Ananindeua virou uma festa para quem vive à margem da Lei.
Uma terra onde o prefeito e empresários fazem o que bem entendem e permanecem impunes.
O “xerife”, que é o Ministério Público, dorme em berço esplêndido.
O TCM e a SEFA ninguém sabe, ninguém viu.
Nossa Câmara Municipal, desde sempre às voltas com fantasmas, virou ela mesma uma assombração.
Nossos vereadores mais parecem meros garçons do prefeito, a servir-lhe todas as pizzas desejadas.
No mês passado, o prefeito aumentou em 67% o próprio salário, que saltará de R$ 12 mil para R$ 20 mil, a partir de 1º de janeiro.
E foram os garçons, digo, as “excelências” da Câmara Municipal, que fizeram o projeto desse impressionante aumento salarial, que o prefeito, é claro, aprovou e transformou em lei.
De quebra, as “excelências” também aumentaram em 45,5% os próprios salários, que passarão de R$ 11 mil para R$ 16 mil, também a partir de 1º de janeiro.
Afinal, ninguém é de ferro.
E o trabalho das nossas “excelências” deve ser mesmo muito cansativo...
Na época, a Prefeitura já devia R$ 30 milhões às empresas que coletam o lixo da cidade.
E sabe o que foi que aconteceu diante desses aumentos salariais muito acima da inflação, apesar dessa dívida milionária com as empresas do lixo?
NADA. NADICA.
As “excelências”, elas mesmas beneficiárias, não deram um pio.
Assim como também não deram um pio o Ministério Público e o TCM.
Essa omissão dos que deveriam agir é o comum, o cotidiano, aqui em Ananindeua.
Daí que o resultado só poderia ser a certeza de impunidade.
O prefeito e empresários fazem o que querem.
E hoje, a gente tem dificuldade até mesmo para comprar água mineral, se tiver a “ousadia” de pedir uma Nota Fiscal ao comerciante.
A Prefeitura não serve nem mesmo para limpar a cidade, que vive tomada de lixo, mato e lama.
Isso sem falar na crescente miséria.
Ananindeua é a cidade com a segunda maior proporção de favelados, de todo o Brasil.
Mais de 60 por cento da nossa população vive em favelas.
Vive em barracos, casas precárias.
Vive em áreas abandonadas pelo Poder Público, sem acesso a serviços essenciais, como é o caso do saneamento.
E isso quem diz não é nenhum político: é o Censo do IBGE, de 2022.
Esta cidade possui mais de 287 mil favelados.
Seres humanos que vivem em condições que os ricaços não destinam nem aos seus animais.
Até o gado e os cavalos de raça desses ricaços têm melhores condições de vida do que esses 287 mil cidadãos.
Temos quatro vezes mais favelados do que a Rocinha, que possui 72 mil habitantes e é a maior favela do Brasil.
E o que fez o prefeito diante dessa tragédia?
Ele foi atrás de dinheiro, para investir maciçamente em saneamento?
Ele ao menos melhorou a coleta de lixo nessas áreas, para que não ficassem ainda piores?
Não, nada disso!
O que o prefeito fez foi inaugurar um “parquinho de diversões”, para encher os olhos da classe média e dos intelectuais.
Um “parquinho de diversões”, enquanto deixava a maioria da nossa população a viver pior do que o rebanho bovino e os cavalos de raça, que ele possui.
E o pior é que ninguém faz nada.
Parece até que é “normal” torrar o dinheiro público em um monte de obras eleitoreiras, enquanto a maioria da população vive em condições sub-humanas.
É visível o enriquecimento do prefeito.
Como diria a minha santa e finada mãe, há apenas 12 anos ele não possuía o que periquito roesse.
E aí foi eleito vereador, deputado, prefeito.
Comprou um hospital requenguela, que mais parecia um postão de saúde da década de 1990.
E hoje aquele hospital virou um conjunto de prédios espelhados, e é um dos maiores da Região Metropolitana.
Segundo a Exagro, uma empresa de consultoria do estado de Minas Gerais, só uma das fazendas do prefeito, no município de Tomé-Açu, já possuía, em 2022, quase 5 mil cabeças de gado e mais de 4 mil hectares.
É um mundão de terra: cada hectare equivale a 1 campo de futebol.
De onde veio toda essa fortuna ninguém sabe.
O que se sabe é que toda essa grana poderia ter ajudado a melhorar as vidas de milhares de favelados desta cidade.
E enquanto a Justiça não alcança o prefeito, o exemplo dele se espalha pelo empresariado.
Afinal, se ele faz o que bem entende e nada lhe acontece, por que é que outros não poderiam agir da mesma maneira?
E assim, Ananindeua, que tem tudo para ser uma cidade-modelo, vai se transformando em um autêntico pesadelo.
Somos mais de 478 mil cidadãos abandonados pelo Poder Público, nas mãos de verdadeiras quadrilhas.
Viramos uma terra de impunidade e de crescente miséria.
Um senzalão com mais de 287 mil favelados, aos quais se nega o básico do básico.
Uma gente de morte e vida Severina, como no poema do grande João Cabral de Mello Neto:
“(...)Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia (...)”