Sobre Nélio Palheta e Ney Messias
Essa trapalhada da “demissão a bem do serviço público” do Nélio Palheta e do Ney Messias é uma coisa muito complicada. Sobretudo, porque envolve um tipo de comportamento político que é preciso banir das nossas vidas, se quisermos, de fato, construir uma sociedade democrática.
Tenho todos os motivos do mundo para não meter a minha colher nessa história. Não gosto do Nélio e não escondo isso. Teria, aliás, todos o motivos do mundo, também, para até ficar contente com o que ele está a passar, em termos de dificuldades financeiras. Afinal, não é nada assim tão diferente do que ele fez muita gente passar...
Mas, prefiro não me deixar levar por sentimentos, especialmente, quando o que está em jogo é muito maior do que os “mundinhos” de cada um de nós.
Essa história do convênio da Funtelpa é uma daquelas aberrações que só o provincianismo paraense foi capaz de possibilitar.
Aqui, qualquer sujeito, com qualquer merreca de poder, se apropria impune e despudoradamente da coisa pública. O que dizer, então, daqueles que detêm o poder dos veículos de comunicação de massa?
Lembro de ter ligado para várias tvs públicas do Sudeste, quando pesquisava a história desse convênio. E certa vez, ao conversar com o diretor de uma dessas emissoras, ele teve, de início, até dificuldade em compreender o que eu estava contando. Depois, desatou a rir, diante do absurdo da situação...
Minha filha, agora com 18 anos, teve a mesmíssima reação.
Não é para menos. Afinal, como é que pode entrar na cabeça de alguém, com um mínimo de inteligência, de discernimento moral, digamos assim, que seja possível a uma empresa privada utilizar-se de um bem público, em benefício dela – única e exclusivamente dela – e ainda receber milhões do Estado por isso?
Não há como justificar tamanha promiscuidade. Porque esse é o tipo de ação que só conseguiremos compreender se abstrairmos todas as conquistas históricas que obtivemos, em termos de Cidadania, de Democracia, de separação entre o público e privado, e passarmos a raciocinar a partir de uma visão monárquica - ou até feudal.
Tenho para mim, portanto, que quem, de alguma forma, compactuou com isso, errou e errou feio. E tem, sim, de ser punido por isso – e é possível que já esteja sendo, na medida em que os tucanos foram apeados do poder pelo eleitorado.
Mas, sobretudo, o importante é que a pena não transcenda a participação de cada um.Porque, se transcender, nada terá de Justiça. Será, tão somente, vingança, perseguição e até covardia.
Todos os agentes deste grande jogo que é a política somos senhores dos próprios atos. E sabemos que, ao darmos a cara nesse cassino, estamos nos sujeitando a levar para casa não apenas o bônus. Mas, o ônus, também.
E o importante é que aprendamos a cultivar um mínimo de respeito pelos nossos adversários. Principalmente, porque isso é essencial à democracia. Mas, também, porque o poder é efêmero, ilusório. E a roda da democracia há de nos colocar, sempre, ora em cima, ora embaixo.
Sobretudo, não podemos esquecer do que são os nossos adversários: a contribuição que deram às lutas democráticas, as competências que possuem, as vidas que escreveram, o mais honradamente possível, e que não podemos, simplesmente, embolar e jogar no lixo, para mostrar serviço a esse ou aquele “Senhor” de plantão.
Nélio e Ney, com certeza, erraram – e eles, certamente, sabem disso. Mas, não são bandidos. E não podem, portanto, ser tratados como bandidos.
Têm uma opção ideológica e direito líquido e certo a isso, da mesma forma que qualquer um de nós.
Neste cassino, não há anjos ou demônios. Todos fazemos o que é preciso. E temos perfeita consciência de que, um dia, talvez tenhamos de responder por alguma coisa que fizemos, seja por “lealdade” a um projeto de poder ou a um mandatário, seja por termos, simplesmente, “consentido”.
Mas, daí a imaginar que, quem está ganhando, tem o direito de reacender fogueiras inquisitoriais vai enorme diferença.
Quando li, anteontem, as portarias de demissão “a bem do serviço público”, pus-me a perguntar, em primeiro lugar, qual o significado prático do que ali estava escrito.
