nem irmãs, nem, ao menos, conhecidas do sexo feminino.


Ou, se forem mulheres, talvez que ao invés de se orgulharem, tenham é vergonha do sexo que carregam entre as pernas.


Só sei é que tal estratégia, se assim pode ser chamada, gerou uma catatonia cujo resultado é essa bola de neve que aí está.


E que tenta nos transformar em vilões de um Estado que recebemos desmantelado, porque pacientemente desmantelado, em doze anos de tucanato.


Creio que mesmo se vivesse mil anos jamais poderia compreender como é que um ser humano, especialmente dessa categoria tão ciosa da própria inteligência – os doutores – pode raciocinar de forma tão abestalhada.


Como é possível que alguém possa ao menos imaginar a possibilidade de justificar a prisão de uma menina ou de uma mulher, entre dezenas de homem, por ela ser puta, “safada”, ou o que quer que valha?


Mas será que não houve um único cérebro, uma única alma neste governo que não visse logo que isso é um atentado tremendo a direitos humanos fundamentais?


Minha xará deveria ter sido firme, no discurso e na ação, desde o primeiro momento.


Se as informações eram parcas e desencontradas, deveria ter mandado imediatamente a Abaetetuba, que fica logo ali, pessoas de sua confiança – as secretárias de Segurança e de Justiça e Direitos Humanos, por exemplo.


E afastado de bate pronto todos os possíveis envolvidos, até o resultado da apuração.


Num momento como esse, se os companheiros me permitem, não dá, simplesmente, para ficar punhetando.

É preciso fazer desde logo o básico. E, se for o caso, errar – mas, pelo que se fez a mais, e não, simplesmente, pelo que se deixou de fazer.


E agora me dêem licença que vou sair com a minha garotinha, a filhinha que é a coisa mais preciosa que Deus me deu.


Quero “lamber a cria”, abraçá-la muito, dizer-lhe do meu amor, como faço todos os dias.


E erguer as mãos para os céus por não ter sido ela...

2 comentários:

Anônimo disse...

Pereca, acho que você encotrou um novo caminho para seu blog. Texto brilhante, sem agressão nem paixão, com consistência e fundamento. E, principalemnte, muita verdade. Essa é a Ana Célia que conheci ainda nos anos 70.
Que bom!

Anônimo disse...

Faço minhas palavras as do anônimo das 8:11 h.

Brilhante e consequente.

Será que a Bastilha é no Pará. Será que a governadora irá mandar distribuir brioches.

Impedimento!!!!