Afinal, ambos já estão afastados do serviço público, desde o início de janeiro.
Soube, então, que tudo não passara, em primeiro lugar, de uma grande confusão jurídica.
Levou-se ao pé da letra a recomendação de uma comissão processante, com parcos conhecimentos jurídicos. E quem deveria possuir tais conhecimentos, esqueceu-se da distância que existe entre a recomendação do pelourinho e a possibilidade de mandar alguém ao pelourinho, no Estado democrático de direitos.
Mais que isso: esqueceu-se que uma coisa é o circo romano, a clamar por sangue. E outra, o equilíbrio, a temperança, que tem de nortear o comportamento democrático.
Posteriormente, tomei conhecimento do efeito prático da “demissão a bem do serviço”, em que se pretende transformar a exoneração do Ney e do Nélio: os dois não poderão, simplesmente, retornar ao serviço público.
Achei tal intenção não apenas cruel, mas, mesquinha, covarde “mermo”.
Em primeiro lugar, porque é muito fácil punir “exemplarmente” os peões, ao invés de investir contra o Rei.
Ora, perguntei aos meus botões: a quem interessou, a quem beneficiou, em primeiro lugar, o convênio entre a Funtelpa e a Tv Liberal?
E é claro que a resposta não poderia ser outra: as ORM, aos Maiorana e aos governadores que determinaram a transação.
Então, por que não punir, “exemplarmente”, em primeiro lugar, os grandes e reais beneficiários?
Será por que detêm poder? Será por que possuem a capacidade de retaliar? Será por que as pessoas têm medo do dia de amanhã, frente a adversários são poderosos?
É muito fácil, de fato, voltar as baterias contra quem está no chão. É muito cômodo chancelar “vingancinhas” contra quem não possui, aparentemente, condições de se defender.
Em segundo lugar, creio que é de incrível pequenez (e não vai aqui qualquer referência à estatura física do Nélio...) o ato de impedir o retorno de cidadãos ao serviço público, simplesmente porque não possuem a nossa “fé” ideológica.
Temos de desarmar os espíritos, os palanques. A eleição acabou há uns nove meses; agora, porrada, “mermo”, só no ano que vem.
Temos de tocar nossas vidas e sepultar de vez – mesmo no período imediatamente após as eleições – essa mania antidemocrática de condenar a minoria, o diferente, a um gueto – ou até pior, aos leões.
Afinal, nos queixamos tanto das perseguições tucanas. Dessa arrogância, dessa coisa nojenta de ficar pendurando o adversário numa gaiola, para assisti-lo morrer, lentamente, de fome e de sede – e vamos fazer igual?
Mas que diabos foi que pensamos, quando pensamos alcançar o poder? Era só isso? Era, simplesmente, para isso?
É claro que continuaremos a nos embolar no meio de campo. Vale dar bicuda? Vale – e de parte a parte. Vale puxar a camisa, segurar na perna, no braço e dar peteleco? Vale. E vale até agarrar pelos cabelos, de vez em quando. Mas não vale é aleijar, esfolar, incapacitar para todo o sempre. Porque aí deixa de ser jogo. E vira pura e simples carnificina.
Temos, todos, de aprender, de fato, o significado da expressão “respeito democrático”.
É nos limites da democracia que temos de aprender a jogar.
Se, depois de tantos anos de luta democrática, de militância, não conseguirmos aprender esse mínimo, esse básico, então é melhor que deixemos o cassino, para fundar uma igreja pentecostal.
Os jogadores agradecem. E a sociedade também.
2 comentários:
Qual seria então a punição mais eficaz, pros "peões", "bispos","reis" e "rainhas" desse jogo? Como servidores públicos, pagos com dinheiro do contribuinte, não podem realizar atos ilegais e imorais, lesando o Estado, sem que tenham uma punição que de fato os impeça de tornar a repetir o seu "erro". Se acreditam que o que fizeram foi legal, podem recorrer a justiça. Caso contrário a punição saiu barato.Se algum dia se arrependerem poderão ser bons cidadãos ajudando a eleger gente mais decente.
Vacilaram.Não são confiáveis.São mais dois hipócritas.
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